REl - 0600827-67.2024.6.21.0085 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/07/2025 00:00 a 18/07/2025 23:59

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Do Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto por SIMONE DE ARAUJO FERNANDES, candidata ao cargo de vereadora no Município de Arroio do Sal/RS, contra a sentença que desaprovou suas contas referentes às Eleições Municipais de 2024 e determinou o recolhimento de R$ 796,14 ao Tesouro Nacional, em virtude das seguintes irregularidades envolvendo recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC):

a) ausência de comprovação do gasto eleitoral com atividade de militância, no valor de R$ 200,00; e

b) despesas com combustíveis, no montante de R$ 596,14, que não observaram as prescrições normativas para a espécie.

Da Comprovação do Gasto com Atividade de Militância

Em relação ao primeiro apontamento, a recorrente alega que acostou todos os documentos necessário à comprovação do gasto eleitoral com Vanessa Teixeira da Silva.

Com efeito, constata-se nos autos o contrato de prestação de serviços para atividades de rua em campanha eleitoral, firmado entre a candidata e Vanessa Teixeira da Silva, com previsão de preço global de R$ 400,00 (ID 45929976), bem como o respectivo comprovante bancário de pagamento no mesmo valor de R$ 400,00, em 27.9.2024 (ID 45929978).

Contudo, consta um segundo pagamento para a contratada, ocorrido em 28.9.2024, na quantia de R$ 200,00; que não encontra lastro em instrumento contratual ou em qualquer outra espécie de documento comprobatório de eventual serviço adicional prestado em favor da campanha.

Portanto, a segunda parcela do pagamento realizado em favor de Vanessa Teixeira da Silva por serviços de militância de rua não está comprovada adequadamente através de contratos ou documentos fiscais, não satisfazendo, portanto, as exigências dos arts. 35, § 12, 53, inc. II, al. “c”, e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Portanto, não havendo documentos comprobatórios da contratação ou do serviço prestado, que justificariam a despesa realizada, considera-se irregular a utilização de recursos originados do FEFC na quantia de R$ 200,00, a qual deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, consoante dispõe o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Portanto, a irregularidade persiste, devendo ser mantida a sentença quanto ao ponto.

Da Comprovação dos Gastos com Combustíveis

No tocante à segunda falha, a sentença recorrida glosou irregularidades no montante de R$ 596,14, relativamente a gastos com combustíveis sem o correspondente registro de uso de veículo em campanha.

A matéria concernente aos gastos para abastecimento de veículo usado na campanha eleitoral encontra-se disciplinada no art. 35, §§ 6º e 11, da Resolução TSE n. 23.607/19, litteris:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(...)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

(…).

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

 

Portanto, as despesas do candidato ou candidata com combustível, reputadas de natureza pessoal, não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas, e não podem ser pagas com recursos da campanha.

Podem tais despesas, entretanto, ser consideradas gastos eleitorais, contanto que preenchidos os requisitos elencados no art. 35, § 11, da aludida Resolução TSE n. 23.607/19, quais sejam:

a) que os veículos sejam utilizados a serviço da campanha, e não para uso pessoal;

b) que os veículos sejam decorrentes de locação ou cessão temporária;

c) que os veículos sejam originariamente declarados nas contas; e

d) que seja apresentado relatório de consumo semanal de combustíveis.

No curso da instrução, a prestadora de contas juntou aos autos o termo de cessão de veículo firmado com Paulo de Tarso Gonzaga Fernandes, com valor estimável de R$ 500,00 (ID 45930003), acompanhado de cópia do certificado de registro e licenciamento de veículo relativo ao exercício de 2021 (ID 45930004). 

Contudo, o documento está datado de 4.10.2024, ou seja, é posterior às despesas com combustíveis identificadas pelo órgão técnico, realizadas em 25.9.2024, 26.9.2024 e 3.10.2024 (ID 45929962).

Ademais, o termo de cessão registra o período de vigência de 4 de setembro a 5 de outubro de 2024, o que denota patente incongruência interna: ou o documento foi redigido com erro material de data, hipótese não aventada pela candidata, ou foi firmado com data posterior à parte significativa de sua própria vigência.

Tais inconsistências comprometem a credibilidade do documento como elemento probatório idôneo.

Ainda que se fosse possível relativizar as fragilidades nos documentos comprobatórios, o veículo abastecido não foi declarado originariamente na prestação de contas, em descumprimento do que preceitua o art. 35, § 11, inc. II, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Com efeito, segundo se observa de documentos da prestação de contas original, como Demonstrativo de Receitas Estimáveis em Dinheiro (ID 45929948), Demonstrativo de Receitas e Despesas (ID 45929944) e Extrato da Prestação de Contas Final (ID 45929927), nada consta acerca da cedência em tela.

