REl - 0600558-98.2020.6.21.0010 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/01/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo, e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pela magistrada a quo devido à constatação do descumprimento dos requisitos encartados nos arts. 35, § 6º, 38 e 53, inc. I, al. "g" e inc. II, al. "a", da Resolução TSE n. 23.607/19.

A sentença (ID 44840910) foi prolatada nos seguintes termos:

(...)

Conforme parecer  conclusivo, as falhas apontadas nos itens 1. e 2. do relatório de exame comprometem a regularidade das contas prestadas. Vejamos:

1. OMISSÃO DE RECEITAS E GASTOS ELEITORAIS (ART. 53 DA RESOLUÇÃO TSE N° 23.607/2019)

1.1. Existem despesas realizadas com combustíveis sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia.

(...)

Embora o gasto tenha sido comprovado, por meio dos registros nos extratos eletrônicos e da juntada de documento fiscal emitido para o candidato (ID 80002717), não resta esclarecido o motivo ensejador da despesa, já que não declarada a correspondente utilização de veículo.

Trata-se de irregularidade nas contas de campanha do candidato, que afeta a sua consistência e revela omissão de registro de receitas, geradora de potencial desaprovação das contas.

Em sede de manifestação, o candidato aduz ter feito utilização de recurso (veículo) próprio.

Apresentou comprovante de propriedade do veículo.

Ocorre que a receita estimada (veículo) utilizada na campanha não foi objeto de registro na prestação de contas, configurando omissão de registro de receita na presente prestação de contas.

Falha não retificada nas contas.

Inconsistência que afeta a regularidade do registro de receitas e gastos de campanha.
 2. ANÁLISE DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (ART. 53, DA RESOLUÇÃO TSE N° 23.607/2019): Há divergências entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela registrada nos extratos eletrônicos (art. 53, I, alínea "g" e II, alínea "a", da Resolução TSE nº 23.607/2019, conforme abaixo:

Identificação da conta bancária: 041 - BCO DO ESTADO DO RS S.A. (BANRISUL) / 586 / 00000000000601211500

Natureza da conta: DOAÇÕES PARA CAMPANHA

Percentual compatibilizado: 62,5000

Movimentação financeira não compatibilizada:

Receita não declarada (R$ 205,40).

Informação (Nota Explicativa nº 80002725) de que a receita é oriunda de recursos FEFC e fora repassada pelo candidato a Prefeito Edson J. Lawall, como identificado nos extratos eletrônicos.

Repasse indevido, decorrente de equívoco, do candidato doador, conforme alegado em nota explicativa pelo candidato.

Devolução operada por meio de operação bancária sem identificação da contraparte. Operações de cheque por caixa (R$ 83,40 e R$ 122,00) que não permitem aferir com segurança a devolução da quantia ao candidato doador.

Irregularidade na forma de devolução.

Devolução não rastreável pelas informações dos extratos bancários e eletrônicos.

Apresentação dos cheques( nºos 000001 e 000003) pretensamente utilizados para devolução, nominais ao fornecedor GRÁFICA FAZENDO ARTE e/ou ELEIÇÃO 2020 EDSON J. LAWALL.

Procedimento que afeta a consistência das contas, pois não confere segurança na verificação da devolução do importe.

Em sede de manifestação, o candidato reitera ter sido recebida a quantia por lapso do candidato doador.

Reitera que efetuado o repasse à conta FEFC do candidato doador.

Efetivamente, pela análise dos extratos da conta FEFC do candidato doador EDSON JOEL LAWALL identifica-se receita oriunda do CPF n. 715.032.500-91 (OSNILDO RODRIGUES DA CRUZ) no importe total de R$ 205,40 (ocorrido em 30/10/2020).

