REl - 0600429-73.2020.6.21.0146 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/01/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo. O prazo de três dias iniciou no dia 14.9.2021, em decorrência do final de prazo para ciência previsto no ambiente do Processo Judicial Eletrônico, e o recurso foi interposto no dia imediato, de forma a obedecer os três dias para interposição previstos no art. 258 do Código Eleitoral.

Ademais, estando presentes todos os pressupostos exigidos para a espécie, a irresignação merece conhecimento.

1. Preliminar. Ilegalidade de gravação ambiental.

O recorrente aponta como ilegal a forma de produção de vídeo acostado aos autos, entendendo também pela ilegalidade dos demais elementos probatórios dele provenientes. Em resumo, a eleitora Ana Cláudia Barbosa gravou diálogo que manteve com LIRIO RIGON, sem o conhecimento deste.

Antecipo que as alegações recursais relativas à ocorrência de flagrante preparado serão analisadas no bojo do mérito da causa, ainda que relacionadas com a gravação, pois exigem análise do conteúdo gravado. No presente item, será abordada apenas a situação de licitude ou ilicitude, como prova da gravação.

E, posto tal limite, adianto que não assiste razão ao recorrente.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral vinha já há algum tempo consolidada no sentido de admitir que a gravação ambiental clandestina realizada por um dos interlocutores fosse utilizada como meio válido de prova em feitos cuja natureza seja cível.

Havia posicionamento pacífico daquela Corte Superior, do qual trago como exemplo o REspe n. 408-98, relator Ministro Edson Fachin, DJE de 08.8.2019, p. 71-72, no sentido de que, “à luz dessas sinalizações sobre a licitude da gravação ambiental neste Tribunal e da inexistência de decisão sobre o tema em processos relativos às eleições de 2016, além da necessidade de harmonizar o entendimento desta Corte com a compreensão do STF firmada no RE n° 583.937/RJ (Tema 237), é admissível a evolução jurisprudencial desta Corte Superior, para as eleições de 2016 e seguintes, a fim de reconhecer, como regra, a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem autorização judicial, sem que isso acarrete prejuízo à segurança jurídica”.

Destaco igualmente que o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral tem se debruçado sobre a questão majoritariamente em processos relativos às eleições de 2016, com quase três dezenas de casos admitindo a gravação ambiental, conforme indicado pelo Ministro Luís Roberto Barroso em voto de processo de sua relatoria, o REspe 0000385-19.

Tenho ciência de que, no referido julgamento, encerrado em 07.10.2021, o relator restou vencido, e a tese de ilicitude da gravação ambiental não autorizada judicialmente prevaleceu pelo placar de 4 a 3.

Contudo, pelo resultado dividido – e até aqui isolado – havido no TSE, considero que a questão somente será pacificada após a manifestação do Plenário do Supremo Tribunal Federal, pois a matéria também é objeto de processo perante a Corte Suprema no RE 1.040.515, com repercussão geral declarada. Até o presente momento, apenas o Ministro Dias Toffoli apresentou voto, e a demanda aguarda apresentação de voto-vista de parte do Ministro Gilmar Mendes.

Portanto, por respeito ao art. 926 do Código de Processo Civil, entendo por manter a linha de julgamento preponderante no TSE e sedimentada também nesta Corte Regional, aqui manifestada recentemente no Recurso Eleitoral 0600412-08, Rel. Desembargador Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 10.8.2021, e no Recurso Eleitoral 0600581-56, de minha relatoria, julgado em 20.10.2021.

Aliás, nas palavras do e. Desembargador Gerson Fischmann, as quais expressamente tomo como razões de decidir, “diante da introdução do art. 8º-A da Lei nº 9.296/96, que regulamenta a interceptação de comunicações, o STF ainda analisará a necessidade de autorização judicial para a utilização de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, como prova”, motivo pelo qual considero que há de ser mantida a orientação jurisprudencial até o momento adotada, no sentido da licitude da prova.

Afasto, assim, a preliminar, sobretudo por entender lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ao menos enquanto o Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, não decida de forma contrária à jurisprudência historicamente preponderante no Tribunal Superior Eleitoral.

 

2. Mérito.

Em suma, a questão de fundo cinge-se à prática de captação ilícita de sufrágio pela qual o recorrente foi condenado, com a cassação de diploma e aplicação de multa.

