REl - 0600324-11.2020.6.21.0142 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/01/2022 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal 

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença proferida pelo Juízo Eleitoral da 142ª Zona que desaprovou as contas dos ora recorrentes e determinou-lhes o recolhimento de R$ 8.714,12 ao Tesouro Nacional, em face das seguintes irregularidades: a) recebimento de recursos de fonte vedada; e b) irregularidades no recebimento e no uso da verba recebida do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

Passo à análise dos apontamentos e dos respectivos argumentos deduzidos no recurso.

 

a) Recebimento de Recursos de Fonte Vedada

O órgão técnico de contas (ID 34686883), na instância de origem, detectou que os candidatos receberam três doações, caracterizadas como fonte vedada, no valor total de R$ 1.123,25, oriundas de repasses do partido político e advindas, originariamente, de autoridades públicas, assim consideradas as pessoas que exerciam, à época, cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta.

Em suas razões, a fim de justificar a legalidade das doações, os recorrentes argumentam que os valores foram direcionados para a Conta “Doações para Campanha” do partido político. Alegam que as doações, mesmo que realizadas fora do processo eleitoral, comportam natureza eleitoral e podem ser destinadas aos candidatos da agremiação. Sustentam que o art. 31 da Resolução TSE n. 23.607/19 não proíbe o recebimento de doações de detentores de cargos de chefia e direção na administração pública, bem como que o art. 5º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.604/17 é categórico ao estabelecer a natureza do recurso doado. Assim, entendem que não ocorreu o recebimento de recursos de fontes vedadas.

Adianto que as circunstâncias dos autos não permitem a superação da irregularidade.

Os recorrentes receberam doações repassadas pelo Partido Progressistas (PP), que identificou como doadores originários Dirce Mara Medeiros (Procuradora do Município), John Anderson Silva (Chefe de Seção de Informática) e Julio Cesar Muria Fagundes (Coord. Rec. Apreensão de Animais), todos ocupantes de cargos de direção, chefia ou assessoramento no Município de Hulha Negra e não filiados à agremiação partidária.

A fim de evitar tautologia, transcrevo parcialmente a sentença do Juízo da 142ª Zona Eleitoral, que examinou com acuidade a questão relativamente a cada uma das pessoas físicas doadoras:

[…].

Em relação à filiação partidária, em consulta ao Sistema Filia do TSE, este magistrado pode verificar que John Anderson e Julio Cesar foram incluídos oficialmente no banco de dados de filiação em 16.04.2020, embora as datas de filiação declaradas sejam anteriores à inclusão. Já Dirce Mara não consta no sistema Filia, portanto não é oficialmente filiada a partido político, conforme comprova a certidão de ID 76476131.

Por fim, o documento ID 76483508 comprova que Julio Cesar, John Anderson e Dirce Mara exerceram cargo de chefia/direção durante todo o ano de 2019. Da mesma forma a decisão juntada ID 76476125, confirmada em grau de recurso, comprova que os três também exerciam função no ano de 2018. Já em 2020, estando John e Julio Cesar filiados a partido político (data de inclusão no FILIA 16.04.2020), ainda que detentores de cargo de chefia/direção, poderiam fazer doação sem configurar fonte vedada, ao contrário de Dirce Mara que exerceu a função de Procuradora do Município de Hulha Negra em 2020 e não é filiada a partido político.

Assim, diante da fundamentação ora exposta, temos que os valores doados por John Anderson e Julio Cesar em abril, julho e dezembro de 2018, bem como em maio, julho, novembro e dezembro de 2019, constituem-se fontes vedadas, uma vez que foram realizados quando exerciam função de chefia/direção, não estavam filiados a partido político e ocorreram fora do período eleitoral, sendo regulares apenas os valores doados por eles, em novembro de 2018 (dentro do período eleitoral).

Diante disso, temos que:

- em relação à John Anderson, R$ 910,00 constituem-se recursos de fontes vedadas e apenas a doação de R$70,00, realizada dentro do período eleitoral (11/2018), está regular. Como a doação por ele realizada ao candidato, de forma indireta, via partido, foi de R$ 280,00, conclui-se que a doação de R$210,00 (R$ 280,00 - R$70,00) são irregulares, posto que oriundo de fonte vedada.

- em relação à Júlio Cesar, R$ 630,00 constituem-se recursos de fontes vedadas e apenas a doação de R$90,00, realizada dentro do período eleitoral (11/2018) está regular. Como a doação por ele realizada ao candidato, de forma indireta, via partido, foi de R$270,00, conclui-se que R$180,00 (R$270,00 - R$90,00) são irregulares, pois constitui fonte vedada.