Assim, entendo que a irregularidade merece ser mantida nas contas; contudo, sem ensejar o recolhimento ao Tesouro Nacional, por ter sido possível verificar, ainda que de modo precário, a devolução do valor recebido na conta FEFC do candidato doador (devolvido por meio de depósito identificado com o CPF do candidato nº 715.032.500-91).

Assim, smj, este examinador entende pela configuração de falha nas contas, pelos seguintes motivos, que ora resumo:

1. trata-se de falha envolvendo recurso de origem pública, oriundo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o que, por si só, implicaria maior cautela e zelo quanto à sua utilização/devolução;

2. o valor foi recebido em conta de ‘outros recursos’, misturando recursos de ordem privada e pública;

3. ao candidato recebedor da quantia restava a possibilidade de transferi-la diretamente para a conta do doador, por meio de transferência bancária entre contas (tornando a devolução mais transparente e condizente com as normas eleitorais de arrecadação e gastos).

Observa-se que, até o momento, não houve comunicação de indício de irregularidade pelo Ministério Público Eleitoral à autoridade judicial, nos termos do art. 91 da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Destaca-se que a análise técnica das contas está adstrita às informações declaradas pelo prestador de contas e à movimentação financeira apurada nos extratos bancários vinculados à campanha eleitoral, não se esgotando a possibilidade de surgirem informações, a qualquer momento, por conta da fiscalização ou investigação de outras esferas do poder público.

[...]

As falhas apontadas nos itens 1. e 2. comprometem a regularidade das contas apresentadas e sua consistência.

Para fins do art. 72 da Resolução TSE 23.607/2019, antes da emissão deste Parecer Conclusivo, foi dada oportunidade específica de manifestação ao prestador de contas, para a juntada de documentos e esclarecimentos sobre as irregularidades apontadas no Relatório de Exame de Contas. Nestes termos, certifico que não há fatos novos neste Parecer Conclusivo.

Ao final, considerando o resultado dos exames técnicos empreendidos na prestação de contas, recomenda-se a desaprovação das contas.

Outrossim, o Ministério Público Eleitoral também manifestou-se pela desaprovação das contas prestadas, porquanto as falhas apontadas comprometem a sua regularidade.

Pelo exposto, JULGO DESAPROVADAS as contas prestadas por OSNILDO RODRIGUES DA CRUZ quanto à arrecadação e à aplicação de recursos financeiros na eleição municipal de 2020.

 

Em relação ao primeiro fato, o prestador das contas reconhece não ter declarado a cessão do direito de uso do veículo de sua propriedade (Chevrolet/Prisma, placa IWK1571) para a campanha eleitoral. Assim agindo, violou o art. 60, §§ 4º e 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Art. 60.

(…).

§ 4º Ficam dispensadas de comprovação na prestação de contas:

(…) III - a cessão de automóvel de propriedade do candidato, do cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha.

§ 5º A dispensa de comprovação prevista no § 4º não afasta a obrigatoriedade de serem registrados na prestação de contas os valores das operações constantes dos incisos I a III do referido parágrafo.

 

O recorrente sustenta que utilizou veículo próprio para fazer a campanha eleitoral (acosta documentação de propriedade CRLV) e que as notas fiscais de uso de combustíveis, além de identificarem o CNPJ do candidato, comprovam que o abastecimento ocorreu em relação ao referido veículo. Ressalta, ainda, o entendimento dos tribunais de que a falta da emissão de recibos eleitorais em decorrência da utilização de veículo próprio (receita estimável em dinheiro) não justifica, de per si, a rejeição das contas quando a quantidade de combustível é razoável e não há indício de má-fé.

Note-se, contudo, os termos do art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(…)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

 

Assim, não foi declarada a receita estimável (cessão do direito de uso dos veículos) e houve gastos com combustível na ordem de R$ 100,00 (constam três notas fiscais de utilização de combustíveis contra o CNPJ do candidato), o que viola as normativas acima transcritas. É dever do candidato fazer constar, na prestação de contas, a utilização de veículo próprio, sob a rubrica Recursos Próprios – Estimável Em Dinheiro, sendo que a falta dessa informação caracteriza omissão de receita estimável.