Inicialmente, o Ministério Público Eleitoral com atribuições junto a 146ª Zona Eleitoral recebeu notícia de fatos atribuídos ao então candidato ao cargo de vereador no Município de Constantina, LIRIO RIGON. O recorrente teria sido filmado entregando quantia em dinheiro a eleitora, identificada posteriormente como Ana Cláudia Barbosa.

Para a devida apuração, foram instaurados o Procedimento Investigatório Criminal n. 00752.000.535/2020 e o Procedimento Preparatório Eleitoral n. 01742.000.245/2020.

Após instrução, a sentença reconheceu o cometimento de captação ilícita de sufrágio, ilicitude de cunho civil tipificada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, relativamente aos votos de: (1) Ana Cláudia Barbosa, com entrega de R$ 200,00; (2) Everton Luiz de Araújo, com entrega de R$ 100,00; (3) esposa de Cleiton Binello, com entrega de R$ 100,00; (4) funcionários da Marmoraria São Cristóvão, com fornecimento de churrasco para um grupo de cerca de 12 pessoas e, ainda, o valor de R$ 400,00 a Paulo Cesar Marcolan Grapiglia; além de (5) promessa de vantagem a interlocutora não identificada.

Trago a redação do art. 41-A da Lei n. 9.504/97:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990.

 

Na doutrina, a já clássica obra de Francisco de Assis Vieira Sanseverino (Compra de votos – Análise à luz dos princípios democráticos, Ed. Verbo Jurídico, 2007, p.274.) traz a lição de que o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 busca proteger de forma ampla a normalidade e a legitimidade das eleições e, de modo estrito, o direito de voto livre do eleitor.

Destaco ainda que, segundo pacífica posição do Tribunal Superior Eleitoral, para a ocorrência de captação ilícita de sufrágio, há de ser provada a presença de três elementos: (1) a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer); (2) a possibilidade de identificação de uma pessoa física (eleitor); (3) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter o voto).

Postas tais premissas, passo à análise individualizada dos fatos.

2.1. Eleitora Ana Cláudia Barbosa.

Colho, da sentença, trecho que bem resume os fatos:

Parto da análise do famigerado vídeo (ID 58904387), no qual é possível identificar o representado e Ana, sentando à mesa, conversando. A íntegra dessa conversação queda um tanto quanto prejudicada em função da qualidade do áudio (Ana tece comentários em relação a sua irmã, que passara a residir com ela). Em dado momento, Lírio levanta, puxa um maço de dinheiro do bolso e entrega a Ana duas notas, aparentemente de R$ 100,00 cada. Mais adiante segue uma fala de Ana, dando a entender que irá intermediar a aproximação de Lírio com uma terceira pessoa (colocá-los em contato através de uma ligação). Já se encaminhando para o final do encontro, quando Lírio estava se retirando, ouve-se a seguinte fala:

Ana: "já falei pra eles e eles aceitaram sua proposta... no caso eu vou avisar o senhor desde já, nós não (inaudível) sabemos se vamos puxar pro prefeito ainda.

Lírio responde com um incisivo "nãaao" (segue fala inaudível) e Ana complementa: "É tudo junto esse valor? aaaa tá... tem que tá o Prefeito junto então... (é possível ouvir Lírio respondendo que sim)... então vou falar pra eles. Na ideia deles essa proposta é só do senhor" (segue fala inaudível de Lírio).

Ana arremata dizendo que "sua proposta são boa".

 

Em juízo, Ana Cláudia afirmou (ID 44837991, ID 44837992, ID 44837993 e ID 44837994) que o motivo de ter realizado a gravação não estava relacionado com a eleição, mas com a prova de assédio de LIRIO à irmã de 19 anos que com ela residia, pois, em visita anterior, o recorrente teria oferecido R$100,00, além de um emprego após a eleição para que “saísse” com ele.

Como LIRIO estivesse insistindo em relação à sua irmã, Ana Cláudia decidiu gravar a visita, foi surpreendida pela oferta de R$ 200,00 em troca de seu voto, a qual aceitou “porque precisava, o marido estava desempregado”, e comprometeu-se a falar com familiares para pedir voto em troca de ajuda do candidato.

Saliento: ainda que realizada por motivos periféricos à seara eleitoral, certo é que a gravação ambiental efetivada por Ana Cláudia Barbosa não evidencia a hipótese de flagrante preparado invocada nas razões de recurso, pois para tal configuração a doutrina e a jurisprudência exigem que ocorra indução ou provocação à prática do ato ilícito.

No caso concreto, constata-se uma visita cuja pauta, ao menos para o então candidato, possuía relação com o maço de dinheiro que carregava no próprio bolso e com o material de controle de votos negociados, como adiante se verá.

