REl - 0600266-31.2020.6.21.0005 - Voto Relator(a) - Sessão: 31/01/2022 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Juntada de Documentos em Grau Recursal

Ainda em sede preliminar, cumpre registrar a viabilidade do documento apresentado com o recurso.

Sobre o tema, este Tribunal Regional, sempre em juízo de exceção, tem se pautado pela potencialização do direito de defesa no âmbito dos processos de prestação de contas, especialmente quando se trata de documento simples, que dispensa a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares, não apresentando prejuízo à tramitação processual.

O posicionamento encontra previsão no art. 266 do Código Eleitoral e está amparado por reiterada jurisprudência desta Corte Regional, conforme ilustra a ementa da seguinte decisão:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINARES. EFEITO SUSPENSIVO. NÃO CONHECIDO. DOCUMENTOS NOVOS EM GRAU RECURSAL. POSSIBILIDADE. MÉRITO. DOAÇÃO. OMISSÃO DE RECEITAS E GASTOS ELEITORAIS. COMPROVAÇÃO. PROVIMENTO. APROVAÇÃO DAS CONTAS.

1. Preliminares. 1.1. Enquanto houver recurso pendente de análise jurisdicional, a sentença não gera qualquer restrição à esfera jurídica da parte, de modo que, conferido de forma automática e ex lege, não se vislumbra interesse no pleito de atribuição judicial de efeito suspensivo ao recurso. Não conhecimento. 1.2. Admitida a apresentação extemporânea de documentação, em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral. Cabimento de novos documentos, não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura puder sanar irregularidades e não houver necessidade de nova análise técnica.

2. Mérito. No caso dos autos, as falhas foram corrigidas pela documentação acostada, com a comprovação das doações, de forma a coincidir com a arrecadação dos valores oriundos das Direções Municipal e Estadual da agremiação, bem como pela compatibilidade das declarações de doador e candidata. Irregularidades sanadas. Confiabilidade e transparência das contas de campanha da candidata que não restaram comprometidas. Aprovação.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n 37503, ACÓRDÃO de 07.3.2018, Relator DR. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 39, Data 09.3.2018, Página 2.) (Grifei.)

 

Prossigo, passando ao exame do mérito.

Mérito

No mérito, o Juízo da 005ª Zona Eleitoral desaprovou as contas de campanha do PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO - PRTB DE ALEGRETE/RS em razão do reconhecimento da omissão de gasto eleitoral nas contas, em relação ao qual foi imposto o recolhimento da quantia correspondente ao Tesouro Nacional, diante da caracterização de recursos de origem não identificada para sua quitação.

O órgão de análise técnica (ID 43393533), mediante o confronto entre as despesas constantes da prestação de contas em exame e aquelas registradas na base de dados,  detectou a emissão de notas fiscais não declaradas à Justiça Eleitoral, conforme os seguintes apontamentos:

 

Oportunizado o esclarecimento das falhas, o recorrente alega que as notas fiscais nos valores de R$ 100,00 e R$ 1.000,00 foram emitidas em nome da agremiação por um erro da empresa. Argumenta que as despesas são referentes ao programa radiofônico “Crônicas de Alegrete”, em nome de Alexandre Machado de Machado, Presidente do Partido, juntando aos autos declaração assinada por João Ulisses de Souza (ID 43394133).

A agremiação afirma, ainda, que não foi possível realizar o estorno, pois essa operação somente é possível no prazo de 15 (quinze) dias após a emissão dos documentos fiscais, e, em relação à nota fiscal no valor de R$ 88,53, informa que desconhece a origem do documento.

Ocorre que a legislação eleitoral preconiza que a emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, conforme preceitua o art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

 

Da leitura do dispositivo, presume-se que, se há a nota fiscal, houve o gasto correspondente. Nesse sentido, impõe-se ao candidato o dever de comprovar que o gasto eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma regular.

Se os gastos não ocorreram ou se o órgão partidário não reconhece as despesas, as notas fiscais devem ser canceladas, consoante estipula o art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, e, em sequência, adotados os procedimentos previstos no art. 92, §§ 5º e 6º, da mesma Resolução, in verbis:

Art. 59. O cancelamento de documentos fiscais deve observar o disposto na legislação tributária, sob pena de ser considerado irregular.

[...].

Art. 92. (...)

§ 5º O eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, apresentado por ocasião do cumprimento de diligências determinadas nos autos de prestação de contas, será objeto de notificação específica à Fazenda informante, no julgamento das contas, para apuração de suposta infração fiscal, bem como de encaminhamento ao Ministério Público.

