REl - 0600645-88.2020.6.21.0128 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/02/2022 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Conhecimento de Documentos Juntados na Fase Recursal

Os recorrentes acostam, com suas razões, documentos, requerendo o seu conhecimento.

Verifico que esses documentos já tinham sido apresentados pelos candidatos durante a instrução em primeira instância e que, no caso das cópias dos cheques, estas foram colacionadas aos autos após a sentença que julgou a prestação de contas, junto com os embargos de declaração opostos na origem (ID 38845133).

Além disso, no âmbito dos processos de prestação de contas, este Tribunal Regional tem concluído, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal, ainda que não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica (TRE-RS; REl n. 0600894-71.2020.6.21.0085; Relator: DES. FEDERAL LUIS ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE, sessão de 08.09.2021)

Sendo essa a hipótese dos autos, conheço dos documentos.

Prossigo, passando ao exame do mérito.

Mérito

Na origem, as contas de campanha do recorrente foram desaprovadas em razão das seguintes irregularidades: a) realização de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) em favor de candidatos a vereador de outros partidos; b) irregularidade na comprovação de despesas eleitorais realizadas com recursos do FEFC referentes à contratação dos serviços de produção e criação de propaganda eleitoral na internet e gestão do WhatsApp; c) pagamento com recursos da campanha de despesas que não são consideradas gastos eleitorais (troca de veículo locado e contratação de motorista); e d) divergência entre o fornecedor das mercadorias constante na prestação de contas e o beneficiário dos cheques compensados.

Passo à análise dos apontamentos e dos respectivos argumentos deduzidos no recurso.

a) Realização de gastos com recursos do FEFC em favor dos candidatos a vereador de outros partidos.

Sobre a primeira irregularidade, o juízo de primeiro grau reconheceu irregularidades nos gastos de propaganda eleitoral realizados com recursos do FEFC em favor dos candidatos a vereador de outros partidos, os quais integraram a coligação majoritária, conforme constou na sentença:

[…].

Notas Fiscais da empresa BTRB Digitação de Imagens e Textos LTDA

Consoante depreende-se das NFSe de nº 202044 (ID 57502930), nº 202048 (ID 57502936), nº 202049 (ID 57502934), nº 202050 (ID 57502937), nº 202052 (ID 57503102) e nº 202053 (ID 57502946), emitidas respectivamente em 12/10/2020, 19/10/2020, 20/10/2020, 28/10/2020, 03/11/2020 e 10/11/2020, nos valores de R$ 50.000,00, R$ 53.000,00, R$ 40.000,00, R$ 40.000,00, R$ 43.000,00 e R$ 40.000,00, foram contratados os serviços de produção dos programas para televisão na campanha eleitoral 2020, no total de R$ 266.000,00.

Esclareceu o prestador que gastou R$ 173.200,00 para a sua candidatura e R$ 82.800,00 referentes aos mesmos serviços de produção e gravação da propaganda eleitoral gratuita no rádio e TV para todos os candidatos a Vereador que integraram a coligação na majoritária, no total de 160, perfazendo R$ 517,50 para cada candidato.

Primeiramente, verifico que tais valores totalizam R$ 256.000,00 e as citadas notas fiscais totalizaram R$ 266.000,00, existindo, portanto, uma diferença de R$ 10.000,00. Ademais, em consulta aos partidos coligados com o PSB na majoritária, ou seja, MDB, PTB, REPUBLICANOS, DC, DEM, SOLIDARIEDADE, PSD, CIDADANIA e PODE, apurou-se o total de 144 candidatos.

[…].

Assim, confirmada está a irregularidade, com o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 74.214,00 (31% de R$ 266.000,00 x 144 candidatos a Vereador de outros partidos).

Notas Fiscais das empresas LC Bortolini & Cia. LTDA – ME

Conforme NFSe da empresa LC Bortolini & Cia. LTDA - ME, nº 2020151 (ID 57502935) e nº 2020163 (ID 57502931), emitidas respectivamente em 10/10/2020 e 03/11/2020, nos valores de R$ 25.000,00 e R$ 15.000,00, foram contratados os serviços de produção e gravação de jingle de campanha além de gravação e montagem dos programas de rádio.

Disse o prestador que gastou R$ 28.000,00 para a sua candidatura e R$ 12.000,00, restante do gasto, correspondeu aos mesmos serviços de montagem dos programas de rádio para todos os candidatos a Vereador que integraram a coligação na majoritária, no total de 160, perfazendo R$ 75,00 para cada candidato.

Desta feita, considerando que aqui não há nenhum documento que possa fundamentar qualquer proporção, resta caracterizada a irregularidade no total do gasto, com o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 40.000,00.

Aldir Balbinot e Cia LTDA.

Ainda, de acordo com a NFe da empresa Aldir Balbinot e Cia. LTDA, de nº 15349, ID 57502933, emitida em 07/10/2020 e no valor de R$ 28.960,00, foram adquiridos materiais impressos de propaganda eleitoral.

