REl - 0600547-36.2020.6.21.0021 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/01/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

Da Preliminar de Nulidade por Ausência de Intimação para Apresentação de Manifestação acerca do Parecer Técnico

Os recorrentes alegam que, após a emissão do parecer técnico, não foram intimados a prestar esclarecimentos no prazo de 3 (três) dias, como preceitua o art. 64, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, ainda que tenha havido despacho do Juízo Eleitoral determinando tal providência (ID 44512583).

Em face disso, suscitam preliminar de nulidade da sentença e dos atos posteriores ao referido despacho, por ofensa aos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.

Contudo, não lhes assiste razão.

Na linha do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, a análise da tramitação do processo no sistema PJe de 1º grau revela que os candidatos foram intimados do despacho judicial por intermédio de ato de comunicação expedido no dia 25.3.2021, às 18h30min, do qual foi registrada ciência em 05.4.2021, às 23h59min, com prazo de três dias para manifestação, até 08.4.2021, às 23h59min, que decorreu in albis.

Assim, em face da regularidade do ato intimatório que foi dirigido aos recorrentes, inexiste nulidade processual a ser reconhecida por este Colegiado, razão pela qual afasto a matéria preliminar arguida.

Do Conhecimento de Novos Documentos em Sede Recursal

Contra a sentença, primeiramente foram opostos embargos de declaração, acompanhados de documentos (ID 44513033), que restaram rejeitados pela magistrada a quo (ID 44513533), tendo depois sido apresentado o presente recurso eleitoral.

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades sem a necessidade de nova análise técnica.

No caso dos autos, tenho que os documentos merecem ser conhecidos por serem de fácil análise e pertinentes às falhas identificadas no presente caso.

Mérito

No mérito, as contas de PAULO ARGEU SARAIVA FERNANDES e GILMAR HENRIQUE WALTER, candidatos, respectivamente, aos cargos de prefeito e vice-prefeito no Município de Estrela, foram desaprovadas pelo juízo a quo, sendo-lhes comandado o recolhimento de R$ 17.189,40 aos cofres públicos devido à omissão de despesas e à utilização irregular de recursos do FEFC.

Passa-se, a seguir, à análise discriminada dos apontamentos glosados.

I – Omissão de gastos eleitorais

Na instância de piso, o órgão técnico identificou a omissão de despesas na prestação de contas, a partir de análise de notas fiscais eletrônicas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral (ID 44512683).

Os gastos omitidos pelos candidatos ao pleito majoritário, representados pelas notas fiscais eletrônicas n. 3752866 e 3752867, nos valores, respectivamente, de R$ 75,60 e R$ 120,00, foram contratados em 23.10.2020 com LOCAWEB SERVICOS DE INTERNET S/A, CNPJ n. 02.351.877/0001-52.

Em face disso, a ilustre magistrada considerou os montantes atinentes aos dispêndios como recursos de origem não identificada e determinou aos ora recorrentes o recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

No apelo, não houve impugnação a essa falha, não tendo, portanto, a matéria sido devolvida à apreciação deste Tribunal, em face do princípio tantum devolutum quantum apellatum.

Desse modo, persiste a mácula, devendo ser transferida ao erário a importância total de R$ 195,60.

II – Utilização irregular de recursos do FEFC

A sentença, ainda, reputou irregular a aplicação de recursos do FEFC, no total de R$ 16.993,80, consoante excerto a seguir reproduzido:

Verificou-se, ainda, que o candidato realizou despesas no valor total de R$ 16.993,80 pagas com recursos públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha de forma irregular. Entre as irregularidades houve pagamentos em espécie, sem constituição de Fundo de Caixa, falta de apresentação de documento fiscal e realização de transação bancária fora do padrão previsto na legislação eleitoral, ou seja, sem identificação do beneficiário.

Vejamos a seguir cada uma das espécies de irregularidades apontadas.

Primeiramente, as despesas a seguir discriminadas (conforme relatório ID 84457912) foram pagas em espécie de forma irregular:

Isto porque não houve a constituição de Fundo de Caixa nos termos do disposto nos arts. 39 e 40, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Apenas por esse motivo, seria o caso de condenação dos candidatos ao ressarcimento ao erário de tais valores. Ocorre que, além disso, tampouco houve apresentação dos documentos fiscais relativos a tais despesas.

A mesma pecha (ausência de documento fiscal) pode ser atribuída às despesas realizadas nos dias 13/11/2020 e 03/11/2020 perante a empresa Lajecópias Comunicação Visual Ltda, conforme tabela abaixo também extraída do mesmo relatório (ID 84457912). Embora instados a apresentarem a documentação fiscal dos gastos, na forma do art. 60 da Res. TSE n. 23.607/2019, os candidatos deixaram de manifestar-se. Quanto às demais despesas constantes da tabela, além da falta de documento fiscal também houve realização de transferência bancária inadequada:

Veja-se como dispõe a Res. TSE n. 23607/19 a respeito do tema:

Art. 38. (...)

