REl - 0600301-12.2024.6.21.0082 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/07/2025 às 16:00

VOTO

 

Admissibilidade

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos legais de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

Mérito

Como se extrai do processado, a controvérsia gira em torno da presença da candidata VLÁDIA, ora recorrente, nas dependências da Defesa Civil de São Sepé durante distribuição de cestas básicas nos dias 27 e 28 de agosto de 2024. A sentença considerou que tal conduta configuraria abuso de poder político e captação ilícita de sufrágio.

Entretanto, à luz dos elementos que informam os autos, tal como igualmente concluiu a douta Procuradoria Regional Eleitoral, razão assiste à recorrente. Logo, há ser acolhida a irresignação.

Com efeito.

Para a configuração do abuso de poder ou da captação ilícita de sufrágio, faz-se necessária, como sabido, a existência de prova robusta e inequívoca da prática do ato e de sua gravidade, em especial quando se pretende a imposição de sanções extremas como a perda do mandato eletivo e a inelegibilidade do suposto infrator.

No caso dos autos, as imagens e depoimentos colhidos não revelam qualquer entrega de bens ou promessas eleitorais por parte da recorrente.

As testemunhas ouvidas no curso da dilação probatória confirmaram que VLÁDIA compareceu ao local para tratar de assuntos de saúde pessoal e familiar, sem que, especialmente, tenha alguém sugerido que lá se encontrava com a intenção de alavancar sua candidatura.

Ademais, a distribuição das cestas básicas deu-se no contexto de estado de calamidade pública, em virtude de eventos climáticos que assolaram a região meses antes do pleito. Tal contexto demanda maior cautela na avaliação da gravidade da conduta, sendo insuficiente, para configuração do abuso de poder, vale enfatizar, a mera presença da candidata no local das distribuições.

Importante destacar que a entrega dos gêneros alimentícios foi operacionalizada por agentes da Defesa Civil e servidores do município, com base em critérios técnicos e diretrizes vinculadas às verbas emergenciais recebidas de entes estaduais e federais, não havendo qualquer indício de que a recorrente tenha influenciado na seleção dos beneficiários ou utilizado o evento para proselitismo eleitoral. Tampouco se comprovou que tenha realizado qualquer pronunciamento, muito menos pedido de voto ou vinculação à entrega dos donativos para as pessoas que lá se encontravam.

Em tal cenário, não é possível extrair, a partir da suposta circulação da recorrente nas dependências da Defesa Civil do Município, a existência de vantagem indevida ou desequilíbrio no pleito. Trata-se de mera ilação fundada em presunções, sem amparo em adminículo de prova.

É certo que, em casos de distribuição gratuita de bens em ano eleitoral, é necessária redobrada vigilância para evitar a instrumentalização da máquina pública, mas também  imprescindível, por outro lado, assegurar que as sanções sejam aplicadas com base em provas concretas e irrefutáveis.

Inexiste, também, prova de que a recorrente tenha se valido da estrutura da Administração Pública ou influenciado o fornecimento dos bens em seu favor. E lá estava, releva ser salientado, quando já desincompatibilizada do cargo de chefe de gabinete desde abril de 2024, o que afasta a caracterização da conduta vedada prevista no art. 73, inc. IV, da Lei das Eleições.

Quanto à alegada prática de captação ilícita de sufrágio, o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 exige, além da entrega ou promessa de vantagem, a existência de dolo específico de obtenção de voto, conduta que deve ser comprovada de forma inequívoca. Vale acrescentar, que reste demonstrado que a conduta da candidata ou candidato tenha por objetivo direto a obtenção de votos.

No caso dos autos, reitero, não há qualquer indício em tal sentido.

Com efeito, as imagens estampadas no acervo probatório mostram a candidata em interações genéricas, sem qualquer contexto de oferta, entrega, ou promessa de bens. Nesse ponto, cabe ressalvar que, em verdade, não são registros inequívocos. Embora a sentença tenha referido a suposta presença da representada na fila para recebimento das cestas com base em interpretação de imagens extraídas do processo conexo (n. 0600176-44.2024.6.21.0082), não há no bojo destes autos, todavia, identificação segura de que efetivamente se tratava da recorrente.

A douta Procuradoria Regional Eleitoral, por seu turno, chegou à mesma conclusão acerca da ausência de provas que justifiquem a responsabilização da recorrente, valendo ser transcrita, aqui, elucidativa passagem do judicioso Parecer (ID 45954082):

"(...) no caso concreto, os elementos carreados aos autos - vídeos, imagens e depoimentos - não contêm a prova robusta necessária da prática da captação ilícita de sufrágio.

(...)

De fato, o conjunto fático-probatório indica que VLÁDIA se fez presente no prédio onde ocorreram as entregas possivelmente para fins que vão além daqueles atinentes à consulta. É mesmo provável que dentre esses fins estivessem a sua exposição junto aos eleitores no momento da entrega das cestas básicas. Nesse contexto, não se pode descartar que sua finalidade principal, como candidata ao cargo de vereador, era obter alguns votos.

No entanto, essa situação não tem a gravidade suficiente para ensejar a perda do mandato, mormente porque não há prova robusta de que tenha participado, direta ou indiretamente, da distribuição, ou que tenha relacionado essa distribuição a sua direta atuação. Tampouco que que a entrega das cestas tenha ocorrido para captação de votos para a recorrente.

Observando os vídeos anexados aos autos (IDs 45878995-8), é possível depreender apenas que ela se fez presente no local e pediu para um voluntário colocar caixas de papelão em determinado lugar. A partir de tal fato, até podem ser feitas ilações sobre uma atuação mais relevante de VLÁDIA, mas não passam disso, visto que não foram corroboradas pelos demais elementos carreados. Nessa linha, cabe destacar que não foram apresentadas testemunhas para confirmar que a recorrente coordenou as doações. Pelo contrário, as pessoas ouvidas durante a instrução negaram o envolvimento da candidata.

Essa deficiência probatória, aliada à exoneração do cargo ocorrida em abril de 2024, não permite concluir, com o grau de convicção necessário para um juízo condenatório à perda de mandato e inelegibilidade, que VLÁDIA compareceu ao ato na condição de agente público, ao qual são destinadas às proibições do art. 73 da Lei das Eleições."

 

O acervo probatório, como se vê, é insuficiente para a adoção de medida extrema como a cassação do diploma e a declaração de inelegibilidade da vereadora eleita.

À guisa de arremate: inadmissível seria, assim entendo, impor-se à recorrente as drásticas consequências decorrentes de uma eventual procedência da ação a partir de meros indícios e presunções, o que, em derradeira análise, redundaria na supressão da vontade de significativa parcela dos eleitores do Município de São Sepé que nas urnas a escolheram como sua representante no legislativo daquela comuna.

Em suma, sempre que possível, salvo naturalmente configuradas graves infrações previstas na legislação eleitoral, há ser preservada a vontade do eleitor manifestada através do voto, tal como aqui ocorre.

ANTE O EXPOSTO, voto pelo provimento do recurso para dar por improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral.

É o voto.