O prestador por sua vez, esclareceu que o gasto em relação à nota fiscal 15349 (mencionou, equivocadamente, a de nº 1833), no valor de R$ 28.960,00, destinou-se à aquisição de santinhos com propaganda conjunta da majoritária e vereadores, 160, tendo sido distribuídos 10.000, ao valor de R$ 181,00, para cada candidato a Vereador. Ainda, junta santinhos de candidatos em que se verifica a foto do candidato a Vereador, na parte da frente, e, na parte de trás, o nº do candidato a Vereador, nome e nº do candidato a Prefeito, (ID 76283690, 76283692, 76283694, 76283699, 76286351, 76286370, 76286376 e 76289316).

Contudo, nos mesmos termos expostos no item anterior, foram identificados 144 candidatos a Vereador relacionados aos demais partidos coligados na majoritária e, de toda sorte, as verbas não poderiam ter sido repassadas através de gastos, nos termos da Resolução supracitada.

Assim, confirmada está a irregularidade, com o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 26.064,00, proporcionalmente aos 144 candidatos.

[...].

 

Inicialmente, os recorrentes alegam que o art. 19 da Resolução TSE n. 23.607/19 tem redação confusa e contraditória e que não há vedação expressa ao procedimento.

Observa-se que a controvérsia se delimita ao alcance da previsão contida no art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19, que proíbe o repasse de recursos do FEFC para partidos e/ou candidatos não coligados, conforme transcrevo:

Art. 17. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § 2º).

§ 1º Inexistindo candidatura própria ou em coligação na circunscrição, é vedado o repasse dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para outros partidos políticos ou candidaturas desses mesmos partidos.

§ 2º É vedado o repasse de recursos do FEFC, dentro ou fora da circunscrição, por partidos políticos ou candidatos:

I - não pertencentes à mesma coligação; e/ou

II - não coligados.

§ 2º-A A inobservância do disposto no § 2º deste artigo configura irregularidade grave e caracteriza o recebimento de recursos de fonte vedada. (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

 

As vedações que constituem os parágrafos 1º e 2º transcritos têm o escopo de proibir que partidos políticos e candidatos façam repasses de recursos do FEFC a outros candidatos e agremiações que não estejam participando do processo eleitoral de modo coligado em uma determinada circunscrição.

In casu, os prestadores realizaram doações estimáveis, a partir de recursos do FEFC, para candidatos da eleição proporcional dos partidos que integravam a coligação majoritária.

Como verificado no Sistema de Divulgação de Candidaturas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87858/210000800664), o partido  PSB, ao qual os recorrentes estão filiados, concorreu na eleição majoritária coligado com os partidos MDB, PTB, REPUBLICANOS, DC, DEM, SOLIDARIEDADE, PSD, CIDADANIA e PODE (Coligação JUNTOS POR PASSO FUNDO).

Assim, as doações estimáveis, originalmente pagas com recursos provenientes do FEFC, realizadas pelos recorrentes aos candidatos à vereança filiados a partidos que integraram a coligação no pleito majoritário, não são irregulares, pois, nos dispositivos supracitados, não há previsão da necessidade de a coligação ter sido formada para concorrer ao mesmo cargo.

É o posicionamento adotado pela jurisprudência recente dos Tribunais Regionais:

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. REPASSE DE CANDIDATO DE PARTIDO COLIGADO NA ELEIÇÃO MAJORITÁRIA. REGULARIDADE. SENTENÇA REFORMADA. CONTAS APROVADAS. AFASTAMENTO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. RECURSO PROVIDO. 1. O art. 17, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, não impede a doação, pelo candidato ao cargo majoritário, de recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) em favor de candidatos a vereador vinculados a partidos coligados na disputa majoritária.

(TRE-MT - RE: 60047875 CUIABÁ - MT, Relator: DES. ELEITORAL ARMANDO BIANCARDINI CANDIA, Data de Julgamento: 09.09.2021, Data de Publicação: DEJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 3504, Data 17.09.2021, Página 18-19.) (Grifei.)

 

RECURSO ELEITORAL-PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA- VEREADOR - ELEIÇÕES 2020-FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA- FEFC - REPASSE DE PARTIDO COLIGADO NA ELEIÇÃO MAJORITÁRIA A CANDIDATO A VEREADOR DE PARTIDO DIVERSO - DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO - CONTAS DESAPROVADAS NA ORIGEM.

(...).

- Não configura irregularidade a utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC -, por meio do recebimento de bens ou serviços estimáveis em dinheiro por candidato a vereador pertencente a partido (PV) coligado no pleito majoritário com o partido doador (PSD).

- A mens legis dos §§ 1º e 2º do art. 17 da Res. TSE 23.607/2019 é proibir que partidos políticos sem candidatura própria, não pertencentes à mesma coligação ou não coligados, ou seja, sem qualquer vínculo político, realizem entre si repasse de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

PREJUDICIAL DE INCONSTITUCIONALIDADE REJEITADA. RECURSO PROVIDO. CONTAS APROVADAS SEM RESSALVAS, NÃO HAVENDO VALORES A SEREM RESTITUÍDOS AO TESOURO NACIONAL.

(TRE-MG; Recurso Eleitoral n. 060065387, Acórdão, Relator: DES. LUIZ CARLOS REZENDE E SANTOS, Publicação:  DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 16.06.2021.) (Grifei.)