Quanto aos valores doados por Dirce Mara, apenas aqueles efetuados em novembro de 2018, bem como em outubro e novembro de 2020 são considerados regulares, sendo os restantes oriundos de fonte vedada, uma vez que a contribuinte não está filiada a partido político, exerce função de chefia/direção e foi realizado fora do período eleitoral. Portanto, em relação à Dirce Mara, R$2.939,50 constituem-se recursos de fontes vedadas e as doações de R$350,00 (11/2018), R$450,00 (10/2020), R$ 450,00 (10/2020 ) e R$300,00 (11/2020), que totalizam R$1.550,00, realizadas dentro do período eleitoral, são consideradas regulares. Como a doação feita por ela, de forma indireta, via partido, foi de R$2.283,25, conclui-se que R$ 733,25 (R$ 2283,25 - R$ 1550,00) é irregular, oriundo de fonte vedada.

Concluindo: os candidatos receberam um total de R$1.123,25, via partido, indiretamente, de fontes vedadas, falha grave passível de desaprovação, bem como o recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional, nos termos do § 3º do art. 31 da Res. 23607/19.

[…].

 

Assim, verifica-se que o partido recebeu doações provenientes de contribuintes detentores de cargos demissíveis ad nutum sem estarem filiados ao partido, em afronta ao inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95, introduzido pela Lei n. 13.488/17, in verbis:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

 

Trata-se de receitas advindas de fontes vedadas de recursos ao partido político, na esteira da iterativa jurisprudência deste Tribunal Regional:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA. BAIXO PERCENTUAL. APLICADOS OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Doação proveniente de autoridade não filiada a partido político, configurando o recebimento de recurso oriundo de fonte vedada previsto no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, com a redação dada pela Lei n. 13.488/17, impondo o recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional.

2. Irregularidade que representa 2,83% dos recursos recebidos, circunstância que autoriza a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

3. Aprovação com ressalvas.

(Prestação de Contas n 060028098, ACÓRDÃO de 08.10.2020, Relator: DES. FEDERAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.) (Grifei.)

 

Além disso, registrou o parecer conclusivo que as referidas doações ocorridas ao órgão partidário no ano de 2018 foram consideradas como fontes vedadas pela Justiça Eleitoral, nos termos do art. 12, caput, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17, então vigente, quando da análise das contas do exercício financeiro do partido:

[…].

Em busca dos extratos bancários do PP (que seguem anexos), da conta anual - agência 1063 Conta 618468805 Do Banrisul dos anos de 2018, 2019 e 2020, verificou-se que as contribuições abaixo foram consideradas como "recebimento de recursos de fontes vedadas" no processo PC 16-58.2019.6.21.0142), decisão esta mantida pelo pleno (seguem anexas decisões de 1º e 2º graus).

[…].

 

Destaco a ementa do acórdão proferido no julgamento do recurso na prestação de contas anual do PP de Hulha Negra, relativa ao exercício de 2018:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2018. DESAPROVAÇÃO. NULIDADE DE SENTENÇA E CERCEAMENTO DE DEFESA. MATÉRIA PRELIMINAR AFASTADA. MÉRITO. DOAÇÕES ADVINDAS DE AUTORIDADES PÚBLICAS SEM FILIAÇÃO AO PARTIDO BENEFICIÁRIO. CONFIGURAÇÃO DE FONTE VEDADA. PERCENTUAL IRREGULAR ACIMA DE 35% DA RECEITA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MULTA. DESPROVIMENTO.

1. Matéria preliminar. 1.1. Nulidade da sentença por omissão quanto à ordem de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, conforme determina o art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Tese ministerial que encontra óbice intransponível nos princípios do tantum devolutum quantum appellatum e da non reformatio in pejus. 1.2. Cerceamento de defesa por impossibilidade de obtenção de relação de filiados. Alegação desprovida de qualquer demonstração. Prova documental contida nos autos - certidões extraídas do Sistema de Filiação Partidária - indicando que os referidos agentes públicos não se encontravam filiados ao partido. Ademais, operou-se a preclusão, nos termos do disposto no art. 38 da Resolução TSE n.23.546/17.

2. Recebimento de recursos oriundos de fonte vedada, uma vez que os doadores ostentavam a condição de autoridades públicas, nos termos do art. 12, caput, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

3. O elevado percentual da irregularidade, correspondente a 35,76% do total arrecadado, impede a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para mitigar a importância da falha sobre o conjunto das contas, na esteira da jurisprudência desta Corte.