Do referido maço de notas é que foram dadas duas cédulas de R$ 100,00 a Ana Cláudia, em imagens nítidas, sem que seja possível identificar da eleitora qualquer palavra ou gesto de incitação ao ato, que partiu do próprio recorrente.

Afasto assim a alegação de flagrante preparado. O que se observa no vídeo é a fala de LIRIO “a gente tem que fazer quatro reservas para poder sacar dez mil”, que, na sequência, entrega o dinheiro a Ana Claudia, conversa sobre a irmã e o marido da interlocutora, faz uma anotação e a anexa à agenda de controle de votos, para após seguir conversando com a eleitora sobre outros contatos que aceitariam a “proposta”.

Destaco que Ana Cláudia fez menção de remeter mensagem para LIRIO que, enfaticamente, responde “não, não, liga! não tem mensagem.”, e reforça na sequência do diálogo, pois Ana Cláudia afirma que “no caso o zap não tem como hackear, seu Lirio, porque ele é criptografado”, ao que LIRIO repete, “não, tu me liga”.

Observo que, mais ao final do diálogo, Ana Cláudia afirma “já falei pra eles e eles aceitaram a sua proposta (…) vou avisar o senhor desde já, nós não sabemos se vamos puxar o prefeito”, ao que LIRIO reage com um “não!” e palavras incompreensíveis na gravação. Então, a interlocutora complementa: “Tem que ‘tá’ o prefeito junto então?”, e ouve-se a resposta de LIRIO: “Sim.”

Com efeito, ainda que a qualidade do áudio não seja perfeita, como indicado na sentença, dele se extraem trechos perfeitamente contextualizados que afastam dúvida quanto à ocorrência de negociação de votos em troca de dinheiro, R$ 200,00 no caso de Ana Cláudia Barbosa, além da referência de outros eleitores que teriam aceitado a venda de votos a LIRIO.

Aponto que os depoimentos de Ana Cláudia, tanto perante o Ministério Público quanto em juízo, são consistentes e confirmam a entrega de R$ 200,00 em troca do seu voto a ser dirigido ao recorrente, o qual não nega a entrega de dinheiro, muito embora indique o valor de R$ 100,00 e declare ter realizado a prática por caridade. O valor de R$ 100,00 é citado por Ana Cláudia em juízo, mas se refere à oferta de LIRIO relativamente aos votos dos familiares.

Reforço ser clara a imagem da entrega de duas cédulas de cor azul a Ana Cláudia, o que corrobora a versão da eleitora. Ademais, do diálogo transcrito surge o objetivo do candidato de obter o voto mediante troca por dinheiro, inclusive com orientações de não tratar do tema via mensagens.

Há, ainda, conjunto probante significativo integrado pelo aparelho celular, pela agenda e por anotações do candidato, material obtido mediante apreensão autorizada pelo juízo, cujo conteúdo revelou listas de nomes, contatos telefônicos e anotações que constituem o controle dos votos angariados:

 

 

O recorrente apresentou testemunhas cujos depoimentos se deram no sentido de atribuir a Ana Cláudia a prática de “tirar dinheiro de todos os políticos”. Julgo que o ponto de prova foi muito bem analisado pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer, de modo que transcrevo trecho da manifestação, integrando-a expressamente como razões de decidir, a fim de evitar desnecessária repetição:

As testemunhas ouvidas em juízo a requerimento do representado, Rieli Rossini (ID 44838158), Adair Girotto (ID 44838156) e Pedro Custódio (ID 44838154), foram trazidas com o intuito claro de desconstituir o depoimento de Ana Cláudia, ocasião em que, de fato, se afirmou que ela recebeu a visita de diversos políticos e cabos eleitorais em sua casa, sendo que o último disse ter ouvido Ana falar que "queria tirar dinheiro de todos os candidatos", e o segundo afirmou que ela o devia, a título de aluguéis, R$ 1.600,00. Ocorre que tais informações foram corroboradas pela própria Ana Cláudia Barbosa em seu depoimento, a qual disse que vendeu seu voto, que recebeu a visita de diversos candidatos tentando comprar seu voto e que estava devendo oito meses de aluguel, sendo que cada aluguel era de R$ 200,00 mensais. Tais informações conferem ainda maior credibilidade ao restante do seu relato, até porque, ao delatar o candidato, ela também estava se incriminando. Nessa via, pouco importa se os 16 votos que seriam comprados com os R$ 1.600,00 seriam um golpe para ela ficar com o dinheiro ao final ou se ela teria ou não votado no candidato, importando, na verdade, toda a negociação com promessa de vantagem efetivada pelo candidato, bem como o pagamento por ele feito a Ana Cláudia em troca do seu voto.

