REl - 0600613-49.2020.6.21.0010 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/02/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada com fulcro no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, que disciplina a arrecadação e a aplicação de recursos financeiros na eleição municipal de 2020.

Com relação à primeira irregularidade, a unidade técnica atestou em parecer conclusivo que foram identificadas em nome da candidata duas contas-correntes bancárias para movimentação de "Outros Recursos" (doações para campanha), quais sejam, n. 0250597 e n. 0250589, agência 2952 do Banco do Brasil, com datas de abertura em 30.9.2020 e de encerramento em 1º.12.20.

A matéria está disciplinada no art. 13 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 13. As instituições financeiras devem encaminhar ao Tribunal Superior Eleitoral o extrato eletrônico das contas bancárias abertas para as campanhas eleitorais dos partidos políticos e candidatos, para instrução dos respectivos processos de prestação de contas, no prazo de até 15 (quinze) dias após o encerramento do mês anterior.

§ 1º O disposto no caput também se aplica às contas bancárias específicas destinadas ao recebimento de doações para campanha e àquelas destinadas à movimentação dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

 

A abertura de duas contas bancárias para a mesma finalidade dificultou a consolidação das informações e a análise da movimentação financeira, pois transitaram em ambas as contas recursos que foram utilizados para pagamento de despesas e recebimento de doações.

É neste mesmo sentido o parecer do ilustre Procurador Regional Eleitoral (ID 44862884):

Ocorre que a abertura de duas contas-correntes para movimentação da conta “Outros Recursos” dificulta a consolidação das informações e a análise da movimentação financeira, vez que em ambas transitaram recursos que foram utilizados para pagamento de despesas e recebidas doações, para as quais (doações) exige-se conta específica, por força do disposto no art. 13, § 1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

 

No que se refere à segunda e à terceira irregularidades, a unidade técnica constatou a existência de cadastro da empresa APARECE BRASIL DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARE LTDA. (CNPJ 17.673.685/0001-30) para financiamento coletivo. Contudo, não há qualquer registro de doação efetivada pela empresa APARECE BRASIL no Sistema SPCE, embora nos extratos eletrônicos apresentados na prestação de contas haja o registro de recebimento de duas doações realizadas pela referida empresa, nos valores de R$ 779,51 e R$ 591,95, totalizando R$ 1.371,46. Além disso, somente teriam sido registrados, na prestação de contas, os doadores originários do valor de R$ 779,51, restando, assim, não observados o art. 22, incs. II, III, IV, V e IX, da Resolução TSE n. 23.607/19.

No ponto, colho no parecer conclusivo (ID 41728133):

Assim, verificadas as seguintes falhas quanto ao recebimento e utilização de recursos oriundos de financiamento coletivo: omissão de valores recebidos, movimentação realizada em conta bancária específica e distinta daquela aberta para recebimento de doações para campanha e ausência de identificação dos doadores originários.

Em sede de manifestação, a candidata reconhece ter havido equívoco formal quanto ao recebimento dos recursos oriundos de financiamento coletivo em conta bancária paralela àquela aberta para recebimento de doações para campanha.

Ocorre que, muito além do recebimento do importe oriundo de financiamento coletivo ter se dado em conta ‘paralela’ àquela aberta para movimentação de outros recursos (doações para campanha), permaneceram falhas; máxime a omissão da quantia de R$ 591,95 e a completa ausência de indicação dos doadores originários desse importe, o que importa em recebimento de recursos de origem não identificada com necessidade de recolhimento ao Tesouro Nacional.

Friso que no Relatório de Receitas de Financiamento Coletivo foram discriminados apenas os doadores originários do importe de R$ 779,51, circunstância que veio corroborada pela cópia de documento fiscal apresentado sob ID 68395800, no qual indicados os doadores originários do importe recebido, correspondente ao valor de R$ 779,51.

 

Dessarte, quanto à ausência de identificação dos doadores originários do valor de R$ 591,95, constam discriminados, no Relatório de Receitas de Financiamento Coletivo, apenas os doadores originários do importe recebido de R$ 779,51 (ID 68395800).

Desse modo, tendo em vista o recebimento de recursos de origem não identificada, não assiste razão à recorrente, devendo ser recolhido ao Tesouro Nacional o valor de R$ 591,95, nos termos do art. 32, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

No que toca à quarta irregularidade, realização de pagamentos sem observar o art. 38, inc. I, da Resolução TSE 23.607/19, ou seja, pagamento do cheque n. 850004, no valor de R$ 300,00, sem que tenha sido cruzado, não houve irresignação da recorrente no apelo.

Quanto à quinta irregularidade, qual seja, recolhimento material incorreto de sobras de campanha, a unidade técnica apontou sobras nas duas contas da candidata, que, em apertada síntese, reconhece a falha, porém sustenta se tratar de mero equívoco formal.

De fato, a sobra da conta “Outros Recursos” foi devidamente recolhida ao diretório partidário municipal (R$ 6,00), contudo, a sobra de campanha aferida na conta onde transitaram os valores oriundos de financiamento coletivo (R$ 14,46) foi recolhida ao Tesouro Nacional (ID 41724383).

Ocorre que o mencionado recurso não é proveniente do FEFC, não detém natureza de recurso público, não sendo assim aplicável o disposto no art. 50, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19, mas a regra geral de recolhimento ao órgão partidário municipal.

Recursos advindos de financiamento coletivo devem ser recolhidos ao diretório partidário do candidato, já que originários de recursos privados.

Além de o recolhimento da sobra ter sido realizado ao destinatário incorreto, não houve a discriminação da sobra de recursos financeiros na prestação de contas. Logo, a simples alegação de se tratar de erro formal não tem o condão de sanar as irregularidades que persistem nas contas.

Quanto à sexta irregularidade, divergências entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela constante nos extratos eletrônicos, foi mencionada na sentença a irregularidade envolvendo a omissão de despesa com tarifa bancária no valor de R$ 14,00, não esclarecida pela recorrente, assim como a divergência de valores declarados em relação à doação coletiva recebida, constando uma diferença de R$ 19,55 (799,06 - 759, 51).

Por derradeiro, o montante das irregularidades perfaz o total de R$ 920,41, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.19:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado sobre o tema:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada.

1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE.

1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária.

1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (Grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016.).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.9.2017.) (Grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, tenho ser possível a aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta o dever de recolhimento ao erário, na forma determinada na sentença.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para reformar a sentença e aprovar com ressalvas a prestação de contas de ADRIANA BARROS PALLADINO, mantida a determinação de recolhimento do valor de R$ 591,95 ao Tesouro Nacional.