4. A determinação de recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional é consequência específica do recebimento de recursos de fonte vedada, como deflui do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17, sendo inviável relativizar o imperativo legal com base no princípio da proporcionalidade. A multa fixada em 10% afigura-se razoável à natureza, ao montante absoluto e ao percentual da falha em relação à receita obtida pelo partido.

5. Provimento negado.

(TRE-RS; REl 16-58, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado em 22.9.2020.) (Grifei.)

 

Ressalto que parte das doações realizadas pelos doadores originários ao partido, nos anos de 2019 e 2020, também se enquadram como fontes vedadas, pois ocorreram fora do período eleitoral, os doadores não possuíam filiação partidária e, ao tempo das liberalidades, exerciam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário.

De fato, fora do período eleitoral, delimitado entre a data do início das convenções partidárias e a diplomação dos eleitos, estão vedadas as contribuições efetivadas por pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político, ainda que direcionadas à conta bancária de campanha do órgão partidário, como se verifica da ementa do acórdão por meio do qual esta Corte respondeu à Consulta n. 89-73:

Consulta. Art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral. Eleições 2016. Indagações propostas por diretório regional de partido político. Questionamentos acerca da caracterização de fonte vedada na arrecadação e doação para campanha eleitoral. Art. 31,II, da Lei n. 9.096/95 e art. 12, inc. XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14.

Atendimento do requisito legal de admissibilidade pertinente à legitimidade do consulente. Entretanto, com relação às perguntas, apenas a primeira comporta conhecimento e resposta.

Fora do período eleitoral, são consideradas oriundas de fontes vedadas as doações para as contas dos partidos, realizadas por detentores de cargos eletivos e ocupantes de cargos de chefia e direção na administração pública, uma vez que estão sujeitas às vedações do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15. Todavia, no interregno do período eleitoral, não são proibidas as doações para as contas dos partidos e dos candidatos, realizadas por detentores de cargos eletivos e ocupantes de cargos de chefia e direção na administração pública, desde que respeitadas as disposições atinentes às doações para campanhas eleitorais previstas na Resolução TSE n. 23.463/15. Conhecimento parcial.

(TRE-RS, Consulta n. 89-73, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgada na sessão de 06.7.2016.) (Grifei.)

 

Embora os recorrentes sustentem que o aludido precedente está defasado e que estaria amparado em dispositivos normativos não mais vigentes, a atual redação do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/97 manteve, quanto ao tema, a mesma inteligência então positivada na redação original do art. 31, inc. II, daquela Lei, regulamentado pelo art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15, ou seja, vedar o aparelhamento partidário da distribuição de cargos públicos a eventuais financiadores políticos e eleitorais.

Portanto, o montante em análise, quando transitado entre as contas do partido e do candidato, carregou consigo o vício da ilicitude. Em outras palavras, se a origem dos recursos partidários é decorrente de fonte vedada, sua transferência à conta de campanha não retirará tal vedação.

Nesse contexto, não há como admitir a tese veiculada em razões recursais de que os recursos foram direcionados para a conta “Doações para Campanha” do partido político e que, assim, tais doações, ainda que vertidas fora do período de campanha, são lícitas, uma vez que visavam ao futuro pleito.

No ponto, colho os fundamentos indicados no parecer exarado pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral, Dr. Fábio Nesi Venzon, os quais agrego às minhas razões de decidir:

[…].

Efetivamente, as doações para as contas dos partidos políticos realizadas fora do período eleitoral estão sujeitas às vedações da Lei 9.096/95 e respectivas Resoluções regulamentadoras das prestações de contas anuais dos partidos políticos, com bem observado pela decisão recorrida.

Com efeito, o argumento do recorrente no sentido de que as contribuições para o partido são regulares, ainda que efetuadas fora do período eleitoral, porque foram depositadas na conta “Doações para Campanha”, não se sustenta.

Isso porque os recursos arrecadados por partido político fora do período eleitoral são regulados pela resolução específica que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos, conforme entendimento emanado dessa Eg. Corte.

