REl - 0600418-93.2024.6.21.0149 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/07/2025 00:00 a 18/07/2025 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, SILVESTRE DE OLIVEIRA GARCIA, candidato eleito ao cargo de vereador no Município de Igrejinha/RS, recorre contra a sentença que desaprovou suas contas referentes às Eleições Municipais de 2024 e determinou o recolhimento de R$ 1.084,50 ao Tesouro Nacional, em razão do recebimento de recursos de origem não identificada.

I. Da delimitação do objeto recursal.

O recorrente delimita o seu recurso exclusivamente ao ponto relativo ao recebimento de doação no valor de R$ 345,00, oriunda de pessoa física beneficiária de programa social, deixando de impugnar, por expressa renúncia, a irregularidade concernente à omissão de despesa de R$ 739,50. Assim, opera-se a preclusão quanto ao segundo vício, mantendo-se a sentença nessa parte.

II. Do recebimento de doação de beneficiária de programa social (R$ 345,00).

Em relação ao apontamento combatido no recurso, o órgão de análise técnica identificou o recebimento direto de doação financeira realizada por Elizabete da Luz, inscrita como beneficiária do Bolsa Família, no valor de R$ 345,00 (ID 45869551).

Diante disso, concluiu a sentença que “os valores compostos de pessoas físicas beneficiárias de programas sociais são considerados como de origem não identificados, dada a evidente incapacidade econômica dessas pessoas para realizar ações a campanhas políticas. Afinal, quem depende de benefícios sociais para subsistência não possui condições financeiras para realizar qualquer tipo de doação” (ID 45869555).

Sobre o tema, a Lei n. 9.504/97, em seu art. 23, caput e §§ 1º e 3º, dispõe que pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro para campanhas eleitorais, limitadas a 10 % dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao pleito.

A Resolução TSE n. 23.607/97, regulamentando a matéria, em seu art. 27, § 8º, preceitua que a aferição do limite de doação do contribuinte dispensado da apresentação de Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda deve ser realizada com base no limite de isenção previsto para o exercício financeiro do ano da eleição.

Ora, essa é a limitação incidente à hipótese vertente.

A doadora, tendo realizado a contribuição de R$ 345,00 encontrava-se ao abrigo das referidas normas, que permitem indistintamente a qualquer pessoa física a doação de até R$ 3.388,00, uma vez que o teto de isenção para o exercício de 2024 foi de R$ 33.888,00.

Assim, qualquer pessoa física com inscrição regular no CPF, salvo se permissionária de serviço público, dispõe do direito de realizar contribuição financeira para campanha, atendidos os parâmetros estabelecidos na legislação de regência.

Além disso, é irrazoável cogitar que o candidato, ao perceber o aporte de doação financeira em sua conta bancária de campanha, seja forçado a averiguar se o contribuinte, pessoa física, ostenta capacidade financeira para realizar o donativo e, em caso negativo, promover a devolução.

Nesse sentido, colaciono o seguinte precedente deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO . VEREADOR. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AFASTADA A IRREGULARIDADE. DESPESAS IRREGULARES COM VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA . REDUZIDO O MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas de candidato ao cargo de vereador e determinou o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional . 2. Recebimento de recursos de origem não identificada. Doação realizada por pessoa física inscrita no programa assistencial do governo federal. Ausente prova de ciência, por parte do candidato, de que o doador é beneficiário de programa assistencial . Inviável impor ao prestador de contas o ônus de devolução do valor ao erário, sob pena de presunção de culpa ou responsabilidade de cunho objetivo. Afastada a irregularidade e a ordem de recolhimento ao erário. 3. Despesas irregulares com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha  FEFC . O art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19 exige o detalhamento da contratação, com a identificação dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço acordado . No entanto, ao consultar os contratos, verifica-se que os documentos omitem os locais, as horas trabalhadas e a justificativa de preço. Ademais, a realização dos pagamentos não foi demonstrada por qualquer meio, fossem cheques nominais cruzados ou transferências bancárias com registro de contraparte, inexistindo prova da efetiva quitação. Mantido dever de recolhimento da quantia irregular. 4 . Parcial provimento. Mantida a desaprovação das contas. Reduzido o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - Acórdão: 060028951 HULHA NEGRA - RS, Relator.: Des . OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES, Data de Julgamento: 28/09/2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 30/09/2022 ) (Grifei.)