 

EMENTA AGRAVO INTERNO. RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA A PREFEITA. VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DA CAMPANHA (FEFC). DOAÇÃO EFETUADA PARA CANDIDATOS FILIADOS A PARTIDOS DIVERSOS. PARTIDOS COLIGADOS NAS ELEIÇÕES MAJORITÁRIAS. COMPROVAÇÃO NA PRESTAÇÃO DE CONTAS DOS BENEFÍCIOS À CANDIDATURA FEMININA. REGULARIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. CONTAS APROVADAS COM RESSALVAS. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Possibilidade de transferência de recursos entre candidatos que, embora pertencentes a partidos diversos, integram a mesma coligação no pleito majoritário, diante da ausência de vedação legal. 2. Restou comprovado que as doações efetuadas pelo prestador de contas, oriundas de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, foram utilizadas para pagamento de despesas comuns (propaganda compartilhada), que, portanto, beneficiaram também a candidatura feminina doadora, conforme exigência dos §§ 6º e 7º do art. 17 da Resolução TSE 23.607/2019, o que afasta a irregularidade na aplicação de recursos do FEFECe a consequente determinação de devolução de valores ao Tesouro Nacional. 3. Agravo Interno que não afasta a motivação da decisão agravada, uma vez que apenas repete argumentos que já foram suficientemente analisados e afastados. 4. Agravo interno conhecido e desprovido.

(TRE-GO; RECURSO ELEITORAL nº 060059498, Relator: DES. ELEITORAL ALDERICO ROCHA SANTOS, Publicação: DJE - DJE, Tomo 144, Data: 24/06/2021);

 

EMENTA – ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ART. 17, RESOLUÇÃO TSE Nº 23.607/2019. DOAÇÃO ESTIMADA POR CANDIDATO A PREFEITO A CANDIDATOS A VEREADOR. PUBLICIDADE E SERVIÇOS DE CONTABILIDADE. RECURSO ORIUNDO DO FEFC. PARTIDOS NÃO COLIGADOS PARA ELEIÇÃO PROPORCIONAL, MAS COLIGADOS PARA MAJORITÁRIA. AUSENTE VEDAÇÃO LEGAL. GASTOS COM COMBUSTÍVEIS. AUSENTES REQUISITOS DO ART. 35, §11, DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.607/2019. IRREGULARIDADE CONFIGURADA. RECOLHIMENTO DE VALOR AO TESOURO NACIONAL. PRINCIPIO DA NON REFORMATIO IN PEJUS. CONTAS APROVADAS COM RESSALVAS. PRECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.

1. É vedado o repasse dos recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) por partidos políticos ou candidatos não pertencentes à mesma coligação ou não coligados, nos termos do art. 17, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

2. Se o partido do candidato a Vereador encontra-se coligado ao do candidato a Prefeito que recebeu o FEFC, não se depreende do art. 17 que o compartilhamento do fundo estaria proibido.

(...).

4. Recurso conhecido e provido em parte.

(TRE-PR; PRESTACAO DE CONTAS n 0600520-50.2020.6.16.0067, ACÓRDÃO n 58950 de 02.06.2021, Relator: DES. ELEITORAL ROGÉRIO DE ASSIS, Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo DJE, Data: 11.06.2021.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2020 - RECURSO - PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA - PREFEITO E VICE-PREFEITO - DESAPROVAÇÃO - DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES EM FAVOR DO TESOURO NACIONAL. SUPOSTA APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS FINANCEIROS PROVENIENTES DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC) - UTILIZAÇÃO DA VERBA PÚBLICA DESTINADA À CANDIDATURA MAJORITÁRIA EM BENEFÍCIO DE CANDIDATOS PROPORCIONAIS DE AGREMIAÇÃO DISTINTA - PAGAMENTOS DE GASTOS ELEITORAIS DE CANDIDATOS A VEREADOR DE GREI PARTIDÁRIA PERTENCENTE À COLIGAÇÃO MAJORITÁRIA - LEGISLAÇÃO PROIBINDO O REPASSE DOS VALORES DO FEFC APENAS PARA PARTIDOS POLÍTICOS OU CANDIDATOS "NÃO PERTENCENTES À MESMA COLIGAÇÃO; E/OU NÃO COLIGADOS" (RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/2019, ART. 17, § 2º) - TRANSFERÊNCIA LÍCITA - IRREGULARIDADE INEXISTENTE - PARECER DA PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM IGUAL SENTIDO.

(...).

INEXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADES COM GRAVIDADE PARA AFETAR A REGULARIDADE E A IDONEIDADE DAS INFORMAÇÕES PRESTADAS - APROVAÇÃO DAS CONTAS - DESNECESSIDADE DE RECOMPOR O ERÁRIO - PROVIMENTO.

(TRE-SC; RECURSO EM PRESTACAO DE CONTAS n 0600560-10, ACÓRDÃO n 35575 de 11.05.2021, Relator: DES. ELEITORAL LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 87, Data: 13.05.2021.) (Grifei.)

 

Dessa forma, entendo como lícitas as doações estimáveis com recursos provenientes do FEFC realizadas pelos recorrentes aos candidatos concorrentes ao pleito proporcional de partidos diversos, mas pertencentes à mesma coligação formada na candidatura majoritária.