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

 

No caso em apreço, contudo, a agremiação tão somente sustenta que a NF n. 18740 (R$ 100,00) e a NF n. 18899 (R$ 1.000,00) foram emitidas por equívoco em nome do CNPJ do partido político. Quanto à NF 23816 (R$ 88,53), alega desconhecimento da despesa registrada no documento fiscal.

Compulsando os autos, verifica-se que a NF n. 18899 (R$ 1.000,00) foi emitida em 04.12.2020 (ID 43394233) para os serviços relativos aos programas radiofônicos do mês de dezembro/2020.

Desse modo, resta comprovado que este último documento fiscal não se relaciona com o pleito eleitoral e, portanto, que o referido valor não se caracteriza como omissão de gastos eleitorais de campanha, devendo ser analisado quando da apresentação das contas ordinárias do exercício de 2020.

Entretanto, a NF n. 18740 (R$ 100,00) e a NF 23816 (R$ 88,53) foram emitidas para despesas relativas ao mês de novembro/2020 contra o CPNJ da agremiação partidária.

Ainda que o recorrente tenha alegado que um dos documentos foi emitido por um erro da empresa e que, relativamente ao outro, não reconhece as despesas registradas, tais notas fiscais estão desacompanhadas do cancelamento, conforme previsto na Resolução TSE n. 23.607/19.

Somente as explicações do recorrente e a declaração apresentada pela empresa "Emissoras Reunidas" (ID 43394133) não são suficientes para comprovar as alegações de desconhecimento dos gastos.

Dessa forma, é certo que não houve o esclarecimento sobre a emissão dos documentos fiscais para o CNPJ do partido político no período eleitoral, não foram realizados os cancelamentos das notas fiscais e nem se comprovou a impossibilidade de sua efetivação oportuna.

O recorrente apenas afirma que não foi possível realizar o estorno das notas fiscais, pois essa operação somente é possível no prazo de 15 (quinze) dias após a emissão dos documentos fiscais, o que, por óbvio, não substitui a referida providência junto ao órgão fazendário.

Assim, está caracterizada a omissão de registro de despesas, em infringência ao disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante o qual a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, com especificação completa:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

I - pelas seguintes informações:

(...)

g) receitas e despesas, especificadas;

(...)

i) gastos individuais realizados pelo candidato e pelo partido político;

 

Nesse trilhar, a Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil, na linha do seguinte julgado:

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2014. DIRETÓRIO NACIONAL. PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL). COMITÊ FINANCEIRO NACIONAL PARA PRESIDENTE DA REPÚBLICA. DESAPROVAÇÃO.

(...)

IRREGULARIDADE - OMISSÃO DE DESPESAS (R$ 84.900,77).

13. A omissão de despesas nas contas prestadas por meio do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais - SPCE viola o disposto nos arts. 40, I, g, e 41 da Res.-TSE nº 23.406/2014 e constitui irregularidade que macula a sua confiabilidade.

(...)

(Prestação de Contas n. 97006, Acórdão, Relator MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 167, Data 29.8.2019, pp. 39/40). Grifei.

 

Nessa senda, para o afastamento da irregularidade, seria necessário o cancelamento das notas fiscais expedidas contra o CNPJ do partido, consoante previsão do art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, ao efeito de descaracterizar os registros constantes nos documentos fiscais como gasto eleitoral.

Entretanto, como antes analisado, a simples declaração unilateral do prestador ou de seu fornecedor não representa meio de comprovação idôneo para desconstituir o conteúdo da nota fiscal emitida.

Nessa linha, colho julgado deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. CARGO DE VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. SERVIÇOS CONTÁBEIS. NOTA FISCAL NÃO APRESENTADA. ESTORNO NÃO REALIZADO. AUSÊNCIA DE DOCUMENTO FISCAL IDÔNEO. ALEGADO EQUÍVOCO NA EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS CONTRA O CNPJ DA CAMPANHA. NÃO DEMONSTRADO CANCELAMENTO. INCABÍVEL MERA DECLARAÇÃO DA EMPRESA. CARACTERIZADO USO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. QUANTIA POUCO EXPRESSIVA DAS FALHAS. INCIDÊNCIA DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REJEITADO PEDIDO DE APLICAÇÃO DA LEI DO PARTIDOS POLÍTICOS. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidata a vereadora, relativa às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional em virtude da realização de gasto eleitoral sem a juntada da correspondente nota fiscal, e da existência de recursos de origem não identificada, referente a duas notas fiscais emitidas contra o CNPJ da campanha e não declaradas nas contas.