Dessa maneira, as despesas realizadas com compra de combustível, no montante de R$ 596,14, por não observarem estritamente as exigências constantes do art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19, não podem ser tomadas como gastos eleitorais e, via de consequência, não poderiam ter sido suportadas com verbas do FEFC.

Trago à colação precedente do egrégio Tribunal Superior Eleitoral a respeito:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. GASTOS COM COMBUSTÍVEL. GASTO ELEITORAL. VEÍCULO NÃO DECLARADO ORIGINARIAMENTE. IRREGULARIDADE GRAVE. INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR 26 DO TSE.

[...].

7. Na espécie, o candidato efetivamente declarou como "gasto eleitoral" a despesa realizada com combustível, utilizando-se de recursos do fundo especial de financiamento de campanha para essa finalidade, de modo que não se aplica nessa hipótese a mencionada regra que dispensa a contabilidade ou o registro da cessão do veículo, mas, sim, o disposto no art. 35, § 11, da Res.-TSE 23.607, que estabelece regras específicas para que veículos sejam excepcionalmente abastecidos com combustível pago com recursos de campanha.

8. Ou o gasto com combustível é tratado via de regra como "gasto de natureza pessoal" - de modo que não pode ser utilizado recurso de campanha para essa finalidade, dispensando-se inclusive a sua contabilidade e a emissão de recibo da cessão de veículo do cônjuge (arts. 7°, § 6°, III, e 35, § 6°, a, todos da Res.-TSE 23.607); ou, caso efetivamente seja o caso de "gasto eleitoral", deve-se obedecer às exigências do art. 35, § 11, da Res.-TSE 23.607, dentre as quais a de que o veículo seja originalmente declarado na prestação de contas.

CONCLUSÃO

Agravo regimental não conhecido.

(TSE; AgR-REspEl n. 0600624-16.2020.6.25.0027/SE, Acórdão, Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE, 04/04/2023.) (Grifei.)

 

Restou configurada, portanto, a utilização irregular de recursos públicos, de sorte que a quantia equivalente há de ser ressarcida ao erário, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que prescreve que, “verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional”.

3. Do Julgamento das Contas

As irregularidades ora confirmadas somam o total de R$ 796,14, quantia que se situa aquém do limite de R$ 1.064,10, reconhecido pela jurisprudência como irrisório no contexto das campanhas eleitorais, não justificando a desaprovação das contas.

Esse entendimento encontra amparo na jurisprudência consolidada do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que os princípios da proporcionalidade e razoabilidade incidem na prestação de contas para fins de aprovação com ressalvas quando o valor total das irregularidades for de até 10% do montante de recursos arrecadados ou quando o valor total das irregularidades for de até 1.000 (mil) Ufirs, ou seja, R$ 1.064,10:

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA. CANDIDATO. DEPUTADA ESTADUAL. DESAPROVAÇÃO NA INSTÂNCIA REGIONAL. DESPESAS IRREGULARES COM RECURSOS DO FEFC. GASTO NÃO ELEITORAL. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. VALOR PERCENTUAL DIMINUTO DAS IRREGULARIDADES. PRECEDENTES. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. O art. 36, §§ 6º e 7º, do RITSE autoriza o relator a decidir, monocraticamente, os recursos que lhe são distribuídos, com fundamento na compreensão jurisprudencial dominante no Tribunal Superior Eleitoral.

2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade podem ser aplicados para aprovar, com ressalvas, as contas cujas falhas identificadas constituam valor percentual ou valor absoluto módico.

3. O montante equivalente a 1.000 (mil) Ufirs – R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) – é considerado diminuto e, isoladamente, inapto a ensejar a desaprovação de contas.

4. Ao lado desse critério, examina–se o percentual correspondente ao vício impugnado que, segundo precedentes desta Corte, alcança o limite máximo de 10% do total da arrecadação ou despesa.

[...].

7. Agravo interno a que se nega provimento.

(TSE; Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060542160/SP, Relator: Min. Edson Fachin, Acórdão de 25.2.2021, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico 48, data 17.3.2021.) (Grifei.)

 

Dessa forma, as circunstâncias apontadas afastam a necessidade de desaprovação das contas, sendo razoável e suficiente a sua aprovação com ressalvas, medida adequada para refletir o pequeno vulto das irregularidades constatadas.

A conclusão pela aprovação das contas com ressalvas não compromete o dever de restituição do montante considerado irregular, integralmente originado do FEFC, ao Tesouro Nacional, consoante dispõe o § 1° do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, cuja incidência tem por base o uso indevido da verba pública, independentemente do julgamento final de mérito das contas.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas, com fundamento no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, mantida a determinação de recolhimento de R$ 796,14 ao Tesouro Nacional.