REl - 0600223-68.2024.6.21.0130 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/07/2025 00:00 a 18/07/2025 23:59

VOTO

A sentença desaprovou as contas do recorrente em razão da extrapolação do limite de autofinanciamento previsto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nos autos, verifica-se que o candidato declarou receitas financeiras no valor total de R$ 13.934,00, sendo esse montante decorrente de doação própria. Ocorre que o limite legal de autofinanciamento para o cargo de vereador era de R$ 6.289,11, e o recorrente utilizou um valor superior ao permitido, excedendo em R$ 7.644,89, ultrapassando 121,55% o referido limite de aporte de recursos próprios.

Em razão da irregularidade, a sentença aplicou multa de 60% sobre a quantia aplicada em excesso, nos termos do art. 27, §§ 1° e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

O recorrente argumenta que a irregularidade decorreu de um erro na interpretação da legislação, sem o intuito de fraudar a norma eleitoral, que todas as receitas e despesas foram devidamente declaradas, falta de dolo ou má-fé.

Além disso, afirma que o valor doado não ultrapassou os limites estabelecidos pelo art. 23, § 1º, da Lei n. 9.504/97, e que parte dos valores foi destinada ao pagamento de honorários advocatícios e de contabilidade, despesas que não deveriam compor o limite global de gastos, conforme os arts. 18-A, 26 e 100-A da Lei n. 9.504/97.

Em que pese não vislumbre o enfrentamento do tema da exclusão dos honorários de contabilidade no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, verifico que a sentença está em conformidade com a jurisprudência deste Tribunal, para o pleito de 2022, sobre a impossibilidade de exclusão desses gastos do limite de autofinanciamento (TRE/RS, REl n. 0600469-42.2020.6.21.0118, Relator Desembargador Eleitoral Gerson Fischmann, DJE, 22.02.2022).

Todavia, penso que o recurso comporta provimento em face do superveniente posicionamento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral a respeito da matéria, relatado pelo excelentíssimo Ministro Ricardo Lewandowski, publicado em 27.10.2022:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. APROVAÇÃO. CÁLCULO DO LIMITE PARA O AUTOFINANCIAMENTO. GASTOS COM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO ART. 23, § 2º-A DA LEI 9.504/1997. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Infirmados os fundamentos da decisão de inadmissibilidade, é de se prover o agravo para julgamento do recurso especial.

2. Hipótese em que o candidato ultrapassou o limite de uso de recursos próprios para quitar despesas com serviços advocatícios.

3. Nos termos dos arts. 18-A, parágrafo único; 26, § 4º; 27, § 1º; e 100-A, § 6º, todos da Lei 9.504/1997, os honorários advocatícios são despesas eleitorais que não compõem o teto global de gastos de campanha.

4. A interpretação sistemática do art. 23, § 2º-A da Lei das Eleições exclui os honorários advocatícios e contábeis pagos pelo candidato do cálculo do limite de 10% para o autofinanciamento de campanha.

5. Recurso especial a que se nega provimento.

(TSE, AREsoEl n. 0600430-41.2020.6.24.0060, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, DJE, 27/10/2022).

Assim, há necessidade de acompanhar a evolução da jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, considerando princípios de segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia (art. 927, § 4º, in fine, do CPC), superando entendimento anterior, para compreender de que despesas com honorários advocatícios e contábeis não se sujeitam ao limite de autofinanciamento.

Desta forma, compulsando os autos, constato que os serviços de advocacia e de contabilidade estão devidamente contabilizados nos valores, respectivamente, de R$ 400,00 e de R$ 500,00, conforme comprovantes de pagamentos e nota fiscal de ID 45827840 (ID 45834182, p. 3, demonstrativo do extrato de prestação de contas, itens 2.42 e 2.43).

Por conseguinte, afasto o valor destinado a despesas de honorários advocatícios e contábeis, na importância total de R$ 900,00, do limite de autofinanciamento com recursos próprios. Desta forma, o resultado dos recursos próprios restantes no montante de  R$ 13.034,00 (R$ 13.934,00 – R$ 900,00) supera o limite do valor de referência instituído para o autofinanciamento do cargo em disputa no pleito de 2024 em R$ 6.744,89 (R$ 13.034,00 – R$ 6.289,11).

De outro lado, a responsabilidade pela correta prestação de contas é do candidato, e eventuais erros de informação do contador não eximem essa responsabilidade.

