REl - 0600521-41.2020.6.21.0020 - Voto Relator(a) - Sessão: 31/01/2022 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença proferida pelo Juízo Eleitoral da 020ª Zona que desaprovou as contas de MOACIR PAPPIS, candidato ao cargo de vereador no Município de Erechim, e determinou-lhe o recolhimento de R$ 2.000,00 (dois mil reais) ao Tesouro Nacional, em face das seguintes irregularidades: a) não abertura de conta bancária específica para “Outros Recursos” e depósito de recursos próprios na conta destinada ao FEFC, e b) ausência de comprovação dos gastos com recursos do FEFC.

Assim, passo à análise das irregularidades que fundamentaram a desaprovação das contas e dos respectivos argumentos deduzidos nas razões recursais.

 

a) Não Abertura de Conta Bancária Específica para “Outro Recursos” e Depósito de Recursos Próprios na Conta Destinada ao FEFC

A primeira irregularidade apontada na sentença refere-se à ausência de conta bancária específica, impedindo a realização da fiscalização dos recursos utilizados em campanha pela Justiça Eleitoral.

A alegação de falha formal não passível de comprometimento das contas não assiste ao recorrente.

O art. 8º, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece a obrigatoriedade aos candidatos de “abertura de conta bancária específica na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil ou em outra instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil”, o que deve ocorrer dentro do prazo de 10 dias contados da concessão do CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (art. 8º, § 1º, inc. I, Resolução TSE n. 23.607/19).

Assim, independentemente de haver ou não movimentação financeira, os candidatos têm a obrigação de promover a abertura de conta bancária específica de campanha, bem como devem apresentar os extratos bancários integrais e autênticos das contas abertas por ocasião da prestação de contas, conforme prescreve o art. 53, inc. II, al. “a”, da mesma Resolução.

O descumprimento do disposto acima não pode ser considerado mero erro formal e irrelevante no conjunto da prestação de contas.

Este Tribunal Regional tem entendido que a negligência em abrir a conta bancária acarreta ao prestador a sanção de desaprovação quando houve prejuízo à análise e à confiabilidade das contas.

Nessa linha, elenco o seguinte julgado deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONTA BANCÁRIA ESPECÍFICA PARA MOVIMENTAÇÃO DOS RECURSOS DE CAMPANHA. AFASTADA PRELIMINAR DE NULIDADE DO ATO INTIMATÓRIO. MÉRITO. PEDIDO DE RENÚNCIA APÓS O PRAZO PARA ABERTURA DA CONTA BANCÁRIA. EVIDENCIADA MÁCULA À TRANSPARÊNCIA E CONFIABILIDADE DA CONTABILIDADE DE CAMPANHA. MANTIDO O JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. DESCABIDA POSTULAÇÃO PARA GARANTIR DIREITOS POLÍTICOS. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas do recorrente, referentes às eleições municipais de 2020, em virtude da ausência de abertura de conta bancária específica para movimentação dos recursos financeiros de campanha.

2. Afastada a preliminar de nulidade do ato intimatório para manifestação acerca de parecer técnico. Cumprida a regra expressa, prevista no art. 1º, parágrafo único, da Resolução TRE-RS n. 347/20, segundo a qual as comunicações às partes representadas por advogado serão realizadas exclusivamente no PJe, dispensada a publicação do ato no Diário da Justiça Eletrônico ou a expedição de mandado. Ademais, no despacho exarado pela juíza eleitoral a quo não foi determinado que a intimação fosse efetivada por e-mail, de modo que, em atenção ao regramento descrito, a serventia cartorária procedeu à intimação do recorrente por intermédio de ato de comunicação no PJe. Evidenciada a regularidade do ato intimatório.

3. O art. 8º, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 determina expressamente a abertura de conta bancária específica, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil ou em outra instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil. O prazo assinalado para a providência é de 10 (dez) dias, contados da concessão do CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, e constitui imposição de cumprimento obrigatório pelos partidos políticos e candidatos que disputam as eleições, independentemente de serem arrecadados ou movimentados recursos financeiros durante a campanha.

4. No caso, o pedido de renúncia da candidatura do recorrente foi requerido à Justiça Eleitoral em 26.10.2020, sendo homologado em 31.10.2020. Portanto, após o término do prazo de que dispunha para abrir conta bancária, não incidindo a exceção legal contida no art. 8º, § 4º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

5. Embora o recorrente tenha alegado que não realizou despesas durante o período em que esteve habilitado a realizar campanha eleitoral, apresentando demonstrativos contábeis zerados à Justiça Eleitoral, a falta de abertura de conta bancária específica para a campanha impede a comprovação da ausência de movimentação de recursos financeiros, subsistindo, portanto, mácula à transparência e à confiabilidade da contabilidade, que justifica a manutenção do juízo de desaprovação exarado em primeiro grau, nos termos do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.