Mais adiante, a Res. TSE n. 23607/2009 disciplina:

Art. 79. (...).

A realização, pois, de pagamento de despesa de campanha com recursos públicos sem a correta comprovação do pagamento com cheque nominal cruzado ou comprovante de transferência bancária, conforme determina o art. 38 da Resolução TSE 23.607/2019, enseja a condenação do prestador de contas ao recolhimento ao Tesouro Nacional do valor utilizado.

Não é outra a jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul:

(...)

Considerando a proporção que as irregularidades apontadas representam (85,94% do total de recursos arrecadados), nos termos do art. 74, III, da Resolução 23.607/2019, em razão de que as falhas comprometem a regularidade das contas, cabe a sua desaprovação.

Diante do exposto, DESAPROVO as contas do candidato ao cargo de Prefeito PAULO ARGEU SARAIVA FERNANDES, e do candidato ao cargo de Vice-Prefeito GILMAR HENRIQUE WALTER, relativas às eleições municipais de 2020, ante os fundamentos acima declinados.

Determino, ainda, o recolhimento da importância de R$ 17.189,40 ao Tesouro Nacional, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019, em até cinco dias após o trânsito em julgado desta decisão, sob pena de encaminhamento dos autos à Advocacia-Geral da União para fins de cobrança. 

Pois bem.

As despesas reputadas irregulares foram aquelas nos valores de R$ 100,00; R$ 239,68; R$ 520,00; R$ 102,12; R$ 14.500,00; R$ 1.100,00; e R$ 432,00.

Inicialmente, anoto que o conjunto de dispêndios nos valores de R$ 100,00, R$ 239,68, R$ 520,00 e R$ 102,12, no total de R$ 961,80, foi pago em espécie.

Em relação a esses, saliento que o gasto de R$ 100,00, contratado com Corbel Carimbos Ltda. – ME, está representado por nota fiscal eletrônica (ID 44513133); o de R$ 239,68, cujo fornecedor é a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, encontra-se demonstrado por documento emitido por aquela empresa pública (ID 44512183); os de R$ 520,00 e 102,12, contratados com Rodrigo Fangmeier, não são comprovados por documento fiscal, mas sim por declaração assinada pelo fornecedor (ID 44513183).

A disciplina normativa do Fundo de Reserva encontra-se plasmada nos arts. 39 e 40 da Resolução TSE n. 23.607/19, sendo que a forma de pagamento dos gastos está regulada no dispositivo anterior, art. 38.

Eis a redação das referidas regras eleitorais:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

Art. 39. Para efetuar pagamento de gastos de pequeno vulto, o órgão partidário e o candidato podem constituir reserva em dinheiro (Fundo de Caixa), desde que:

I - observem o saldo máximo de 2% (dois por cento) dos gastos contratados, vedada a recomposição;

II - os recursos destinados à respectiva reserva transitem previamente pela conta bancária específica de campanha;

III - o saque para constituição do Fundo de Caixa seja realizado mediante cartão de débito ou emissão de cheque nominativo em favor do próprio sacado.

Parágrafo único. O candidato a vice ou a suplente não pode constituir Fundo de Caixa.

Art. 40. Para efeito do disposto no art. 39 desta Resolução, consideram-se gastos de pequeno vulto as despesas individuais que não ultrapassem o limite de meio salário mínimo, vedado o fracionamento de despesa.

Parágrafo único. Os pagamentos de pequeno valor realizados por meio do Fundo de Caixa não dispensam a respectiva comprovação na forma do art. 60 desta Resolução.

Vê-se, portanto, que o primeiro requisito para a legalidade do Fundo de Reserva é não ultrapassar o limite de 2% dos gastos contratados.

 Na espécie, os gastos realizados pelos candidatos alcançou a soma de R$ 20.000,00. Desse modo, o limite geral corresponde a R$ 400,00.

A segunda condição, transitar o valor pela conta-corrente, foi observada, já que as verbas são oriundas do FEFC e foram sacadas da conta específica.

O terceiro pressuposto é ser o saque efetuado mediante cartão de débito ou emissão de cheque nominativo em favor do próprio sacado.

À vista do extrato bancário acostado aos autos, sob o ID 44512283, e do extrato eletrônico constante do sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, constata-se que houve a retirada, por meio de saque eletrônico, com cartão de débito.

O quarto requisito é não extrapolar o valor de meio salário mínimo, vedado o fracionamento.