As demais justificativas apresentadas no recurso não possuem força suficiente para modificar a decisão recorrida, pois o art. 45, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 expressamente prevê que a candidata ou o candidato é solidariamente responsável com a(o) profissional de contabilidade pela movimentação financeira e contábil de sua campanha.

A irregularidade constatada configura descumprimento objetivo da legislação eleitoral, independentemente da intenção do recorrente. O argumento de que o erro decorreu de um equívoco contábil, e não de uma conduta dolosa, não afasta a responsabilidade do candidato, uma vez que a norma eleitoral estabelece limites rígidos para o autofinanciamento, cuja inobservância acarreta consequências jurídicas automáticas.

Além disso, a alegação de que o valor envolvido é reduzido não altera o fato de que houve extrapolação do limite legal, sendo irrelevante a existência ou não de influência no resultado do pleito. O montante da irregularidade representa 54% da receita declarada pelo prestador, tornando inviável concluir pela sua modicidade, razão pela qual não se aplicam, ao caso, os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade para fins de aprovação das contas com ressalvas. A jurisprudência citada nas razões não garante que a sanção possa ser afastada, pois a norma é clara ao prever a penalidade de multa no valor do excesso, independentemente do montante.

O valor do excesso não é reduzido, pois superior ao parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais, o que não permite a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para que as contas sejam aprovadas com ressalvas. De acordo com a jurisprudência: “Em prestação de contas cuja irregularidade envolver valores reduzidos, inferiores a R$ 1.064,10 ou a 10% da arrecadação, é admitida a aprovação com ressalvas, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.” (TRE/RS, REl n. 0600724-60.2024.6.21.0085, Relator Desembargador Eleitoral Nilton Tavares da Silva, DJE, 13.02.2025).

Assim, os fundamentos expostos não são suficientes para afastar a desaprovação das contas.

Quanto à penalidade de 60% de multa sobre o excesso, faz-se necessário indagar se a fixação da pena de multa no máximo legal é adequada, razoável e proporcional à infração praticada.

É indiscutível que a reprimenda deve ser aplicada a partir de critério justo e objetivo, a fim de manter a igualdade de condições financeiras entre os concorrentes aos cargos eletivos e a observância das regras de autofinanciamento de campanha. Porém, deve-se ter presente que a norma refere “multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso”, demandando arbitramento que respeite os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, este último, em sentido estrito.

O candidato possuía um limite claro para o autofinanciamento de sua campanha, estabelecido em R$ 6.289,11, mas acabou utilizando R$ 13.034,00, superando esse limite em R$ 6.744,89. Esse excesso representa um acréscimo de 107,24% sobre o montante permitido. A aplicação da multa em 60% do valor excedente se mostra proporcional e razoável diante da gravidade da infração cometida.

Assim, parece razoável fixar a multa no patamar de sancionamento de 60% da quantia em excesso considerando que a infração praticada é de 107,24%.

A gravidade dessa irregularidade não está apenas no descumprimento formal da norma, mas também em seus potenciais impactos. O autofinanciamento excessivo pode comprometer a igualdade entre os candidatos, desequilibrando a disputa ao permitir que alguém disponha de mais recursos próprios do que o limite imposto pela legislação. Ainda que a quantia, isoladamente, possa parecer relativamente pequena, a Justiça Eleitoral impõe restrições rigorosas exatamente para evitar que diferenças financeiras individuais interfiram de maneira desproporcional no processo eleitoral.

Além disso, ao extrapolar o limite permitido, o candidato não apenas ignora uma regra objetiva, mas também compromete a transparência e a fiscalização das contas de campanha. A legislação busca garantir que todos os candidatos sigam parâmetros uniformes, evitando que alguém obtenha vantagem indevida por meio de recursos financeiros superiores ao teto legal.

Portanto, merece unicamente reforma da sentença para excluir o valor dos honorários advocatícios e contábeis, no montante de R$ 900,00, do limite de autofinanciamento, mantendo-se a desaprovação das contas e a multa de 60% sobre a quantia excedente de R$ 6.744,89.

Em face do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso unicamente para excluir o valor dos honorários advocatícios e contábeis, no montante total de R$ 900,00, do limite de autofinanciamento, mantendo-se a desaprovação das contas e a multa de 60% sobre a quantia excedente de R$ 6.744,89.