Sem razão o recorrente neste ponto.

Com relação ao segundo fato, consta que houve doação eleitoral de R$ 205,40 realizada pelo candidato a prefeito Edson Joel Lawall na conta bancária (041 - BCO DO ESTADO DO RS S.A. (BANRISUL) / 586 / 00000000000601211500), que pertence ao prestador.

Embora o indício de trânsito indevido de recursos do FEFC em conta bancária imprópria, tenho que o tema restou devidamente esclarecido. Observe-se que no Parecer Conclusivo (ID 44840906) constou que:

Receita não declarada (R$ 205,40).

Informação (Nota Explicativa nº 80002725) de que a receita é oriunda de recursos FEFC e fora repassada pelo candidato a Prefeito Edson J. Lawall, como identificado nos extratos eletrônicos.

Repasse indevido, decorrente de equívoco, do candidato doador, conforme alegado em nota explicativa pelo candidato.

Devolução operada por meio de operação bancária sem identificação da contraparte. Operações de cheque por caixa (R$ 83,40 e R$ 122,00) que não permitem aferir com segurança a devolução da quantia ao candidato doador.

Irregularidade na forma de devolução.

Devolução não rastreável pelas informações dos extratos bancários e eletrônicos.

Apresentação dos cheques( nºos 000001 e 000003) pretensamente utilizados para devolução, nominais ao fornecedor GRÁFICA FAZENDO ARTE e/ou ELEIÇÃO 2020 EDSON J. LAWALL.

Procedimento que afeta a consistência das contas, pois não confere segurança na verificação da devolução do importe.

Em sede de manifestação, o candidato reitera ter sido recebida a quantia por lapso do candidato doador.

Reitera que efetuado o repasse à conta FEFC do candidato doador.

Efetivamente, pela análise dos extratos da conta FEFC do candidato doador EDSON JOEL LAWALL identifica-se receita oriunda do CPF n. 715.032.500-91 (OSNILDO RODRIGUES DA CRUZ) no importe total de R$ 205,40 (ocorrido em 30.10.2020).

Assim, entendo que a irregularidade merece ser mantida nas contas; contudo, sem ensejar o recolhimento ao Tesouro Nacional, por ter sido possível verificar, ainda que de modo precário, a devolução do valor recebido na conta FEFC do candidato doador (devolvido por meio de depósito identificado com o CPF do candidato nº 715.032.500-91).

Assim, smj, este examinador entende pela configuração de falha nas contas, pelos seguintes motivos, que ora resumo:

1. trata-se de falha envolvendo recurso de origem pública, oriundo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o que, por si só, implicaria maior cautela e zelo quanto à sua utilização/devolução;

2. o valor foi recebido em conta de ‘outros recursos’, misturando recursos de ordem privada e pública;

3. ao candidato recebedor da quantia restava a possibilidade de transferi-la diretamente para a conta do doador, por meio de transferência bancária entre contas (tornando a devolução mais transparente e condizente com as normas eleitorais de arrecadação e gastos).

 

Sobre o tema, assim se manifestou o Ilustre Procurador Regional Eleitoral (ID 44878851):

Intimado, o prestador esclareceu que recebeu, indevidamente, na conta “Outros Recursos”, recursos oriundos da conta FEFC do candidato a prefeito ELEIÇÕES 2020 – EDSON JOEL LAWALL FEFC, totalizando R$ 205,40 (duzentos e cinco reais e quarenta centavos), salientando que, assim que foi constatado o equívoco, o referido valor fora devolvido integralmente, através de dois cheques, um de R$ 83,40 e outro de R$ 122,00 (ID 44840904, fls. 2 e 3 do PDF).