Ainda, na sentença, foram reconhecidas outras irregularidades relativamente a tais gastos, com propaganda, como passo a analisar individualmente.

a.1) Ausência de comprovação de despesas com programas de televisão com a empresa BTRB Digitação de Imagens e Textos LTDA.

Compulsando os autos, verifica-se que, na sentença (ID 38856283), consta que os prestadores, para comprovar os gastos eleitorais, apresentaram um relatório emitido pela empresa contratada, o qual permitiu, inclusive, aferir o percentual dos gastos realizados com a propaganda de vereadores:

[...].

Ainda, de acordo com a documentação, verificou-se que as quantidades/unidades e custos/valores de programas contratados informados pelo prestador em comparação com os dados apresentados pelo fornecedor dos serviços não conferem. Igualmente, não existem nos autos documentos hábeis a embasar uma apuração técnica de regularidade destes gastos, considerando a efetividade dos serviços prestados, bem como do quantum irregular, uma vez que a contratação se deu sob a forma de pacote de serviços, sem especificação individualizada de serviço e valor correspondente, e não foram juntados aos autos os materiais produzidos, conquanto intimados para tal fim.

No entanto, considerando a apresentação do relatório (ID 77325497) da empresa contratada para o envio da propaganda da coligação Juntos por Passo Fundo à geradora da propaganda eleitoral gratuita na TV, ultrapassando simples declarações e argumentações e permitindo observar materiais entregues tanto da candidatura majoritária, em um percentual maior, quanto das candidaturas ao cargo de Vereador dos partidos que com ela estavam coligados, procedo à definição da estimativa razoável de 31% do valor total do gasto com as candidaturas na proporcional de todos os partidos coligados para o fim de apurar o valor irregular do gasto.

Assim, confirmada está a irregularidade, com o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 74.214,00 (31% de R$ 266.000,00 x 144 candidatos a Vereador de outros partidos).

[…].

 

Como se percebe, o relatório apresentado comprova os gastos eleitorais efetuados pelos recorrentes, sendo que a irregularidade remanescente, envolvendo o gasto com as candidaturas proporcionais, não procede, conforme examinado no tópico anterior.

Portanto, a irregularidade em tela deve ser integralmente afastada.

 

a.2) Divergências com relação ao número de vereadores que receberam a doação de propaganda eleitoral na televisão.

A irregularidade apontada na sentença refere-se ao número de vereadores beneficiados pela propaganda na televisão, uma vez que foram identificadas divergências entre as declarações da empresa BTRB Digitação de Imagens e Textos LTDA. e os registros contábeis lançados pelos recorrentes.

A discrepância identificada no documento apresentado pela empresa de produção audiovisual (ID 38831133) não afeta a confiabilidade das contas, pois está claro que o objeto da contratação envolveu um pacote fechado de vídeos e que, “em cada comercial aparecia mais de um candidato a vereador”, sendo a referência ao total de vereadores meramente enunciativa.

A fim de evitar tautologia, transcrevo parte dos fundamentamos exarados no parecer do ilustre Procurador Regional Eleitoral, Dr. Fábio Nesi Venzon, os quais agrego às minhas razões de decidir para afastar a falha apontada:

Quanto à divergência do número de vereadores contemplados pela propaganda na televisão, compreende-se que tenha sido apenas um erro material, considerando que teria sido acordado um pacote fechado, conforme declaração da fornecedora (ID 38831133). Nesse sentido, a empresa de produção audiovisual afirmou que teria realizado 67 comerciais de 30 segundos contemplando 144 candidatos a vereador, com mais de um candidato por vídeo. Já o prestador afirmou que foram contemplados os 160 candidatos vinculados aos partidos da coligação. Ocorre que, considerando que mais de um vereador aparecia no mesmo comercial, aparentemente o que interessa é o número de comerciais de 30 segundos realizados e, quanto a esse ponto, não há divergência.

 

Dessa forma, caracterizado mero erro material, facilmente verificável, insuficiente para macular a higidez das contas.

a.3) Divergências com relação aos valores pagos para a empresa BTRB Digitação de Imagens e Textos LTDA.

A sentença reconheceu a diferença de R$ 10.000,00 entre o valor informado como gasto com a produção audiovisual por parte do prestador (R$ 256.000,00) e a correspondente quantia consignada pelo fornecedor (R$ 266.000,00).

Entretanto,  consultando o Sistema de Divulgação de Candidaturas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87858/210000800664/nfes), verifica-se que as despesas registradas totalizam o valor de R$ 266.000,00, comprovadas pelas seguintes notas fiscais: NF 202053 (R$ 40.000,00), NF 202052 (43.000,00), NF 202050 (R$ 40.000,00), NF 202049 (R$ 40.000,00), NF 202048 ( R$ 53.000,00), NF 202044 (R$ 50.000,00).

Portanto, mais uma vez, houve um equívoco material nas justificativas apresentadas pelos prestadores, porquanto os documentos fiscais guardam congruência com o lançamento realizado na escrituração contábil, motivo pelo qual não subsiste a irregularidade.

