REl - 0600560-67.2020.6.21.0172 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/02/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

1. Análise de novos documentos e anulação da sentença

Destaco que o recorrente requer o conhecimento de documentos juntados na instância inicial após o parecer conclusivo e não conhecidos pelo juízo de origem, nomeadamente extratos bancários, Guia de Recolhimento da União e correspondente comprovante de pagamento, nota fiscal referente a material impresso, extrato da prestação de contas final retificadora, contrato e recibo de pagamento de prestação de serviço.

Alternativamente, o prestador pede a declaração de nulidade da sentença pelo não conhecimento dos documentos.

Pedido que, adianto, não procede.

A legislação de regência confere ao prestador o prazo de três dias, sob pena de preclusão, a partir da intimação do relatório preliminar, para esclarecimentos e apresentação de documentos, e determina que a retificação voluntária da prestação de contas somente pode ser oferecida antes do pronunciamento técnico, sob pena de invalidade, conforme os arts. 69, §§ 1º e 6º, e 71, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nesse norte, correta a sentença ao não conhecer dos documentos apresentados somente após o parecer conclusivo, e não há que se falar em nulidade.

Mas há outro motivo, o da utilidade.

A declaração de nulidade não seria útil à demanda, sobretudo porque o conhecimento de novos documentos em fase recursal é prática aceita por este Tribunal na classe processual sob exame, desde que o aceite não represente prejuízo à tramitação do processo, quando se tratar de documentos simples, capazes de esclarecer as irregularidades apontadas sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares.

No caso concreto, portanto, entendo viável a análise da documentação apresentada pelo recorrente, com exceção da prestação de contas retificadora, pois sua aceitação exigiria uma nova análise técnica de cunho contábil, com reabertura de instrução para o exame detalhado dos lançamentos em cotejo com demais informações e dados constantes dos extratos eletrônicos, resultando em supressão de atividade atinente, na espécie, ao Juiz Eleitoral da instância inicial.

Portanto, não conheço da prestação de contas retificadora, admitindo os demais documentos, e afasto o pedido de declaração de nulidade da sentença.

2. Mérito

REGIS TIARAJU FELIZARDO, candidato ao cargo de vereador no Município de Novo Hamburgo nas eleições 2020, interpõe recurso contra a sentença proferida pelo Juízo da 172ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas em razão de (1) ausência de extratos bancários; (2) ausência de comprovação de gasto eleitoral com verba do FEFC; (3) ausência de comprovação da devolução da sobra de verba do FEFC; e (4) omissão de gasto com material gráfico alegadamente distribuído. A decisão hostilizada determinou o recolhimento da quantia de R$ 1.320,00 ao Tesouro Nacional.

Passo à análise individualizada.

2.1. No concernente à primeira irregularidade, a auditoria contábil realizada no juízo de origem identificou a omissão na entrega dos extratos bancários exigidos nos termos da Resolução TSE n. 23.607/19, que impõe a apresentação integral dos extratos de todas as contas de campanha:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

(…)

II - pelos seguintes documentos, na forma prevista no § 1º deste artigo:

a) extratos das contas bancárias abertas em nome do candidato e do partido político, inclusive da conta aberta para movimentação de recursos do Fundo Partidário e daquela aberta para movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), quando for o caso, nos termos exigidos pelo inciso III do art. 3º desta Resolução, demonstrando a movimentação financeira ou sua ausência, em sua forma definitiva, contemplando todo o período de campanha, vedada a apresentação de extratos sem validade legal, adulterados, parciais ou que omitam qualquer movimentação financeira; (…)

Com os documentos apresentados, referidos no item 1 do presente voto, o recorrente trouxe aos autos os extratos bancários da conta n. 5.887-4, banco Caixa Econômica Federal, contemplando a totalidade do período de campanha, 1º.10.2020 a 08.12.2020, demonstrando a ausência de trânsito de recursos pela referida conta; ainda, os extratos bancários da conta n. 5.888-2, Caixa Econômica Federal, cobrindo o período de 1º.10.2020 a 09.12.2020, os quais registram o ingresso de R$ 1.342,10 e o desconto de 2 cheques nos valores de R$ 600,00 e R$ 720,00 com retirada final de R$ 22,10.

Movimento financeiro bastante claro, de maneira que julgo corrigida a falha, dispensando-se maiores fundamentos, pois a documentação apresentada cobre todo o período de campanha eleitoral.

2.2. A segunda falha diz respeito à ausência de comprovação de gasto eleitoral com verba do FEFC, decorrente do desconto de dois cheques nos valores de R$ 600,00 e R$ 720,00, atribuídos pelo recorrente a pagamentos do serviço de panfletagem.

No ponto, o recorrente juntou aos autos o contrato de prestação de serviço firmado entre o candidato e Liliane Aguiar Vieira, além de dois recibos em nome da contratada, nos valores referidos. Observo que, nos extratos bancários, o registro dos cheques descontados vem desacompanhado da indicação das contrapartes.