Segundo o art. 2º da Lei n. 14.013, de 10.6.2020, o salário mínimo vigente por ocasião da campanha eleitoral era de R$ 1.045,00, de modo que o gasto individual não poderia ser superior a R$ 522,50.

Nesse cenário, os gastos de R$ 100,00 e de R$ 239,68, que totalizam R$ 339,68, ajustam-se às exigências atinentes à constituição da reserva em dinheiro e restaram adequadamente comprovados por meio de documentos idôneos, de sorte que devem ser considerados escorreitos.

Já os dispêndios de R$ 520,00 e R$ 102,12, distintamente, não podem ser tomados por regulares, por estarem em desacordo com as normas que regem tanto o Fundo de Caixa quanto a forma de pagamento de despesas eleitorais (art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19), bem como em face de a documentação apresentada ter sido produzida unilateralmente e posteriormente ao apontamento pela unidade técnica, o que abre brecha para a ocorrência de burla à legislação, conforme anotou a Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer (ID 44897143):

Emitido o parecer técnico conclusivo é vedada a juntada de novos documentos, somente havendo duas exceções: a) quando o parecer conclusivo traz irregularidades sobre as quais não se tenha dado oportunidade de manifestação ao prestador; b) ou em relação a documento cuja formação, conhecimento, acessibilidade ou disponibilidade é posterior à última oportunidade de manifestação já dada ao prestador, nos termos do parágrafo único do art. 435 do CPC, cabendo a parte comprovar o motivo que a impediu de juntá-lo anteriormente.

O objetivo da norma, certamente, é evitar a montagem de prestações de contas a partir do momento em que vão sendo constatadas as irregularidades.

Desta forma, entendemos que a acolhida de documento após o parecer conclusivo ou em sede recursal somente poderia se dar nas hipóteses do parágrafo único do art. 435 do CPC.

(...)

Com relação às despesas contratadas com RODRIGO FANGMEIR, nos valores de R$ 102,12 e R$ 520,00, os comprovantes do gasto foram feitos por meras declarações e recibos acostados após o parecer conclusivo, se prestando à montagem da prestação de contas, não podendo ser admitidos conforme esclarecido na preliminar supra. Ademais, o prestador reconhece que o pagamento foi feito em dinheiro, sem observância ao art. 38 da citada resolução.

Entendo que se impõe, portanto, o recolhimento aos cofres públicos do somatório de R$ 622,12.

No que tange aos gastos de R$ 14.500,00, R$ 1.100,00 e R$ 432,00, todos pactuados com LAJECOPIAS COMUNICACAO VISUAL LTDA. – EPP, CNPJ n. 91.727.438/0001-21, estão  demonstrados pelas notas fiscais eletrônicas n. 000.011.939, de 13.11.2020 (ID 44513233), 000.011.933, emitida em 12.11.2020 (ID 44513283), e 000.011.932, também gerada em 12.11.2020 (ID 44513333).

Tais despesas foram pagas por meio de transferência bancária eletrônica ao fornecedor de campanha, LAJECOPIAS COMUNICACAO VISUAL LTDA. – EPP, de acordo com a imagem dos comprovantes bancários anexados com as correlatas notas fiscais (IDs 44513233, 44513283 e 44513333), bem como pelo que se observa do extrato eletrônico estampado no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, em relação unicamente aos dispêndios de R$ 1.100,00 e R$ 432,00, visto que, no que concerne ao valor de R$ 14.500,00, consta, no campo “histórico”, “ENVIO TEV”, e no campo “operação”, “LANÇAMENTO AVISADO 261139”.

Devem, via de consequência, ser consideradas livres de mácula as despesas de R$ 14.500,00, R$ 1.100,00 e R$ 432,00.

Nesse passo, em conformidade com a análise levada a efeito acima, impõe-se a manutenção das glosas relacionadas aos gastos de R$ 75,60 e R$ 120,00, por serem custeados com recursos de origem não identificada, bem como às despesas de R$ 520,00 e R$ 102,12, pagas com recursos do FEFC, resultando na soma de R$ 817,72, que há de ser recolhida ao erário.

Por derradeiro, tendo em vista que a quantia espúria é módica e representa 4,09% das receitas arrecadadas (R$ 20.000,00), resta viabilizada a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto das contas, de forma a possibilitar a aprovação das contas com ressalvas, de acordo com a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral e desta Corte.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de PAULO ARGEU SARAIVA FERNANDES e GILMAR HENRIQUE WALTER, candidatos nas eleições de 2020 aos cargos de prefeito e vice-prefeito, respectivamente, no Município de Estrela, e para reduzir o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 817,72, nos termos da fundamentação.