Nesse passo, devem ser afastadas as irregularidades nas despesas realizadas com os fornecedores BTRB Digitação de Imagens e Textos Ltda., LC Bortolini & Cia. LTDA – ME e Aldir Balbinot e Cia. LTDA., bem como, por consequência, a determinação do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

 

b) Irregularidade na comprovação de despesas eleitorais realizadas com recursos do FEFC referentes à contratação dos serviços de produção e criação de propaganda eleitoral na internet e gestão do WhatsApp.

Quanto à segunda irregularidade, o parecer conclusivo (ID 38856133) identificou inconsistência na comprovação de despesas eleitorais realizadas com recursos do FEFC na contratação dos serviços de produção e criação de propaganda eleitoral na internet e gestão do WhatsApp, de acordo com os seguintes apontamentos:

[...].

4) Foram apresentadas as NFS-e de A MAQUINA SOLUÇÕES EM MIDIA LTDA ME, referente à contratação dos serviços de produção e criação de propaganda eleitoral na internet e gestão do whatsapp, de nº 190, ID 57502942, emitida em 12/10/2020 e no valor de R$ 30.000,00, de nº 215, ID 57503110, emitida em 06/11/2020 e no valor de R$ 10.000,00, de nº 228, ID 57502945, emitida em 12/11/2020 e no valor de R$ 12.000,00, e de nº 230, ID 57503109, emitida em 13/11/2020 e no valor de R$ 2.000,00.

Foi solicitada a comprovação da efetividade dos referidos gastos através da apresentação de relatório da contratada contendo cada inserção/impulsionamento efetivado com a respectiva data, valor e a quem se destinou, por nota fiscal, sob pena de restar impedida a verificação da regularidade dos gastos com recursos públicos e, assim, sujeitar-se ao recolhimento do respectivo valor ao Tesouro Nacional.

O candidato manifesta, documento ID 77325477, que anexa notas fiscais do Facebook e declaração da empresa A Máquina, discriminando como o serviço foi prestado.

Conforme documento ID 77325490, a empresa A Máquina apenas afirma que prestou serviço de gestão de whatsapp para a campanha do candidato, gerenciando a lista de contatos fornecida pelo cliente, enviando mensagens, links e conteúdo, relacionamento e atendimento às demandas dos contatos cadastrados.

Foram apresentados recibos do Facebook, conforme documentos ID 77326706, 77326707, 77326708, 77326710, 77326711, 77326712, 77326713, 77326714, 77326715, 77326716, 77326717, 77326718, 77326719, 77326720, 77326721, 77326723, 77326724, 77326725, 77326727, 77326728, 77326729, 77326730 e 77325478, referentes às notas fiscais nº 23909324 e 22878807 por serviços contratados da empresa Facebook Serviços Online do Brasil LTDA.

Contudo, não foi apresentada nenhuma comprovação dos serviços efetivamente realizados pela contratada A Máquina Soluções em Mídia LTDA ME, relativos às notas fiscais referidas, já que estas não permitem a aferição pois contém discriminação genérica de serviços: “Produção e criação de propaganda eleitoral na internet” e “Produção e criação de propaganda eleitoral na internet além de gestão do Whatsapp da candidatura”. Por isso foi solicitado relatório com as inserções/impulsionamentos efetivados, com datas e valores, para se aferir que propagandas foram realizadas na internet, seja via Whatsapp, Facebook, etc., bem como as inserções no WhatsApp de mensagem, conteúdo ou propaganda, pela contratada, de acordo com as notas fiscais emitidas.

Desta forma, com o que foi apresentado não é possível se verificar a regularidade dos gastos com os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC do item, que totaliza R$ 54.000,00.

 

Por sua vez, os recorrentes afirmam ter comprovado as despesas realizadas com recursos do FEFC junto ao fornecedor “A Máquina”, por meio da apresentação de notas fiscais e, também, com a declaração da empresa descrevendo os serviços prestados (ID 38856983).

Da análise da documentação juntada aos autos, tem-se que os documentos fiscais apresentados estão aptos a demonstrar os gastos eleitorais, tendo sido preenchidos todos os requisitos exigidos nos art. 53, inc. II, al. “c”, e 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, confira-se:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta: [...].

II – pelos seguintes documentos, na forma prevista no § 1o deste artigo: [...]

c) documentos fiscais que comprovem a regularidade dos gastos eleitorais realizados com recursos do Fundo Partidário e com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), na forma do art. 60 desta Resolução;

[...].

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

 

Ainda, os cheques com os valores correspondentes às notas fiscais emitidas foram devidamente compensados à conta bancária do fornecedor declarado, conforme consulta nos extratos eletrônicos do Sistema de Divulgação de Candidaturas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87858/210000800664/extratos ), o que evidencia o regular pagamento das despesas.

Em relação à especificação “genérica” do objeto contratado com a empresa “A Máquina”, os prestadores acostaram declaração da própria fornecedora com descrição dos serviços (ID 38845733, fls. 02-03), assim enunciados:

O trabalho foi executado a partir de listas de contatos que a campanha angariou em reuniões e eventos com apoiadores. As mensagens eram enviadas apenas para pessoas que aceitaram fazer parte da lista de transmissão do candidato.