 

Nesse norte, entendo que as circunstâncias confirmadas por Ana Cláudia, constrangedoras sob o ponto de vista social, desabonadoras sob o enfoque ético e desobedientes à legislação de regência, inclusive podendo incriminá-la, apenas reforçam a ocorrência de captação ilícita de sufrágio ora analisada, pois, para “tirar dinheiro de todos os políticos”, obviamente houve negociação de compra de votos, no caso dos autos com o candidato LIRIO RIGON, ilegalidade cuja prática vem reforçada pela documentação apreendida.

Nessa linha de raciocínio, reconheço a prática de captação ilícita de sufrágio relativamente à eleitora Ana Cláudia Barbosa.

 

2.2. Eleitor Everton Luiz de Araújo.

O Ministério Público aponta na inicial que o candidato Lirio Rigon entregou R$100,00 a Everton Luiz de Araújo, de apelido “Ferpa”, com o fim de obter-lhe o voto. Apresenta como provas printscreens e áudios extraídos do WhatsApp, em conversação ocorrida entre o eleitor e LIRIO RIGON.

No tópico, as alegações do recorrente podem sem resumidas no sentido de que “a relação entre Everton e Lírio sempre foi de caráter negocial e remonta de longa data, de forma que a suposição de que haveria uma compra de voto no valor de cem reais foi desfeita pela prova de que o valor era referente à transferência de um veículo e a serviços de polimento”.

Sustentação de inviável acolhimento.

Analisei toda a sequência de conversas registradas no aparelho celular utilizado na época pelo recorrente. De fato, verifico que a parte inicial indica a negociação de um automóvel.

Contudo, tal conteúdo está concentrado entre os meses de março a julho de 2020, antes do início do período eleitoral propriamente dito.

No mês de agosto há um hiato. Everton e LIRIO não se contatam.

Em setembro, recomeçam contatos com algumas mensagens de áudio e, no quinto dia do mês de novembro, às vésperas das eleições ocorridas no dia 15.11.2020, surge o conteúdo nitidamente voltado à negociação de voto. Senão, vejamos:

 

Ainda que inicialmente de maneira subliminar, as mensagens “uma mão lava a outra” e “tu me ajuda e nois te ajudemo” fazem alusão ao pleito que se aproxima, pois em mensagem no dia anterior à eleição, ID 44838018, Everton pede “passa aqui em casa e decha 50” e refere “amanhã é nois”, citando ainda que “tá eu e o filho do finado [...] meu cunhado um pia da savaris que veio só pra vota mora no Rio de Janeiro”.

De todo modo, ainda que a título argumentativo tais diálogos não pudessem levar sozinhos a uma condenação, a cabal demonstração de ilicitude vem com os áudios do dia 05.11.2020, ID 44838021 e ID 44838022:

ID 44838021

INTERLOCUTOR “FERPA”: “Véinho, tu me disse que era para ir lá no Zottis, QUE TU IA AUTORIZAR UM RANCHO LÁ. Eu cheguei, a Fernanda disse que te ligou, tu disse que não...tu me disse ontem. Daí eu te falei pra ir no econômico, tu disse que no econômico ficava ruim. Tu acha que vai ajudar nós ou não, e nós te esperando...se não nós, daí nós não ia ficar esperando, ia atrás de outro.”

 

ID 44838022

RESPOSTA DE LÍRIO RIGON, “Menino, EU TE DISSE DO RANCHO, tu quis comprar lá no econômico, EU TE DEI CEM REAIS, eu não tenho dinheiro assim, pra mim ficar pagando loucura assim, rapaz... tudo que eu te ajudei, rapaz, tu tá me julgando que eu não te ajudei nada. Se tu quer votar pra um outro, vota pra um outro, ME DEVOLVE OS CEM PILAS e vota pra um outro, não tem assim, tu acha que eu vou ficar devendo o resto da vida, porque tu vai me ajudar uma vez? Tá louco, homem, aí não é ser amigo. DEVOLVE OS CEM PILAS que te dei aí e vota pra um outro, pronto. Não vamos estragar nossa amizade por causa de política, tá…”

 

Ou seja, não procede a alegação de relações negociais lícitas, pois LIRIO refere a compra do voto de Everton por R$ 100,00, em determinado momento de desentendimento sugerindo, inclusive, sublinho, o desfazimento da compra ilegal: “devolve os cem pilas que eu te dei aí e vota em outro”, para não “estragar nossa amizade por causa de política”.

