REl - 0600517-68.2020.6.21.0031 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/01/2022 às 14:00

VOTO

De acordo com a sentença, as contas foram desaprovadas devido a diversas irregularidades na movimentação financeira, assim sintetizadas:

1. Existência de saldo na conta FEFC no valor de R$ 10,00, o qual deve ser repassado ao Tesouro Nacional, na forma do art. 52 da Resolução TSE n. 23.607/19;

2. Omissão de receitas e despesas referentes a notas fiscais não declaradas, no total de R$ 10.608,36;

3. Recebimento de recursos de origem não identificada:

3.1. por meio de depósito bancário, em espécie, de R$ 2.500,00, em valor superior a 1.064,10, efetuado na conta destinada aos recursos do FEFC, com indicação do CPF do candidato a prefeito como doador;

3.2. por intermédio de três cheques que foram apresentados para compensação e devolvidos por ausência de fundos, os quais totalizam R$ 820,00, sem esclarecimento sobre a origem dos recursos utilizados para a quitação das despesas, caracterizando-as como quitadas com recursos de origem não identificada;

4. Irregularidades na aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha:

4.1. aplicação de R$ 75,36 de recursos do FEFC para quitação de despesas decorrentes de inadimplência, em afronta ao previsto no art. 37 da Resolução TSE n. 23.607/19;

4.2. falta de comprovação de despesas quitadas com recursos oriundos do FEFC no valor de R$ 2.596,82;

4.3. irregularidades na utilização de recursos do FEFC para quitação das seguintes despesas com combustíveis, no total de R$ 1.023,98 (R$ 329,96 + R$ 694,02), cujo montante deve ser recolhido ao Tesouro Nacional:

4.3.1 (considerado sanado);

4.3.2. não foi apresentado o cupom fiscal dos abastecimentos realizados, os quais totalizam R$ 130,00;

4.3.3. não foi apresentado o cupom fiscal de parte dos abastecimentos realizados, cuja omissão é de R$ 99,96;

4.3.4 (considerado sanado);

4.3.5 (considerado sanado);

4.3.6 (considerado sanado);

4.3.7. foram realizados dois abastecimentos no dia 03.11.2020, nos valores de R$ 154,02 e de R$ 20,00, com apenas dois minutos de diferença, cuja justificativa para abastecimento de um mesmo veículo, em horários tão próximos,  não foi apresentada;

4.3.8. foram realizados seis abastecimentos no dia 14.11.2020, que totalizaram R$ 310,00, os quais ocorreram com 4 minutos de diferença.

4.3.9. foram realizados 4 abastecimentos no dia 14.11.2020, que totalizaram R$ 210,00, todos entre 8h23min e 11h14min;

4.3.10. não foi apresentado o cupom fiscal de parte dos abastecimentos efetuados, cuja omissão é de R$ 100,00;

4.4. utilização de R$ 9.480,00 procedentes do FEFC para quitação de despesas com pessoal, cujos gastos não foram detalhados com a identificação integral dos locais de trabalho, das horas trabalhadas e da justificativa do preço contratado, bem como os cheques não foram emitidos na forma nominal e cruzada;

5. Omissão de despesas e de dados na movimentação financeira registrada nos extratos bancários, os quais totalizam R$ 675,00, que caracterizam recursos de origem não identificada para a quitação dos gastos, impondo-se o recolhimento do respectivo valor ao Tesouro Nacional:

5.1. as seguintes despesas quitadas com recursos oriundos da conta de Outros Recursos do candidato a prefeito não foram registradas na contabilidade, as quais totalizam R$ 675,00:

5.1.1. despesa correspondente ao cheque n. 850004, no valor de R$ 330,00, compensado no dia 01.12.2020, sem informação de contraparte no extrato eletrônico;

5.1.2. despesa correspondente ao cheque n. 850005, no valor de R$ 310,00, compensado em 03.12.2020, tendo como contraparte Evandro Cezar Andrighetto;

5.1.3. despesa correspondente à tarifa de fornecimento de cheques, no valor de R$ 35,00, debitada na conta no dia 30.10.2020.