 

Veja-se que a Resolução TSE n. 23.607/19, ao transpor da Lei Eleitoral para seu texto a vedação expressa de partidos e candidatos receberem doação oriunda de permissionário de serviço público, teve o cuidado de instrumentalizar, mediante o arts. 31, §§ 8º e 11, a forma pela qual o donatário há de verificar a legalidade da contribuição antes de utilizá-la, verbis:

Art. 31. É vedado a partido político e a candidato receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

III - pessoa física permissionária de serviço público

(...)

§ 8º O beneficiário de transferência cuja origem seja considerada fonte vedada pela Justiça Eleitoral responde solidariamente pela irregularidade, e as consequências serão aferidas por ocasião do julgamento das respectivas contas.

(...)

§ 11. O Tribunal Superior Eleitoral disponibilizará, em sua página de internet, as informações recebidas dos órgãos públicos relativas às permissões concedidas, as quais não exaurem a identificação de fontes vedadas, incumbindo ao prestador de contas aferir a licitude dos recursos que financiam sua campanha.

 

Nesses termos, na hipótese de recebimento de doação advinda de pessoa física diretamente na conta bancária, ou mesmo por intermédio de instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo, cumpre ao candidato, antes de aplicar os recursos, acessar a página do TSE na internet, para observar se o doador ostenta a qualidade de permissionário de serviço público.

Entretanto, não há previsão de disponibilização pelo TSE de listagem com os nomes dos beneficiários de programas assistenciais, para que os concorrentes na disputa eleitoral possam conferir a licitude da doação, exatamente porque inexiste vedação a tal financiamento.

Por evidente, não se pretende, aqui, atribuir imunidade aos candidatos quanto à captação e ao emprego de doações realizadas por eventuais “laranjas”, a fim de ocultar a efetiva origem dos valores recebidos em campanha.

Contudo, para a configuração de possível fraude ou abuso, há de ser cabalmente demonstrado que o doador direto se encontrava materialmente impossibilitado de realizar o aporte e que, em comunhão de esforços com o candidato, os verdadeiros contribuintes são terceiros, defesos de injetar capital na campanha política.

Do mesmo modo, eventual fraude na percepção de benefícios sociais pelos doadores deve ser devidamente apurada na esfera competente, perante a Justiça Comum, sem repercussão na análise da regularidade de contas.

Logo, a ausência de capacidade econômica do doador não pode ser presumida pelo simples fato de ser o doador beneficiário de programas assistenciais, se observados os procedimentos e limites estabelecidos pelas Resoluções do TSE sobre o tema, na linha de julgados deste Regional:

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. IRREGULARIDADES NA UTILIZAÇÃO DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. DESPESA COM MATERIAL IMPRESSO, SERVIÇOS DE MILITÂNCIA E SERVIÇOS CONTÁBEIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO E DE PAGAMENTO. FACEBOOK. CRÉDITO NÃO UTILIZADO. DEVER DE DEVOLUÇÃO. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO DE PESSOA FÍSICA INSCRITA EM PROGRAMA SOCIAL. ATENDIMENTO DAS PRESCRIÇÕES NORMATIVAS. FALHA AFASTADA. IRREGULARIDADES QUE REPRESENTAM ELEVADO PERCENTUAL. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

Prestação de contas apresentada intempestivamente por candidato ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

[...].

Recebimento de doação financeira realizada por pessoa física inscrita em programa social do governo, a evidenciar a ausência de capacidade financeira do doador. Na hipótese, a doação obedeceu às prescrições normativas, está devidamente declarada na contabilidade e registrada nos extratos bancários do candidato, de modo que, ao presente caso, se aplica a jurisprudência deste Tribunal, no sentido de que eventual ausência de capacidade do doador deve ser apurada em autos próprios. Irregularidade afastada.