Esse serviço consistiu em:

* Gerenciamento de listas fornecidas pelo cliente.

Serviço de controle de contatos enviados, classificação das contas e também realização do primeiro envio de mensagem solicitando confirmação de que a pessoa que ela gostaria de fazer parte da lista de transmissão da campanha.

*Envio de mensagens para usuários que aceitassem participar da lista de transmissão da campanha.

Envio de conteúdos exclusivos para o meio WhatsApp aos contatos que se cadastraram na lista de transmissão da campanha.

* Ativação de conteúdos das redes de Pedro de Almeida junto aos contatos que aceitaram participar da lista de transmissão da campanha.

Envio de links de publicações nas redes sociais de Pedro Almeida convidando contatos a se engajarem com a campanha. Esse envio também era apenas para pessoas cadastradas na lista de transmissão da campanha.

* SAC.

Pelo WhatsApp, também foi realizado o relacionando e atendimento de demandas enviadas pelos contatos cadastrados.

 

Portanto, os documentos apresentados são idôneos à comprovação dos gastos e não há evidência de utilização ilícita ou malversação dos recursos provenientes do FEFC, devendo ser afastada a irregularidade, bem como, por consequência, a determinação de recolhimento de R$ 54.000,00 ao Tesouro Nacional.

c) Pagamento com recursos do FEFC de despesas que não são consideradas gastos eleitorais.

A terceira irregularidade refere-se às despesas com locação de veículos para a campanha eleitoral, em relação às quais foram realizados dois apontamentos, envolvendo o pagamento de “sinistro e troca de veículo locado e contratação de motorista”, consoante excerto da sentença a seguir reproduzido:

Despesas com aluguel de veículos

Foram juntados aos autos três extratos de cobrança referentes a aluguel de três veículos, conforme documentos ID 57502950, 57503104 e 57502940.

Primeiramente, verifica-se que dois extratos possuem o mesmo número (20722739), sendo que um deles está em nome de terceiro (Sergio Antonio Reck Junior).

O prestador se manifestou (ID 76272799), dizendo que foram locados dois veículos para a campanha tendo sido pago um sinistro e a troca de veículo sinistrado, anexando contratos e a ocorrência de trânsito (ID 76274459, 76274461 e 76274471). Ademais, arguiu o valor de locação contratado foi de R$ 4.500,00, e como haviam sido pagos R$ 1.500,00, foram acrescidos mais R$ 3.000,00 em relação ao sinistro, e que o extrato de cobrança saiu em nome de terceiro, porém, o fechamento da locação está em nome do candidato.

Contudo, nos termos do art. 35, §6º, a, da Resolução TSE 23.607/2019, gastos com sinistro,  manutenção de veículo, multas e atos infracionais não são considerados gastos eleitorais e, assim, não podem ser pagos com recursos de campanha, sendo que referida verba foi utilizada de forma indevida.

Vai confirmada a irregularidade, com o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 3.000,00.

[...].

Serviços de acompanhamento ao candidato e motorista

Conforme contrato de prestação de serviços (ID 57502941), o candidato contratou Claudimir José Sachetti, CPF nº 557435280-04, para prestar serviços de “acompanhamento ao candidato e motorista”, no valor de R$ 3.000,00.

A Resolução TSE 23.607/2019, no seu art. 35, § 6º, b, veda expressamente o pagamento de despesas com remuneração, alimentação e hospedagem do condutor de veículo utilizado por candidato na campanha com recursos de campanha, pois não são considerados gastos eleitorais, não havendo ressalva para tal finalidade.

Em sua manifestação (ID 77325477), o prestador aduziu que a contratação se deu  para o serviço de acompanhamento dos candidatos a Prefeito e Vice e que, conforme os contratos de locação dos veículos, os motoristas autorizados eram Sérgio Antônio Reck e Rogério Martins Zanela, pois não é permitida a direção dos citados veículos por quem não conste no contrato.

Verifica-se nos contratos de locação dos veículos, documentos ID 77325481 e 77325482, que de fato não consta informação de motoristas adicionais. Porém, conforme o demonstrativo Receitas Estimáveis em Dinheiro (ID 57502907), constam as doações dos serviços de “ACOMPANHAMENTO AO CANDIDATO E MOTORISTA” por André Santos e Silva, além de Sérgio Antônio Reck e Rogério Martins Zanella, que constaram nos contratos de locação.

Desta forma, o argumento do prestador acima não condiz os registros na prestação de contas, levando à conclusão de não regularidade do gasto de R$ 3.000,00 supramencionado, pelo que vai confirmada a irregularidade, com a devolução deste valor ao Tesouro Nacional.

 

Em suas razões, os recorrentes argumentam que foram locados somente dois veículos para a campanha. Todavia, um deles precisou ser trocado devido a sinistro ocorrido durante o período, conforme demonstra a prova juntada aos autos. Sustentam que a legislação permite a locação de veículos para uso em campanha, bem como que a contratação do seguro é obrigatória por ocasião da locação. Dessa forma, defendem que o pagamento de eventual franquia para o acionamento do seguro é despesa eleitoral lícita.