6. Descabida a postulação de que sejam garantidos os direitos políticos do candidato, tendo em vista que a desaprovação das contas de campanha não tem o condão de gerar qualquer óbice ao seu exercício.

7. Desprovimento.

(TRE-RS; REl 0600473-36.2020.6.21.0100; Relator: DES. ELEITORAL MIGUEL ANTONIO SILVEIRA RAMOS; sessão de 23.11.2021.) (Grifei.)

 

Igualmente, colaciono jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. CONTAS DESAPROVADAS PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. PRELIMINAR DE TEMPESTIVIDADE ACOLHIDA. MÉRITO. A AUSÊNCIA DE EXTRATOS BANCÁRIOS IMPLICA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS, E NÃO O JULGAMENTO COMO NÃO PRESTADAS. PRECEDENTES DO TSE RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES DE 2018. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.

1. Em conformidade com o que disposto no art. 5º, § 3º, da Lei nº 11.419/2006, c/c o art. 22 da Res.-TSE nº 23.417/2014, considera-se realizada a intimação eletrônica no dia em que o intimado efetivar a consulta eletrônica do teor da intimação, a qual pode ocorrer em até 10 dias, contados da data de seu envio, sob pena de a intimação ser considerada automaticamente realizada na data do término desse prazo. Precedentes do STJ. Preliminar de tempestividade acolhida.

2. “Conforme iterativa jurisprudência desta Corte Superior, a ausência de abertura de conta bancária e a consequente não apresentação do extrato de todo o período de campanha eleitoral constituem motivo para a desaprovação das contas, mas não ensejam, por si sós, o julgamento como não prestadas. Nesse sentido: [...] Referente ao pleito de 2018: AgR-REspe nº 0602261-06/PR, Rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 17.9.2019 e AgR-REspe nº 060130885/PI, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 27.8.2019” (AgR-REspe nº 0605070-50/MG, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 15.10.2019, DJe de 12.12.2019).

3. Incide na espécie a Súmula nº 30 do TSE, segundo a qual “não se conhece de recurso especial eleitoral por dissídio jurisprudencial, quando a decisão recorrida estiver em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral”, aplicável igualmente aos recursos manejados por afronta à lei.

4. Negado provimento ao agravo interno.

(TSE – AI n. 06031939120186160000 CURITIBA - PR, Relator: MIN. OG FERNANDES, Data de Julgamento: 26.5.2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 115, Data: 12.6.2020.) (Grifei.)

 

Em paralelo, ausente a conta bancária para movimentação de suas quantias particulares, o candidato depositou recursos próprios, no valor de R$ 545,00, na conta destinada às verbas do FEFC, acarretando uma mescla entre valores públicos e privados.

Quanto ao ponto, o art. 9º da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe que “os candidatos devem abrir contas bancárias distintas e específicas para o registro da movimentação financeira desses recursos”, sendo “vedada a transferência de recursos entre contas cujas fontes possuam naturezas distintas” (art. 9º, § 2º, Resolução TSE n. 23.607/19).

O intuito da legislação em manter as contas separadas de acordo com a natureza das receitas é o de viabilizar o efetivo controle da destinação desses valores, impedindo que haja confusão entre recursos recebidos, sob pena de configuração de irregularidade grave, na linha da jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. PMB – DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. IRREGULARIDADES QUE ALCANÇAM 46,62% EM RELAÇÃO AO TOTAL DE RECURSOS RECEBIDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. CONTAS DESAPROVADAS. IMPOSIÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO DAS QUANTIAS RECEBIDAS DO FUNDO PARTIDÁRIO E IRREGULARMENTE APLICADAS, DAS RECEBIDAS DE FONTE NÃO IDENTIFICADA, ALÉM DAQUELAS NÃO PROVISIONADAS PARA A FUNDAÇÃO. CONTAS DESAPROVADAS. PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE 5 COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO, DIVIDIDA EM 12 PARCELAS.

2. Reunião de recursos de origens diversas em uma única conta bancária. A ausência de segregação de recursos do Fundo Partidário e de outros recursos em contas bancárias distintas é irregularidade grave, na medida em que impossibilita seja verificada a real movimentação financeira do partido e macula a prestação de contas. Precedente.