Claramente incidente, também aqui, o art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

 

2.3. Eleitor Cleiton Binello.

Conforme áudio extraído do aplicativo de mensagens WhatsApp utilizado pelo recorrente, ID 44838081, LIRIO foi abordado por eleitor Cleiton Binello e, a partir de então, entabularam negociação de compra de votos:

Cleiton Binello - Opa! Boa tarde seu Lirio. Tudo tranquilo? Cara, olha só, não sei como o senhor tá fazendo, se o senhor tá negociando algum voto, alguma coisa aí...se por acaso o senhor tá lidando eu tenho um voto pra arrumar pra ti aí. Se o senhor que dar uma passadinha aqui no bairro santa Lucia, na frente do (…) se por acaso o senhor tem interesse o senhor da uma passadinha aqui. É no Cleiton Binello, aqui. Eu tenho um voto pra arruma pra ti.

 

Lirio Rigon - Amanhã nós entramos em contato daí nos vamos e encontrar aí tu marca. Antes do meio dia devo tar por aí, agora é momento...to na área...é difícil aqui.

Lirio Rigon - Menino quero sim, só que eu to envolvido aqui em baixo na área indígena, aí to frustrado com os homem aqui que não...tá tudo enrolado com os título de entidade, tudo. Viu, se ele passar aqui em frente da minha casa dá uma paradinha aqui e converso com ele. Valeu. Abração. Obrigado.

 

Cleiton Binello - Tranquilo, tranquilo. Amanhã de manhã por umas 8 horas eu passo aí, então. Pode ser?

(Grifei)

 

Além dos áudios, houve mensagens de texto, remetidas por Cleiton a LIRIO: “Lirio tem 2 votos que estão querendo dinheiro e de duas moças panazolo que são de São José da Missões mas tem título aqui em constantina, elas vem votar só se ganham um dinheiro senão não vão vir para votar. Se vc aceitar elas vão votar pra vc E o 12 também né”, ID 44838085.

Em juízo, Cleiton disse não votar em Constantina, mas que sua esposa tem domicílio eleitoral naquele município. Ainda, reconheceu ter remetido as mensagens, alegando que “eu mencionei isso mas não seria bem isso” e relatando que foi até a residência de LIRIO, oportunidade em que recebeu R$ 100,00 “como ajuda, não como compra de voto”. Admitiu ter dito a LIRIO que “como o senhor me ajudou, minha esposa vai votar pra ti”.

Entrega de dinheiro em troca de voto, portanto.

Observo mais uma vez o valor de R$ 100,00 por voto, em circunstância que traz indícios de tarifamento noticiado à boca pequena em Constantina, pois Cleiton ainda não conhecia pessoalmente LIRIO, e ainda assim refere em contato inicial “não sei se o senhor tá negociando algum voto” e que “eu tenho um voto para arrumar pra ti”, ao que recebe a resposta de LIRIO “menino quero sim”.

As regras de experiência denotam que tais situações obviamente se espalham “de boca em boca” mormente em municípios de pequeno porte, e mediante a notícia recebida de pessoas próximas é que os eleitores se encorajam a contatar o candidato e abordar o tema exatamente porque sabedores de que haverá receptividade.

Esse o presente caso.

Ou seja, caracterizada a negociação de voto de eleitora identificada, ainda que intermediada pelo esposo, Cleiton Binello.

 

2.4. Eleitor Paulo César Marcolan Grapiglia e funcionários da Marmoraria São Cristóvão.

Reproduzo excerto da sentença que bem apresenta os fatos:

Conforme consta na inicial, Paulo compareceu à Promotoria e declarou, em síntese, que Lírio, durante a campanha (mais especificamente no dia 29 de outubro de 2020), apareceu na Marmoraria São Cristóvão, local em que trabalha o declarante, e ofereceu-se para pagar um churrasco para os funcionários que ali se encontravam presentes. Paulo, então, anotou o número de telefone do representado e, na sequência, passaram a trocar mensagens. Além da aludida festa, consta que Lírio também concedeu vantagem a Paulo (dinheiro para supostamente cobrir um cheque de R$ 400,00).

Foi o que ocorreu.

