REl - 0600724-25.2020.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/01/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pelo juízo a quo devido ao pagamento de despesa com valores que não transitaram pela conta de campanha, restando configurada a utilização de recursos de origem não identificada.

A sentença (ID 44725533) foi prolatada sob os seguintes fundamentos:

O presente feito trata da prestação de contas de Claudiana Aparecida Muller, candidata a Vereadora do Município de Santo Ângelo, pelo Partido Comunista do Brasil – PCdoB.

O parecer técnico apontou que: 1) mesmo após solicitado, o prestador de contas não apresentou peças e documentos na prestação de contas final, sendo que a análise foi efetuada através dos extratos eletrônicos e das peças que foram apresentadas.

(...)

No item 3, a examinadora apontou que houve divergências entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela aferida nos extratos eletrônicos. O valor de R$ 200,00, segundo o relatório, refere-se a devolução de cheque. O prestador informou que a despesa paga com este cheque não foi concluída, porém não apresentou documentação comprobatória desta afirmação.

Sobre a questão de cheque devolvido, sem comprovação do pagamento da despesa, temos o seguinte entendimento:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2016. CANDIDATO. VEREADOR. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DÍVIDA DE CAMPANHA. EMISSÃO DE CHEQUES SEM FUNDOS. AUSÊNCIA DE ASSUNÇÃO DE DÍVIDA DE CAMPANHA PELO ÓRGÃO NACIONAL DE DIREÇÃO PARTIDÁRIA. INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Manutenção da sentença de desaprovação das contas de campanha em razão da emissão de cheques sem provisão de fundos. Inobservância do preceito da transparência que deve nortear tanto a gestão de recursos na campanha quanto a elaboração final das contas, em prejuízo à atuação fiscalizatória da Justiça Eleitoral.

2. É inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade quando a irregularidade identificada compromete a transparência das contas apresentadas e corresponde a valor elevado, relevante e significativo no contexto da campanha.

3. Hipótese em que as irregularidades detectadas atingiram valor correspondente a mais de 50% dos recursos empregados na campanha eleitoral.

4. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n 34820, ACÓRDÃO de 23/05/2018, Relator(aqwe) LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 90, Data 25/05/2018, Página 7)

 O pagamento de despesas com recursos que não transitaram na conta- corrente de campanha, são irregularidades consideradas insanáveis, deixam de traduzir confiabilidade nas informações prestadas, razão pela qual, neste apontamento, ensejam a desaprovação das contas e recolhimento do valor que não transitou na conta bancária, de R$ 200,00.

 Com efeito, nos termos do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/2019, quando verificadas falhas que comprometam a regularidade das contas, a sua desaprovação é medida que se impõe.

 Isso posto, julgo DESAPROVADAS as contas da candidata CLAUDIANA APARECIDA MULLER, relativas às eleições municipais de 2020, nos termos do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/2019 ante os fundamentos declinados. Determino ainda, o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 200,00, como recursos de origem não identificada, conforme art. 32, VI da Resolução TSE n. 23.607/2019, no prazo de até 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, conforme art. 32, IV, §§ 2º e 3º da referida Resolução.

 

É fato inconteste a existência do cheque n. 850.001, do Banco do Brasil, conta n. 65.225-3, ag. 0138-4, no valor de R$ 200,00, que foi emitido pela candidata em benefício da Sra. Cristiani Bittencourt Ferreira, prestadora de serviços de cabo eleitoral, não apenas porque houve tentativa de desconto, o qual pode ser verificado no extrato bancário, como também porque a recorrente confessa em suas razões de recurso, verbis: “(...) Quanto a irregularidade, Cheque sem fundos nº 850.001, do Banco do Brasil, conta nº 65.225-3, ag. 0138-4, no valor de R$ 200,00, dado em pagamento de parte da prestação de serviço de cabo eleitoral, fora juntado no sistema - Evento 89515837 a 89515841.” (ID 44725633)

Sustenta que o mencionado cheque fora emitido a título de parte do pagamento do serviço de cabo eleitoral, o qual foi frustrado em razão de o cheque ter sido devolvido sem fundos. Assim, as partes optaram pelo distrato do contrato de prestação de serviços de militância (documentos anexados).

Entretanto, os documentos apresentados não comprovam o alegado, com várias inconsistências em relação ao objeto e valor contratados, nas palavras do douto Procurador Regional Eleitoral (ID 44877657):

Apesar da juntada da aludida documentação, a mesma não se presta a sanar a irregularidade, vez que os documentos trazem inconsistências, tais como o contrato mencionar que o objeto do serviço seria de “Contador”, “para desempenhar o(s) serviço(s) de Cadastro no Candex, preenchimento de RAC, lançamentos de despesas ...”, enquanto o distrato refere que estaria sendo desfeito o contrato de prestação de serviços de “Cabo Eleitoral”, “para desempenhar o(s) serviço(s) de distribuição de material de campanha e de militância em geral”. Além disso, o valor do contrato (R$ 500,00) é superior ao valor do cheque (R$ 200,00).

 

Note-se que houve tentativa de desconto do cheque no valor de R$ 200,00, emitido a partir de conta bancária de campanha, porém, sem sucesso, sendo a despesa paga com numerário que não transitou pela conta da campanha, caracterizando recurso de origem não identificada, nos termos do art. 32, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, mostrando-se cabível a determinação de recolhimento do valor equivalente ao Tesouro Nacional.

Tendo havido tentativa de desconto do cheque no valor de R$ 200,00, emitido a partir da conta bancária de campanha (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88536/210001139680/extratos), resta caracterizada a existência de gastos não declarados.

Diante da vedação de utilização de valores que não tenham transitado pela conta bancária, impõe-se o dever de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, consoante o art. 21, §§ 3º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

[...]

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

 

Note-se que a falha totaliza o valor de R$ 200,00 e representa 99,82% da receita (financeira e estimável) de R$ 200,35 declarada pela prestadora.

Contudo, tenho que, apesar de o percentual ser significativo frente ao somatório arrecadado, o valor absoluto (R$ 200,00) é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.06.19:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado sobre o tema:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (Grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.9.2017.) (Grifo nosso)

 

 

Por derradeiro, como a recorrente não demonstra irresignação específica quanto ao valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional e postula a aprovação das contas com ressalvas, impõe-se o provimento do recurso.

Com essas considerações, VOTO pelo provimento do recurso, ao efeito de aprovar as contas com ressalvas, mantendo a determinação do recolhimento de R$ 200,00 ao Tesouro Nacional.