(...)

(Prestação de Contas n. 17007, Acórdão, Relator: MIN. MAURO CAMPBELL MARQUES, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 242, Data 23.11.2020.) (Grifei.)

 

Esse proceder atenta contra a transparência e a higidez das contas e dificulta o controle social imprescindível à legitimidade do processo eleitoral, aparentando aos eleitores e fornecedores que os gastos foram adimplidos por meio de recursos privados, quando, em realidade, houve um significativo financiamento público da campanha.

Como bem ressaltado na decisão recorrida, “percebido o equívoco, a solução seria realizar o estorno de quantia equivalente, ou mesmo a transferência para a conta bancária correta. Contudo, o candidato optou por uma terceira via – usou os recursos indevidamente depositados para o pagamento de despesas, mesclando recursos de naturezas diferentes. Essa falha é grave, prejudica a transparência e higidez das contas bancárias, e acarreta sua desaprovação”.

Sendo assim, na hipótese concreta, a inércia na abertura de conta bancária própria e o trânsito de recursos privados em conta específica para a movimentação de verba pública representam falhas graves que afetam a transparência e a confiabilidade da contabilidade.

 

b) Ausência de Comprovação dos Gastos com Recursos do FEFC

O parecer conclusivo (ID 44837976) também apontou irregularidade quanto à comprovação de gastos com recursos do FEFC, uma vez que não foram apresentados os respectivos comprovantes de pagamento relacionados às despesas.

No caso em tela, o candidato recebeu, ao todo, R$ 2.000,00 oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, que foram movimentados, em 09.11.2020 e 10.11.2020, por meio dos cheques n. 850001 e n. 850002, no valor de R$ 1.000,00 cada cártula, para o pagamento de cabos eleitorais.

Entretanto, os recibos juntados aos autos para comprovar as despesas, relativos às contratações de Lais Dalzotto e Divalci Santina Bonato Alberti, não estão de acordo com o disposto nos arts. 35, § 12, e 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Os dispositivos em comento exigem o detalhamento da contratação de pessoal, por meio de documentos idôneos, com a identificação dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado, in verbis:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[...].

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral dos prestadores de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

 

[...].

 

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

 

Os documentos em questão (IDs 44837952 e 44837953) não qualificam os profissionais contratados pelo CPF e pelo endereço, bem como não consta a descrição detalhada da atividade prestada, a carga horária, o local de trabalho ou a justificativa do preço.

Além disso, conforme atestou o examinador técnico, “verifica-se que, mesmo após a solicitação, não foram apresentados os cheques utilizados para pagamento, tampouco as despesas estão identificadas no extrato bancário com o CPF da contraparte, o que impossibilita a aferição da real destinação desse recurso público”.

Sobre o tema, o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece os meios de quitação e de comprovação dos gastos eleitorais:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

Neste caso, não houve a apresentação de cópia dos cheques emitidos, fato que permitiria identificar se os mesmos foram nominais e devidamente cruzados, constituindo um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha.

Em que pese a sentença tenha sido suficientemente clara em suas razões de decidir ao consignar que o prestador poderia “juntar novos documentos aos autos, tais como cheques, contratos, recibos bancários que comprovassem a destinação dada aos recursos públicos, já que as contrapartes que receberam recursos do FEFC não estavam identificadas nos extratos”, o recorrente limitou-se a argumentar que “eventuais falhas apontadas são de pequena monta e significância”.

Dessa forma, resta caracterizada a infringência ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que contempla regramento de natureza objetiva quanto à imprescindibilidade de as despesas eleitorais serem pagas por intermédio de cheque nominal e cruzado ao prestador do serviço.

Assim, ausente a devida comprovação da utilização de recursos públicos por documentos idôneos e por meio da identificação da contraparte no histórico das operações bancárias respectivas, impõe-se a obrigação de ressarcir ao Tesouro Nacional o montante de R$ 2.000,00, com fundamento no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, na forma propugnada pelo juízo da origem.

 

Percentual das Irregularidades Constatadas

No caso concreto, as irregularidades constatadas alcançam a totalidade dos recursos manejados pelo candidato (R$ 542,00, em verbas públicas, e R$ 2.000,00, envolvendo recursos do FEFC), no somatório de R$ 2.542,00, importâncias relativa e nominal que inviabilizam a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas.

 

Dispositivo

Diante do exposto, voto pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas de Moacir Pappis, relativas ao pleito de 2020, bem como a determinação de recolhimento do montante de R$ 2.000,00 (dois mil reais) ao Tesouro Nacional.