A prova disso repousa nos prints colacionados na inicial (item 1.3), complementados pelos áudios que podem ser acessados nos IDs 58930002, 58930006, 58930007, 58930008, 58930009, 58930011, 58930013, 58930015, 58930017, 58930018, 58930020 e 58930022.

Pelas conversas é possível constatar que Lírio efetivamente pagou uma festa para um grupo de funcionários da Marmoraria São Cristóvão. Confira-se o seguinte trecho (ID 58930006):

Lírio: “...passa lá no Jean de Carli, pegar o chope lá com ele, pegam máquina e tudo com ele, e depois aí tu vê comigo da carne...e o pão, comem também um pouquinho de pão, não só carne, tá louco, tá quase dez pila o quilo. E uma linguicinha também, e assim, bãi, uma picanha também, sim, sim, sim, tem que passar bem. Um abraço, obrigado.”

Chama a atenção o fato de que, num dos áudio (ID 58930002), Lírio alerta Paulo de que no "Bergmann" (local inicialmente sugerido para realização do evento) é "a par do asfalto, sai a denúncia e pegam já", recomendando, então, que a junção seja realizada em outro local, mais retirado ("perto do Genésio"), tendo em conta o risco de serem flagrados pela fiscalização sanitária em razão da COVID-19.

Portanto, duas são as situações: (1) doação de churrasco aos funcionários da Marmorararia São Cristovão, e (2) entrega de R$ 400,00 a Paulo Cesar Marcolan Grapiglia.

No relativo ao churrasco, o recorrente reconhece a conduta e alega se tratar de prática irrelevante, habitual o pagamento de churrasco para grupos de eleitores. Ainda, sustenta não ter havido influência na liberdade de voto, uma vez que não houve pedido de votos.

A prova dos autos, contudo, indica a necessidade de conclusão diversa.

O áudio enviado por Paulo Cesar a LIRIO traz elementos para tanto: “Opa Lirio e o Paulo da marmoraria vc veio de manhã hj aq Reservei o lugar lá no Bergman daí vamos fazer sábado já achei 12 pessoas aí vê aí das coisas aonde podemos passar pegar ou vc tras”, ID 44838025.

Em resposta, houve a remessa de áudio por LIRIO, fazendo observações sobre o lugar e confirmando a doação dos alimentos e bebidas.

No telefone celular apreendido há conteúdo que vincula as benesses entregues tanto ao voto de Paulo Cesar quanto à escolha de candidato de parte grupo de doze funcionários da Marmoraria São Cristóvão. Transcrevo:

 - “Opa meu vereador podia pagar um fardão pra nós aq no melico. Tenho mais um pia q vota pra vc e pra vir falar com ele”, ID 44838023;

 - “Opa Lirio é o Gripiglia home tu sabe q lá em casa vamos votar tudo pra vc podia me ajudar numa coisa faltou 400 pra dar…”, ID 44838026;

 - “se tiver como me dar uma força eu vou te recompensar também, e te arrumo mais voto também, tem os pia lá, que tavam lá no churrasco, no chop lá, e que vão votar pro senhor também...aí tenta ve se tu consegue me ajeita isso aí pra não entra o cheque…”, ID 44838032;

 - “Boa tarde Lirio, tem um piazão aqui que quer conversar contigo e tem outro piazão também, meu amigo, que vota pra tu também, mas ele quer conversar contigo...o que tu me diz”, 44838038; e

- “Ve, tu não que me liberar um troco pra eu comprar uns voto pra ti ali. Tem umas piazada aí, uns piá que é bem de fé. Se eu dá uns cem pila cada um eles votam pra tu...tu me ajudo eu vou te ajuda também…”, ID 44838039.

Chama atenção o texto de Paulo Cesar para LIRIO “liberar uns troco pra eu comprar uns voto pra ti ali”, indicando liberdade e fluidez de Paulo Cesar no trato do assunto com o recorrente e, mais importante, alguma consistência da prática entre os interlocutores. De regra, LIRIO pedia para falar pessoalmente ou ligar sem usar mensagens, sem rechaçar as situações em momento algum, de forma que as circunstâncias revelam a prática de compra de votos como expediente familiar à campanha do recorrente.

Há ainda o pedido de R$ 400,00 de Paulo César a LIRIO: “Então vê pra mim, senhor Lírio. Que lá em casa, o voto pro senhor é certo, né, não vai ter erro. Só eu tô precisando mesmo…” e mais adiante “Se tiver como me dar uma força aí eu vou te recompensar também, aí eu te arrumo mais voto também, tinha os piá que tavam lá no churrasco, lá no chope lá, diz que vão votar pro senhor eu conversei com eles lá, falaram que vão votar pro senhor, aí tenta vê se tu consegue ajeitar isso pra mim…”.