2. Identificada omissão de gastos eleitorais referente a despesas com fornecedor de serviços contábeis, caracterizando utilização de recursos de origem não identificada na campanha. Ainda que a nota fiscal relativa ao gasto tenha sido devidamente cancelada, não foi realizada operação de estorno, tampouco demonstrado que o recurso utilizado para pagamento foi devolvido para a campanha, gerando sobra a ser recolhida ao diretório partidário, ficando, sem explicação o valor repassado para a empresa emitente do documento fiscal. Assim, o valor pago a mais para o fornecedor de serviços sem a presença de documento fiscal idôneo correspondente é irregular, pois infringe o que dispõe o art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Mantida a determinação de recolhimento do montante irregular ao Tesouro Nacional.

3. Alegado equívoco na emissão de duas notas fiscais contra o CNPJ da campanha, relativas a pagamento de serviços de contabilidade, sem, contudo, ter havido apresentação de documento fiscal de cancelamento. Cabe à candidata, e não às empresas, prestar contas perante a Justiça Eleitoral e ser responsabilizada por eventual incorreta emissão de nota fiscal para a sua campanha, pois o art. 45, § 2°, da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao determinar a responsabilidade dos candidatos, em solidariedade com seus administradores financeiros, pela veracidade das informações financeiras e contábeis de sua campanha. Assim, a mera declaração da empresa no sentido de que a nota foi incorretamente emitida, sem o documento fiscal de cancelamento ou de estorno da despesa, não justifica o gasto omitido das contas. Cabia à candidata providenciar a regularização do documento junto à empresa emitente. Ainda, a justificativa de que uma das notas fiscais teria sido custeada pelo convivente da prestadora e por equívoco emitida contra o seu CNPJ, não afasta o apontamento, mas tão somente corrobora o fato de que candidata recebeu e utilizou recursos de origem não identificada na campanha. Determinado o recolhimento ao erário, na forma do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. Embora as falhas representem 80,66% do total das receitas declaradas, perfazem quantia pouco expressiva, possibilitando a aprovação das contas com ressalvas, por aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Rejeitado o pedido de aplicação do art. 37, § 12, da Lei n. 9.096/95 ao feito, pois as contas de campanha são regidas pela Lei das Eleições (Lei n. 9.504/97), e não pela Lei dos Partidos Políticos.

5. Parcial provimento.

(Recurso Eleitoral n 060041718, ACÓRDÃO de 14.10.2021, Relator GERSON FISCHMANN, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.) (Grifei.)

 

Finalmente, a agremiação argumenta que o valor glosado não deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, pois não se trata de recursos de origem pública, mas revertido ao próprio partido político, nos termos do art. 31 da Lei n. 9.504/97.

Não assiste razão ao recorrente.

O dispositivo referido pela agremiação regula a destinação das sobras financeiras de campanha dos candidatos, que devem ser transferidas da conta "Outros Recursos" aos respectivos diretórios partidários da circunscrição do pleito, ou seja, trata-se de hipótese diversa da verificada nestes autos, que envolve a omissão de gastos e a utilização de recursos de origem não identificada.

As despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

[...].

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

 

Assim, deduzida a NF n. 18899 (R$ 1.000,00), impõe-se o recolhimento do valor de R$ 188,53 (NF n. 18740 e NF 23816) ao Tesouro Nacional.

De seu turno, inviável o conhecimento original do requerimento de parcelamento do débito deduzido em grau recursal. Tal pleito deve ser formulado perante o Juízo da Zona Eleitoral de origem, competente para o cumprimento da decisão sobre as contas do Diretório Municipal e para a análise originária dos requisitos e procedimentos legais para a concessão do pedido.

Conclusão

Por fim, verifica-se que o somatório das irregularidades alcança a cifra de R$ 188,53, que represente 18,62 % das receitas declaradas pelo partido político (R$ 1.009,60 - ID 43390433).

Em tais circunstâncias, o Tribunal Superior Eleitoral tem aprovado com ressalvas as contas de campanha sempre que o montante das irregularidades represente valor absoluto diminuto, ainda que o percentual com relação ao total da arrecadação seja elevado, adotando como referência o valor máximo de R$ 1.064,10 (TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 63967, Acórdão, Relator: MIN. EDSON FACHIN, Publicação: DJE de 06.8.2019).

Dessa forma, considerando-se o reduzido valor absoluto da irregularidade, as contas devem ser aprovadas com ressalvas, nos termos do inc. II do art. 74 da Resolução TSE n. 23.607/19, em face da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Por conseguinte, afasto a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário, considerando que essa determinação é reservada aos casos de desaprovação da contabilidade, nos termos expressos do art. 25, parágrafo único, da Lei n. 9.504/97, disciplinado pelo art. 74, § 7º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro - PRTB de Alegrete/RS, relativas ao pleito de 2020, afastando a pena de suspensão de quotas do Fundo Partidário e reduzindo para R$ 188,53 o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.