5.2. as seguintes despesas, quitadas com recursos oriundos da conta para movimentação do FEFC, não foram registradas nas contas, as quais já se encontram elencadas nos itens 4.2.2 e 4.2.3 e totalizam R$ 2.584,00;

5.2.1 R$ 2.504,00 correspondentes ao cheque n. 850048, compensado em 18.12.2020, com a informação de contraparte no extrato eletrônico como “Empresa Jornalística Ibiá Ltda, CNPJ n. 06.038.143/0001-79”, cuja despesa não está registrada nas contas;

5.2.2. R$ 80,00 (oitenta reais) correspondentes ao cheque n. 850064, compensado em 22.12.2020, sem informação de contraparte no extrato eletrônico, cuja despesa não está registrada nas contas.

A decisão combatida ainda determinou aos recorrentes o recolhimento do valor equivalente às irregularidades, no montante de R$ 18.299,52, ao Tesouro Nacional, nos seguintes termos:

Dessa forma, face as irregularidades constatadas nas contas, as quais totalizam R$ 18.299,52 (dezoito mil duzentos e noventa e nove reais e cinquenta e dois centavos) e que perfazem 22,6% do total de recursos recebidos, sua desaprovação é medida que se impõe. Ainda, determina-se o recolhimento ao Tesouro Nacional do respectivo valor caracterizado como de origem não identificada ou de aplicação irregular ou não comprovada do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, que como citado alhures, totaliza R$ 18.299,52 (dezoito mil duzentos e noventa e nove reais e cinquenta e dois centavos), a seguir discriminado:

a) R$ 10.608,36 (dez mil seiscentos e oito reais e trinta e seis centavos) atinentes a gastos não registrados nas contas e cujos recursos para quitação não foram esclarecidas pelos prestadores (item 2 desta fundamentação);

b) R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) caracterizados como de origem não identificada, ante a realização de depósito bancário de valor superior ao limite permitido (item 3.1 desta fundamentação);

c) R$ 820,00 (oitocentos e vinte reais) de cheques devolvidos, caracterizados como de origem não identificada (item 3.2 desta fundamentação);

d) R$ 75,36 (setenta e cinco reais e trinta e seis centavos) de recursos do FEFC utilizados para quitação de encargos decorrentes de inadimplência de pagamentos (item 4.1 desta fundamentação);

e) R$ 2.596,82 (dois mil quinhentos e noventa e seis reais e oitenta e dois centavos) de gastos com recursos do FEFC sem registro nas contas e/ou comprovação (item 4.2 desta fundamentação);

f) R$ 329,96 (trezentos e vinte e nove reais e noventa e seis centavos) de gastos com combustível sem comprovação;

g) R$ 694,02 (seiscentos e noventa e quatro reais e dois centavos) de despesas com combustível cuja periodicidade não foram justificadas;

h) R$ 675,00 (seiscentos e setenta e cinco reais) de gastos com recursos oriundos de outros recursos sem registro nas contas.

III - DISPOSITIVO:

Ante o exposto, julgo DESAPROVADAS as contas acerca dos recursos arrecadados e aplicados nas eleições municipais de 2020, apresentadas por PERCIVAL SOUZA DE OLIVEIRA e ADEMIR FACHINI, candidatos a prefeito e vice-prefeito, respectivamente, de Montenegro-RS, forte no artigo 74, inciso III, da Resolução TSE n. 23.607/2019, cominando aos candidatos o recolhimento de R$ 18.299,52 (dezoito mil duzentos e noventa e nove reais e cinquenta e dois centavos).