Em uma das respotas, LIRIO salienta: “Riquinho, vem aí falar pessoalmente aí nos demo um jeito. Abraço.”

Julgo pertinente o trecho da sentença em que o magistrado da origem analisa a dádiva “desinteressada” de LIRIO exatamente no auge do período eleitoral:

Com mais de 30 anos de vida pública (oito mandatos consecutivos), já tinha passado da hora de o representado saber que não pode pagar churrasco e chope, em plena campanha eleitoral, para um grupo de pessoas que sequer conhece, sob o pretexto de que estava fazendo uma ingênua contribuição. A moldura fática deixa evidente o especial fim de agir (obtenção de voto), o que, de resto, também é evidenciado pelo próprio teor das mensagens de Paulo, sobretudo se consideradas em seu conjunto (remeto ao ID 58930009 em que Paulo faz expressa menção de que a turma do churrasco vai votar para Lírio).

 

Entendo aqui caracterizado, portanto, a prática do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 em relação ao eleitor Paulo César Marcolan Grapiglia e ao grupo de funcionários da Marmoraria São Cristóvão, uma vez que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral há muito se posiciona no sentido de que os eleitores devem ser determinados ou determináveis (por exemplo, REspe n. 25256, de 16.2.2006, rel. Min. Cesar Asfor Rocha), exegese mantida em julgados recentes (REspe n. 47444, de 14.3.2019, rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto).

 

2.5. Interlocutora não identificada.

A título de reforço probatório ao demonstrado, e considerando a citada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, é emblemática a troca de mensagens inaugurada por fala do candidato, ID 44838063:

Em 27.10.2020

Lirio Rigon: (áudio cuja transcrição não localizei)

Lirio Rigon: Se puder me liga la pras 8 horas bj

55549662-6622: Me fale tua proposta que eu vou pensar.

Lirio Rigon: Eu presizo antes da eliison e depois mark denoite conversamos tu esta livre enton bj

Em 28.10.2020

55549662-6622: Bom dia, queria te pedir uma ajuda, se não for demais, preciso de 600,00 com urgência para pagar umas contas. Se vc me ajudar eu te ajudo.

Em 29.10.2020

55549662-6622: ?

Em 30.10.2020

55549662-6622: Ñ quer me ajudar então tá bom.

Lirio Rigon: Kero t ajuda mais non poso esta coantia pos ten muita gente k presiza mais conversamos bj

55549662-6622: Se me arrumar 150 ou 200 já me ajuda. Mas tu ve aí. Bj

Em 07.11.2020

Lirio Rigon: linda vo te ajuda e tu vai me ajuda k bom bj

Em 08.11.2020

Lirio Rigon: Oi me ligue bj

Em 04.12.2020

Lirio Rigon: Non vai me liga lindinha bj

 

Sempre utilizando os termos “ajuda” ou “força” como claros malabarismos semânticos, o recorrente agendou ligação com a interlocutora que utilizou a linha telefônica (54) 99662-6622 para apresentar pedido de R$ 600,00, refutado por LIRIO apenas no relativo ao valor em si, pois haveria mais gente para “ajudar”.

O cenário probatório indica lastimável comércio de votos, o qual teve como efeito a seguinte manifestação do Magistrado que conviveu com os fatos, no corpo da sentença:

Antes de descer ao exame do caso concreto, é oportuno escancarar, em linhas gerais, a realidade nua e crua, visceralmente exposta neste processo, no tocante à depravação moral que assola parcela do eleitorado (e de candidatos), em época de campanha. As trocas de mensagens reportadas nos autos fornecem um pequeno vislumbre (uma espécie de ponta do iceberg) dessa nefasta realidade.

Não há consciência; não há moral; não há escrúpulo; não há ideologia, nem qualquer sentimento cívico. Apoia-se o candidato que dá dinheiro; que paga rancho; que fornece vale combustível; que promete emprego; que paga churrasco. Vota-se naquele que dá ou promete alguma vantagem de cunho pessoal, qualquer que seja (abro parêntese: nesses quase 11 anos de jurisdição eleitoral já tive a infelicidade de me deparar com depoimentos de eleitores que venderam voto por uma dentadura, por um saco de cimento; por uma carga de areia; pelo pagamento de uma conta de luz; pagamento de consulta médica, para ficar nesses exemplos).