Apesar da movimentação irregular dos recursos do FEFC, o certo é que a própria unidade técnica reconhece que exatamente os valores que foram sacados da conta do prestador para devolução ao doador foram depositados na conta deste. Veja-se o seguinte trecho do parecer técnico, in verbis (grifos no original):

Efetivamente, pela análise dos extratos da conta FEFC do candidato doador EDSON JOEL LAWALL identifica-se receita oriunda do CPF n. 715.032.500-91 (OSNILDO RODRIGUES DA CRUZ) no importe total de R$ 205,40 (ocorrido em 30/10/2020). Assim, entendo que a irregularidade merece ser mantida nas contas; contudo, sem ensejar o recolhimento ao Tesouro Nacional, por ter sido possível verificar, ainda que de modo precário, a devolução do valor recebido na conta FEFC do candidato doador (devolvido por meio de depósito identificado com o CPF do candidato nº 715.032.500-91).

 

 

Neste ponto assiste razão ao recorrente, visto que esclarecido o equívoco e efetuada a devolução da quantia, caracterizando-se a irregularidade, modo individual, insuficiente a macular as contas.

Ao fim, consta que o prestador devolveu os recursos do FEFC por meio de cheques nominais n. 000001 e 000003, não cruzados (ID 44840915-p.05), em flagrante irregularidade na forma de devolução, contrariando o que determina o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ocorre que os referidos cheques já estavam preenchidos nominais à gráfica antes da data do recebimento das verbas do FEFC (vide a data dos cheques), aguardando apenas o aporte dos recursos na conta. Realizado o depósito na conta do candidato, verificou-se o equívoco no recebimento de valores do FEFC na conta “Outros Recursos”, razão pela qual o prestador os devolveu por meio dos mesmos cheques, tornando-os nominais a ELEIÇÕES 2020 – EDSON JOEL LAWALL FEFC.

A fim de viabilizar os pagamentos à gráfica, o candidato depositou o valor em dinheiro (09.11.20) e emitiu os cheques de n. 000004 e 000005, devidamente compensados e constando a contraparte no DivulgaCandContas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/86088/210000765328/extratos, acesso em 15.12.2021).

Pelo que se percebe, a irregularidade ocorreu quando da devolução dos recursos do FEFC ao candidato doador, pois os dois cheques foram sacados por caixa, emitidos para o fornecedor GRÁFICA FAZENDO ARTE e depois nominais a ELEIÇÕES 2020 – EDSON JOEL LAWALL FEFC, confeccionados sem a identificação da contraparte, o que não permite aferir com segurança a devolução da quantia ao candidato doador.

Nesse sentido, na sessão do dia 06.7.2021, esta Corte assim decidiu sobre a matéria:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(REl 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator designado: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes)

 

Em análise do caso concreto, as palavras do douto Procurador Regional Eleitoral (ID 44878851):

Em que pese a emissão do cheque não cruzado e o saque na boca do caixa, excepcionalmente, no presente caso, é de se entender que efetivamente houve a devolução à conta de origem dos recursos do FEFC depositados indevidamente, como reconhecido na sentença, permitindo, contudo, apenas a aprovação com ressalvas, vez que não adotada a forma prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/2019

 

Ademais, conforme consta, a irregularidade (R$100,00 + R$205,40 = R$305,40) representa 100% das receitas declaradas (R$ 305,40) o que, em princípio, levaria à desaprovação das contas.

Contudo, tenho que, apesar de o percentual ser significativo frente ao somatório arrecadado, o valor absoluto (R$ 305,40) é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.06.19:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado sobre o tema:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.9.2017.) (Grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, tenho ser possível a aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Tal conclusão, cabe ressaltar, não afastaria o dever de recolhimento ao erário, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, mas, em respeito ao princípio da non reformatio in pejus, neste caso, não se aplica o recolhimento ao erário, visto que não houve determinação para tal em sede de primeiro grau.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de OSNILDO RODRIGUES DA CRUZ.