 

As razões recursais apresentam impugnação contra a sentença somente quanto aos seguintes itens: 2. Omissão de receitas e despesas, referentes a notas fiscais não declaradas, no total de R$ 10.608,36; 3.1. Recebimento de recursos de origem não identificada por meio de depósito bancário em espécie em valor superior a 1.064,10 (R$ 2.500,00), na conta destinada aos recursos do FEFC, com indicação do CPF do candidato a prefeito como doador; e 3.2. emissão de três cheques que foram apresentados para compensação e devolvidos por ausência de fundos, os quais totalizam R$ 820,00, sem esclarecimento sobre a origem dos recursos utilizados para a quitação das despesas, caracterizando-as como quitadas com recursos de origem não identificada.

Os demais pontos da sentença não foram objeto do recurso interposto.

 

Passo ao exame das razões de reforma:

2. Omissão de receitas e despesas, referentes a notas fiscais não declaradas, na forma da tabela abaixo:

 

 

Como se verifica, as despesas omitidas referem-se à despesa de R$ 9.471,00 com a Gráfica Lajeadense LTDA., e as demais são relativas a gastos com combustíveis.

Os recorrentes alegam que o gasto com a gráfica não é irregular, pois “o pagamento não havia sido realizado dentro do prazo para apresentação da prestação de contas, logo, não há omissão quanto à despesa, sendo que a nota é específica da prestação de serviço da gráfica”.

Ocorre que a sentença apontou a irregularidade porque a despesa sequer foi registrada nas contas, “a qual deveria ter sido relacionada como dívida de campanha, conforme previsão contida nos §§ 3º e seguintes do artigo 33, bem como no artigo 34, ambos da Res. TSE n. 23.607/2019”.

Os recorrentes sequer declararam o gasto e não esclareceram a origem dos recursos utilizados para o adimplemento. Nesse ponto, o caput do art. 33 da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao limitar a arrecadação de recursos e contratação de obrigações até o dia da eleição. O § 2º do dispositivo também é claro ao prever que eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei n. 9.504/97, art. 29, § 3º; e Código Civil, art. 299).

Desse modo, é manifesto o descumprimento das normais legais.

Quanto aos gastos com combustíveis, os recorrentes afirmam que “a legislação eleitoral não prevê especificidade quanto à forma de pagamento, o qual deve ser feito ou não diretamente ao posto de combustível ou ao prestador de serviço (recibos anexos a prestação de contas)”, e requerem a reforma da sentença, “posto que não compete ao Judiciário legislar sobre tal tema. Além do que, todos os contratos com os prestadores de serviços foram apresentados ao juízo para análise”.

Entretanto, a decisão apontou que os prestadores não lograram êxito em comprovar, mediante a apresentação dos cupons fiscais e respectivos recibos de ressarcimento aos motoristas, a efetiva vinculação entre os repasses e os abastecimentos não registrados nas contas.

Ademais, diversamente do que defende o recurso interposto, o art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao determinar que “a comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço”.

Desse modo, as razões são insuficientes para alterar a conclusão de ausência de contabilização das despesas realizadas, devendo ser mantido o entendimento de que os gastos foram quitados com recursos de origem não identificada, razão pela qual o valor correspondente deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, na forma do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

3.1. Recebimento de recursos de origem não identificada por meio de depósito bancário em espécie, em valor superior a 1.064,10 (R$ 2.500,00), na conta destinada aos recursos do FEFC, com indicação do CPF do candidato a prefeito como doador.

Quanto à segunda irregularidade objeto do recurso, cumpre referir que a Procuradoria Regional Eleitoral aponta “que houve erro material na sentença quando refere que o depósito em dinheiro no dia 17.12.2020 seria no valor de R$ 2.500,00. Isso porque, no extrato da conta FEFC acostado no ID 41806183, o depósito em dinheiro na referida data seria no importe de R$ 2.950,00, mesmo valor que se verifica no Divulgacandcontas”.

Segundo o Parquet, “Em se tratando de erro material, não há que se falar em aplicação do princípio da non reformatio in pejus”.

Entretanto, a majoração do valor a ser recolhido resultaria em inegável reformatio in pejus, tendo em vista que apenas os candidatos recorreram, devendo ser mantida a integralidade da sentença também em relação ao valor considerado irregular.