O somatório das irregularidades representa 43,22% dos recursos declarados pelo prestador, impedindo o juízo de aprovação com ressalvas mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Desaprovação. Determinado o recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS; PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS nº 060365131, Acórdão, Relator: Des. Afif Jorge Simoes Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 17/10/2023) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. CANDIDATOS. CARGOS DE PREFEITO E VICE-PREFEITO. PRELIMINAR. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. IRREGULARIDADES NOS REGISTROS CONTÁBEIS. CARACTERIZADO EQUÍVOCO. DOAÇÃO POR PESSOAS FÍSICAS INSCRITAS EM PROGRAMA SOCIAL DE AUXÍLIO EMERGENCIAL. AFASTADA A IRREGULARIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

[...].

Doação por pessoas físicas inscritas no programa social de auxílio emergencial do governo. Esta Corte tem adotado posicionamento no sentido de que a simples inscrição de doador de campanha em programas sociais não indica, necessariamente, a ausência de capacidade financeira para efetuar a doação, exigindo que o conjunto probatório ofereça fortes elementos a confirmar tal conclusão e, ainda, que haja prova do conhecimento dos candidatos a respeito da falta de condição do doador. Afastada a irregularidade.

Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Afastada a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS; RECURSO ELEITORAL nº 060040251, Acórdão, Relator: Des. Afif Jorge Simoes Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 17/10/2023) (Grifei.)

 

Nesse contexto, não se pode qualificar como “recurso de origem não identificada” a doação em exame, uma vez que o acervo probatório não autoriza a conclusão inequívoca de que o candidato tenha, de qualquer modo, executado fraude à legislação, do que deflui a inexistência de irregularidade na doação recebida pelo recorrente.

 

III - Conclusão.

Subsiste, portanto, no caso sob exame, apenas irregularidade relativa à omissão de despesa no valor de R$ 739,50, a qual não foi objeto da irresignação recursal.

Tal inconsistência, de valor ínfimo, situa-se aquém do limite de R$ 1.064,10, reconhecido pela jurisprudência como irrisório no contexto das campanhas eleitorais, não justificando a desaprovação das contas.

Esse entendimento encontra amparo na jurisprudência consolidada do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que os princípios da proporcionalidade e razoabilidade incidem na prestação de contas para fins de aprovação com ressalvas quando o valor total das irregularidades for de até 10% do montante de recursos arrecadados ou quando o valor total das irregularidades for de até 1.000 (mil) Ufirs, ou seja, R$ 1.064,10:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA. CANDIDATO. DEPUTADA ESTADUAL. DESAPROVAÇÃO NA INSTÂNCIA REGIONAL. DESPESAS IRREGULARES COM RECURSOS DO FEFC. GASTO NÃO ELEITORAL. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. VALOR PERCENTUAL DIMINUTO DAS IRREGULARIDADES. PRECEDENTES. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. O art. 36, §§ 6º e 7º, do RITSE autoriza o relator a decidir, monocraticamente, os recursos que lhe são distribuídos, com fundamento na compreensão jurisprudencial dominante no Tribunal Superior Eleitoral.

2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade podem ser aplicados para aprovar, com ressalvas, as contas cujas falhas identificadas constituam valor percentual ou valor absoluto módico.

3. O montante equivalente a 1.000 (mil) Ufirs – R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) – é considerado diminuto e, isoladamente, inapto a ensejar a desaprovação de contas.

4. Ao lado desse critério, examina–se o percentual correspondente ao vício impugnado que, segundo precedentes desta Corte, alcança o limite máximo de 10% do total da arrecadação ou despesa.

[...].

7. Agravo interno a que se nega provimento.

(TSE; Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060542160/SP, Relator: Min. Edson Fachin, Acórdão de 25.2.2021, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico 48, data 17.3.2021) (Grifei.)

 

Dessa forma, as circunstâncias apontadas afastam a necessidade de desaprovação das contas, sendo razoável e suficiente a sua aprovação com ressalvas, medida adequada para refletir o pequeno vulto da irregularidade constatada, mantendo-se os demais termos da sentença.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso para aprovar com ressalvas as contas de campanha de SILVESTRE DE OLIVEIRA GARCIA, na forma do art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, reduzindo a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional para R$ 739,50.