 

Essa a relação estabelecida entre candidato e eleitores, pois LIRIO lançou mão em sua campanha da prática espúria de compra de votos, esquivando-se de conversas que pudessem ser registradas e utilizando inclusive mediadores.

Ao se espalhar a notícia, formou-se a corrida de ofertas indicada por Luan Nunes Turra em seu testemunho, que disse ouvir de Paulo Grapiglia “se quer tentar ganhar algum dinheiro, o Lírio tá abrindo a mão”, e afirmou não ter conseguido em razão de ter terminado a verba.

Nesse norte, transcrevo trechos do parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral:

De fato, e ao contrário do quanto alegado no recurso, a prática de captação ilícita de sufrágio encontra-se sobejamente comprovada pelos documentos trazidos já com a petição inicial, sendo posteriormente confirmados pelos depoimentos de Ana Cláudia Barbosa e Luan Turra, bem como não infirmados pelos depoimentos de Everton Luiz de Araújo e Cleiton Binelo.

Na verdade, pode-se até afirmar que são raros os processos em que se acumulam tantas provas e elementos acerca da captação ilícita de sufrágio como no caso em tela.

 

Em resumo, uma série de condutas revela o malferimento ao bem jurídico tutelado pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97, impondo-se o reconhecimento da infração como bem realizado pelo juízo de origem ao determinar a cassação do registro, no que a sentença deve ser mantida.

Entendo apenas por dar parcial provimento ao recurso, reduzindo a pena pecuniária fixada pelo juízo de origem. Explico.

Os tribunais regionais possuem a tarefa precípua de tornar equânime a jurisprudência local, de modo que, dentro do possível, as decisões contemplem adequada proporcionalidade. Desse modo, sobretudo no que diz respeito às diferentes realidades municipais, devem ser observados parâmetros objetivos tais como o cargo posto em disputa, a dimensão do eleitorado do município em que ocorreu o ilícito, os valores envolvidos na ilicitude, a repercussão eleitoral da condenação.

Dito de outra maneira, não é possível manter a multa no patamar máximo (ainda que seja compreensível o proceder do magistrado de origem) porque, muito embora extremamente graves as condutas praticadas, a prova dos autos confere grandeza intermediária ao esquema de compra de votos levado a cabo pelo recorrente.

Assim, considerando que os patamares de sanção pecuniária para a infringência ao art. 41-A da Lei n. 9.504/97 são mil (mínimo) a cinquenta mil (máximo) UFIRs, bem como que LIRIO captou ilicitamente o voto de cerca de 15 pessoas, de maneira comprovada e ao valor médio de R$ 100,00 em uma cidade de porte modesto (Constantina conta hoje com pouco mais de oito mil eleitores), entendo adequada e proporcional a fixação da pena pecuniária em 15.000 UFIRs, até mesmo porque não se trata de condenação reincidente.

Considero prequestionada toda a matéria invocada nos autos, a fim de facilitar o acesso à instância recursal, e declaro nulos, para todos os fins, os votos atribuídos ao recorrente, devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário por ser inaplicável à espécie o disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, tendo em vista o disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.611/19, a qual dispôs sobre os atos gerais do processo eleitoral para as eleições 2020. Saliento que o dispositivo objeto de confirmação pelo TSE no RO 603900-65.2018.6.05.0000, Rel. Min. Sergio Silveira Banhos, DJE de 26.11.2020, e como a cassação ora mantida decorre da prática de ilícito eleitoral, não é possível que os votos auferidos sejam considerados para a legenda partidária.

Por fim, considerada a gravidade dos fatos constantes na presente demanda, destaco a disponibilidade dos autos e a possibilidade de compartilhamento das peças que eles integram para o fim de instrução de procedimentos investigativos ou processos judiciais, assim desejando o Ministério Público ou partes interessadas.  

Diante do exposto, VOTO para dar provimento parcial ao recurso, reduzir a pena pecuniária para 15.000 UFIRs, convertidas para R$ 15.960,00, e manter a condenação e a cassação do diploma de LIRIO RIGON pela prática de captação ilícita de sufrágio nas eleições 2020, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Determino o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por força do art. 198, inc. II, al. “b”, da Resolução TSE n. 23.611/19, combinado com o art. 222 e art. 257, § 2º, ambos do Código Eleitoral.

Comunique-se, para cumprimento, o inteiro teor desta decisão ao Juízo da 146ª Zona Eleitoral, após o julgamento de embargos de declaração eventualmente opostos.