No ponto, a Resolução TSE n. 26.607/19 dispõe:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

O recorrente sustenta que os documentos juntados denotam a regularidade das contas.

Aqui, contudo, sem razão.

Muito embora as cópias dos contratos de prestação de serviço, recibos eleitorais e extratos bancários, o pagamento não foi comprovado, pois os extratos apresentados não indicam as contrapartes sacadoras dos valores, apenas registrando “cheque sac” e “cheque pag”.

Sublinho que a falha decorre da não observância das formas estabelecidas na legislação de regência para pagamento dos gastos eleitorais: cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária, como bem esclarece o douto Procurador Regional Eleitoral, em alentado trecho do parecer, o qual transcrevo e adoto expressamente como razões de decidir, a fim de evitar desnecessária repetição:

Nesse sentido, cumpre destacar que, para as eleições de 2020, o TSE buscou ser mais rigoroso com o controle dos gastos eleitorais, pois acrescentou a obrigação do pagamento se dar por cheque cruzado, previsão inexistente para as eleições anteriores.

Diga-se que os documentos previstos no art. 60, caput, e §§ 1º e 2º da Resolução TSE nº 23.607/2019 jamais se prestam, sozinhos, à comprovação dos gastos eleitorais, devendo, pois, serem entendidos como um reforço de comprovação em relação àqueles informados no art. 38 e seus incisos da mesma Resolução. Em outras palavras, os documentos fiscais idôneos, com o preenchimento de todos os dados necessários a que alude o art. 60, devem se somar aos meios de pagamento determinados no art. 38, jamais podendo ser apontados como alternativos ou exclusivos para efeito de comprovação da efetiva e regular utilização dos recursos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Tal caráter meramente complementar dos documentos do art. 60 se extrai de dois pilares principais.

Primeiro, tais documentos não possuem fé suficiente, uma vez que são de produção unilateral, ou, no máximo, bilateral, entre o candidato e uma pessoa qualquer informada como fornecedor de serviço ou de bem, o que claramente pode dar margem a burlas mediante a entabulação de relações simuladas, com o intuito de encobrir o real destino dos valores da campanha.

Depois, porque os meios de pagamento previstos no art. 38 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do correspondente gasto.

Com efeito, tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento dos valores, apontando-se, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Por outro lado, se os valores não transitam pelo sistema financeiro nacional, é muito fácil que sejam, na realidade, destinados a pessoas que não compuseram a relação indicada como origem do gasto de campanha.

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi ele quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se tratam de recursos públicos, como são as verbas recebidas via FEFC.

Ademais, a obrigação para que os recursos públicos recebidos pelos candidatos sejam gastos mediante forma de pagamento que permite a rastreabilidade do numerário até a conta do destinatário (crédito em conta), como se dá com o cheque cruzado (art. 45 da Lei 7.357/85), assegura, outrossim, que outros controles públicos possam ser exercidos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

Nesse norte, inexistindo a comprovação do vínculo entre o pagamento e o credor declarado, objeto do recibo e do contrato juntados à prestação, remanesce a irregularidade e a correta determinação de recolhimento do valor de R$ 1.320,00.

2.3. Na análise da ausência de comprovação da devolução de sobra de verba do FEFC apontada na sentença, entendo por afastar a irregularidade, pois o recorrente comprovou o pagamento mediante a apresentação da respectiva Guia de Recolhimento da União. Observo que, ao determinar o recolhimento, o juízo sentenciante não incluiu o valor das sobras, portanto, ainda que afastada a falha, não há redução a recair sobre a quantia determinada para recolhimento.

2.4. A quarta irregularidade apontada na sentença diz respeito à ausência da prova da aquisição de material gráfico, declaradamente distribuído mediante pagamento de serviços de panfletagem com recursos originados do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC.

Em resposta, o recorrente acosta a nota fiscal de n. 2020382, emitida pelo fornecedor M.R. da Cunha e Cia Ltda. contra o CNPJ da campanha majoritária ao Município de Novo Hamburgo, e aduz ter recebido os impressos como doação do então candidato ao cargo de prefeito.

Entendo a alegação como inaceitável, pois não há qualquer comprovação nos autos quanto ao repasse do material adquirido pela campanha majoritária para o recorrente, devendo permanecer o apontamento.

Em resumo, restam afastadas as falhas analisadas nos itens 2.1 e 2.3, as quais, contudo, não interferem na determinação de recolhimento de valor ao Tesouro Nacional ou da desaprovação das contas constante na sentença hostilizada. As falhas alcançam valor superior a R$ 1.064,10, não sendo possível aplicar o princípio da razoabilidade para a construção do juízo de aprovação das contas com ressalvas. 

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento ao recurso, apenas para afastar a irregularidade referente à ausência de extratos bancários, mantendo a desaprovação das contas e a determinação do recolhimento de R$ 1.320,00 ao Tesouro Nacional.