Entendo, porém, que o decisum recorrido não merece qualquer reparo quanto ao ponto.

Com efeito, a legislação não considera gasto eleitoral o pagamento de franquia de seguro de automóvel utilizado na campanha, não sendo lícito, portanto, o emprego de recursos oriundos do FEFC para tal dispêndio.

Anoto, a esse respeito, que a referida despesa não está enumerada no art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme se observa de sua expressa dicção:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

I - confecção de material impresso de qualquer natureza, observado o tamanho fixado no § 2º, inciso II do art. 37 e nos §§ 3º e 4º do art. 38, todos da Lei nº 9.504/1997;

II - propaganda e publicidade direta ou indireta, por qualquer meio de divulgação;

III - aluguel de locais para a promoção de atos de campanha eleitoral;

IV - despesas com transporte ou deslocamento de candidato e de pessoal a serviço das candidaturas;

V - correspondências e despesas postais;

VI - despesas de instalação, organização e funcionamento de comitês de campanha e serviços necessários às eleições, observadas as exceções previstas no § 6º do art. 35 desta Resolução;

VII - remuneração ou gratificação de qualquer espécie paga a quem preste serviço a candidatos e a partidos políticos;

VIII - montagem e operação de carros de som, de propaganda e de assemelhados;

IX - realização de comícios ou eventos destinados à promoção de candidatura;

X - produção de programas de rádio, televisão ou vídeo, inclusive os destinados à propaganda gratuita;

XI - realização de pesquisas ou testes pré-eleitorais;

XII - custos com a criação e a inclusão de páginas na internet e com o impulsionamento de conteúdos contratados diretamente de provedor da aplicação de internet com sede e foro no país;

XIII - multas aplicadas, até as eleições, aos candidatos e partidos políticos por infração do disposto na legislação eleitoral;

XIV - doações para outros partidos políticos ou outros candidatos;

XV - produção de jingles, vinhetas e slogans para propaganda eleitoral.

 

O pagamento de franquia de seguro não corresponde à “despesa com transporte”, que seria o aluguel do próprio veículo, a contratação de táxis ou o pagamento de combustíveis, ou mesmo a montagem de carro de som.

Ainda, ao contrário do que defendem os recorrentes, nos contratos de locação de veículos colacionados aos autos (IDs 38842883 e 38842933), verifica-se que a contratação de seguro não é obrigatória, conforme descrito nas cláusulas do contrato a seguir:

 

Outrossim, o art. 35, § 6º, da citada Resolução é claro ao dispor que os dispêndios com manutenção de veículo automotor para uso pessoal do candidato não são considerados gastos eleitorais, não podendo, portanto, ser pagos com recursos da campanha, in verbis:

Art. 35.

[...].

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

 

Relativamente à contratação de motorista, os recorrentes não formularam qualquer esclarecimento ou impugnação específica, não tendo a matéria sido devolvida à apreciação deste Tribunal em face do princípio tantum devolutum quantum apellatum. Assim, os fundamentos não atacados são aptos, por si sós, à manutenção da sentença quanto ao tema, nos termos do art. 932, inc. III, do CPC e da Súmula n. 26 do TSE.

Caracterizadas, nesse cenário, as irregularidades na aplicação de verbas públicas, acertada a determinação de restituição do respectivo montante ao erário, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

d) Divergência entre o fornecedor das mercadorias constante na prestação de contas e o beneficiário dos cheques compensados.

Em relação ao último apontamento, o Juízo sentenciante reconheceu divergências entre o fornecedor das mercadorias constante na prestação de contas e o beneficiário dos cheques compensados, no montante de R$ 7.850,00 (sete mil oitocentos e cinquenta reais), com recursos provenientes do FEFC, em desatendimento ao disposto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

O parecer conclusivo (ID 40086883) realizou o seguinte apontamento, o qual foi albergado pela sentença recorrida:

Em sua manifestação, os recorrentes demonstram que os cheques foram preenchidos corretamente para quem prestou serviços para a campanha, ou seja, nominais e cruzados, juntando aos autos as cópias das aludidas cártulas (ID 38856983, fls. 19-20).

Dessa maneira, tendo as ordens de pagamento sido emitidas cruzadas e nominais aos prestadores de serviços, houve integral observância aos termos estabelecidos no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

O fato de o extrato bancário dos candidatos indicar que os cheques foram depositados por terceiros, alheios às relações jurídicas travadas entre emitente e beneficiários, significa tão somente que os títulos de crédito circularam, via endossos.

Cumpre enfatizar que a legislação eleitoral, ao estabelecer as formas de pagamento dos gastos eleitorais, não impõe a emissão de cheque não endossável (“não à ordem”), não sendo, portanto, exigível dos candidatos, os quais emitiram os cheques na forma reclamada pela legislação (nominais e cruzados), que o próprio prestador do serviço ou o fornecedor do bem faça o desconto do título, o qual pode ser licitamente transmitido a terceiros, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85.