Isso porque o equívoco apontado pelo órgão ministerial não se trata de mero erro material, uma vez que o erro existente na sentença só é perceptível mediante a confrontação da decisão com os extratos bancários contidos nos autos e na internet.

Examinada apenas a sentença, não é possível verificar o erro de cálculo ou erro material que possa ser corrigido de ofício. Veja-se a decisão nesse ponto:

3. Recursos de origem não identificada:

3.1. Os candidatos receberam, no dia 17/12/2020, um depósito de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) em espécie na conta bancária n. 66.546-9, utilizada para a movimentação financeira com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, ocasião em que foi informado o CPF do candidato a prefeito como origem do recurso.

 

Idêntica questão foi enfrentada recentemente por esta Corte na sessão de 17.11.2021, nos autos do REl n. 0600781-20, da lavra do Desembargador Francisco Moesch, cuja ementa merece ser transcrita:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS ELEITOS. CARGOS DE PREFEITO E VICE-PREFEITA. DESAPROVAÇÃO. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS NA FASE RECURSAL. DESPESAS COM COMBUSTÍVEL DE VEÍCULO AUTOMOTOR USADO PELO CANDIDATO NA CAMPANHA. NÃO COMPROVADAS DESPESAS PAGAS COM O FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CABO ELEITORAL. MANTIDO O VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. BAIXO PERCENTUAL DAS IRREGULARIDADES. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

4. Inconsistências em despesas pagas com o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Apresentados documentos declaratórios acerca de contratações para prestação de serviços de cabo eleitoral. Diante da suspeita sobre as provas da contratação, tem-se que os candidatos não lograram êxito em comprovar adequadamente a utilização de parcela dos valores oriundos do FEFC. Mantido o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, uma vez que apenas os candidatos recorreram e sua majoração resultaria em reformatio in pejus.

(...)

6. Parcial provimento.

 

Portanto, o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral não merece acolhida nesse ponto.

No recurso, os prestadores alegam que o valor foi, por equívoco, depositado na conta FEFC e que é procedente de recursos próprios do candidato Percival Souza de Oliveira.

Entretanto, a procedência do valor, depositado em espécie, não foi comprovada, e o recurso depositado viola o § 1º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19: “As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal”.

Nessas circunstâncias, a sentença merece ser mantida, devendo o valor considerado na decisão ser recolhido ao erário por caracterizar recurso de origem não identificada.

3.2. Emissão de três cheques que foram apresentados para compensação e devolvidos por ausência de fundos, os quais totalizam R$ 820,00, sem esclarecimento sobre a origem dos recursos utilizados para a quitação das despesas, caracterizando-as como quitadas com recursos de origem não identificada

 

A última irregularidade objeto do recurso consiste em cheques sem provisão de fundo, mas, quanto à questão, as razões, de modo singelo, mencionam que "haviam despesas a serem quitadas, para as quais foram emitidos cheques da respectiva conta” e que “não poderia o candidato deixar de quitá-las, no mesmo sentido, quanto aos cheques sem provisão de fundos, estes também foram emitidos pela mesma conta”.

Como se verifica, as justificativas não têm o condão de afastar a falha, sendo certo que as considerações já assentadas sobre a inobservância das regras aplicáveis às dívidas de campanha também se verificam nesse ponto.

As falhas constatadas nas contas impedem a rastreabilidade dos recursos, são graves e insanáveis, impossibilitam o controle da movimentação financeira pela Justiça Eleitoral, comprometem de modo impactante a confiabilidade e a transparências das contas, acentuando-se o prejuízo em virtude da falta de esclarecimento sobre a origem dos recursos.

Assim, torna-se inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para a aprovação, ainda que com ressalvas.

Com essas considerações, concluo pelo desprovimento do recurso.

Diante do exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento de R$ 18.299,52 ao Tesouro Nacional.