Nesse sentido é o entendimento do Ministro Edson Fachin, externado em sua decisão no AI n. 0601262-04 – Aracaju/SE, DJE de 13.3.2020, quando afirma que:

(...) o endosso é instituto do direito cambiário que confere ao título de crédito a possibilidade de gozar uma de suas características inerentes: a circularidade, ou seja, a condição para que a titularidade do crédito seja transferida. Com isso – utilizando-me de uma expressão própria do Direito Penal -, não havia 'domínio do fato' pelo Prestador para impedir que a fornecedor endossasse o seu crédito para outrem. Par consequência, punir o Candidato por tal evento seria incidir em odiosa responsabilidade eleitoral objetiva.

 

Em idêntico sentido, já decidiu este Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. GASTOS IRREGULARES COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). COMPENSAÇÃO DE CHEQUE REALIZADA POR TERCEIRO. ENDOSSO. COMPROVADO O VÍNCULO CONJUGAL ENTRE O CONTRATADO E A TITULAR DA CONTA FAVORECIDA. IMPROPRIEDADE DE NATUREZA FORMAL. SERVIÇOS DE PANFLETAGEM. CHEQUE NÃO CRUZADO. VIOLAÇÃO DA NORMA ELEITORAL. INCIDÊNCIA DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REDUÇÃO DO VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidato ao cargo de vereador, referentes às eleições municipais de 2020, e determinou-lhe o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em virtude da realização de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) sem observância ao prescrito no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Identificada a emissão de cheque em favor de contratada e débito realizado por terceiro alheio à relação jurídica travada entre emitente e beneficiária. Dispêndio suficientemente comprovado, pois a ordem de pagamento foi preenchida de forma cruzada e nominal ao prestador de serviços. A legislação eleitoral não impõe a emissão de cheque não endossável (“não à ordem”), não sendo exigível do candidato, o qual emitiu o cheque nominal e cruzado, que o próprio prestador do serviço ou o fornecedor do bem faça o desconto do título, o qual pode ser licitamente transmitido a terceiros, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85. Nesse sentido, jurisprudência do TSE e deste Tribunal. Afastada a determinação de seu recolhimento ao Tesouro Nacional.

3. Pagamento de despesa por meio de cheque cujo débito deu-se em nome de pessoa não constante em contrato. Sanada a irregularidade, uma vez comprovado o vínculo conjugal entre o contratado e a titular da conta favorecida com o crédito. Demonstrado que os recursos oriundos do FEFC foram efetivamente destinados ao fornecedor de campanha, não tendo sido gerado embaraço à rastreabilidade da verba pública. Caracterizada impropriedade de natureza formal, incapaz de macular as contas. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

4. Cheque não cruzado preenchido em nome do fornecedor de campanha relativo a serviços de panfletagem e compensado mediante depósito em conta-corrente de terceiro. Violada a norma do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que exige que a ordem de pagamento utilizada para pagamento de gasto eleitoral seja nominal e cruzada, de forma a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha. Ausente a devida comprovação da utilização de recursos públicos por meio da correta identificação da contraparte no histórico das operações bancárias. Determinação de recolhimento do valor da irregularidade ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

5. A irregularidade subsistente representa 2,88% das receitas declaradas pelo candidato, de sorte que, seja considerando o valor nominal da falha, seja tomando-se a sua representatividade percentual, mostra-se adequado, mediante a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, afastar o severo juízo de desaprovação das contas, a fim de aprová-las com ressalvas.

6. Parcial provimento. Redução do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

(Recurso Eleitoral n 060029782, ACÓRDÃO de 20.10.2021, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE. ) (Grifei.)

 

Logo, inocorrente a irregularidade no pagamento da despesa de R$ 7.850,00, deve ser afastada a determinação de seu recolhimento ao Tesouro Nacional.

 

Conclusão

Por fim, afastada parte das irregularidades reconhecidas na sentença, subsistem as falhas relativas aos pagamentos, com recursos do FEFC, de franquia de seguro e de remuneração de condutor de veículo utilizado pelo candidato, no valor total de R$ 6.000,00, que representa, aproximadamente, 1,17% das receitas declaradas (R$ 511.000,00).

Tais irregularidades alcançam quantia abaixo do percentual de 10% utilizado como limite para permitir a aprovação das contas com ressalvas, por aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, na esteira da jurisprudência desde Tribunal Regional (TRE-RS, REl n. 41060, Relator: DES. ELEITORAL MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, DEJERS de 27.06.2018).

Registro, ainda, que, conforme diretriz jurisprudencial estabelecida neste Tribunal para o pleito de 2020, a análise da gravidade da falha está diretamente relacionada ao valor envolvido e ao percentual de impacto sobre a arrecadação, “não importando se os recursos se caracterizam como de origem não identificada, de fonte vedada ou são de natureza pública” (TRE-RS, REl 0600329-27.2020.6.21.0047, Redator do acórdão: DES. ELEITORAL GERSON FISCHMANN, sessão de 10.08.2021).

Dessa forma, as contas devem ser aprovadas com ressalvas, nos termos do inc. II do art. 74 da Resolução TSE n. 23.607/19, em face da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Igualmente, tendo em vista o afastamento parcial das irregularidades, impõe-se a redução do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, para o valor de R$ 6.000,00.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de Pedro Cezar de Almeida Neto e João Pedro Souza Nunes, relativas ao pleito de 2020, e reduzir o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 6.000,00 (seis mil reais).