Ademais, de ver-se que o entendimento acima preconizado, para as Eleições Municipais 2020, encontra-se expressamente previsto no art. 1º, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, nos seguintes termos:

“Art. 1º Esta Resolução disciplina a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos em campanha eleitoral e a prestação de contas à Justiça Eleitoral. § 1º Os recursos arrecadados por partido político fora do período eleitoral são regulados pela resolução específica que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos. § 2º A aplicação dos recursos captados por partido político para as campanhas eleitorais deverá observar o disposto nesta Resolução”. (Sublinhou-se)

E, no que pertine à definição de período eleitoral a que alude a norma de regência, mostra-se igualmente correto o entendimento adotado pelo Magistrado, no sentido de considerar por período eleitoral aquele que vai da escolha do candidato em convenção partidária até a data da diplomação do candidato eleito, com base em entendimento sedimentado na doutrina e na iterativa jurisprudência eleitoral.

[…].

 

Desse modo, configurado o recebimento de verba originalmente advinda de fontes vedadas de receitas aos partidos políticos, na quantia de R$ 1.123,25, os recorrentes deverão efetuar o recolhimento da importância ao Tesouro Nacional, nos termos da sentença.

Anoto, obter dictum, que eventual discussão sobre a configuração de bis in idem no caso de condenação da grei partidária intermediadora, no processo próprio de contas, em razão da ilicitude das doações auferidas, deve ser tratada nas pertinentes fases de cumprimento de sentença.

Por elucidativa, transcrevo passagem do voto-vista do eminente Des. Eleitoral Gerson Fischmann, no julgamento da PC n. 0602683-40.2018.6.21.0000, em 18.12.2020, que sintetiza com maestria a questão:

Na fase do cumprimento de sentença, o candidato poderá alegar, por meio da impugnação, qualquer das hipóteses previstas no art. 525, § 1º, do CPC para eximir-se da obrigação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional. Dentre elas está o pagamento, desde que superveniente à sentença. Além disso, extingue-se a execução quando o executado obtiver, por qualquer outro meio, a extinção total da dívida, o que certamente inclui a satisfação da obrigação por outro devedor solidário demandado separadamente (inc. III do art. 924 do CPC).

 

b) Irregularidade no Uso e na Comprovação de Despesas com Recursos do FEFC

Em seu parecer (ID 34686883), a unidade técnica identificou irregularidades no recebimento e no uso de recursos do FEFC, em razão da transferência de recursos públicos para a conta "Outros Recursos" e do pagamento de despesas, na monta de R$ 7.590,87, que não restaram devidamente discriminadas e comprovadas.

O apontamento restou bem sintetizado e analisado na sentença, conforme transcrevo:

No caso em tela, os candidatos receberam, ao todo, R$ 31.934,00 oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, sendo que, em 18.11.2020, R$ 3.756,87 foi transferido, da conta específica para o recebimento do FEFC (c/c 618729706), para a conta "outros recursos" (c/c 618727606), ambas pertencentes ao candidato a prefeito; e, em 17.11.2020, R$ 2.234,00 foi transferido da conta do vice-prefeito (c/c 618734009) também para a conta "outros recursos" do candidato a prefeito (c/c 618727606), totalizando R$ 5.990,87 que foram movimentados indevidamente, contrariando o que dispõe no § 2º do art. 9º da Res. 23607/19.

Neste ponto, cabe salientar que a gravidade da irregularidade é, principalmente, a impossibilidade da Justiça Eleitoral de fiscalizar a forma como foi gasto o valor público oriundo do Fundo, uma vez que o simples "equívoco involuntário", como alegam os candidatos, na movimentação indevida de recursos financeiros poderia ser mitigada, caso fosse possível identificar com o quê e com quem foi gasto o recurso do FEFC.

Ocorre que os candidatos limitaram-se a dizer que "foram efetuados depósitos da Conta FEFC para outros recursos indevidamente para pagamento de despesas já comprovadas na prestação de contas" (ID 76121274) sem, no entanto, de fato, fazer tal comprovação, uma vez que não foram juntadas as notas ficais dessas despesas.

 

No caso vertente, está caracterizada a irregularidade, uma vez que se consumou a confusão entre as diferentes espécies de recursos (públicos e privados), os quais devem ser manejados separadamente e seguir parâmetros normativos distintos.

Com efeito, nos termos do disposto no art. 9º, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a movimentação de recursos oriundos do FEFC deve ocorrer exclusivamente na conta bancária específica criada para tal finalidade, litteris:

Art. 9º Na hipótese de repasse de recursos oriundos do Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os partidos políticos e os candidatos devem abrir contas bancárias distintas e específicas para o registro da movimentação financeira desses recursos.

(…).

§ 2º É vedada a transferência de recursos entre contas cujas fontes possuam naturezas distintas.

 

Os candidatos, malgrado tenham realizado a abertura de conta específica para o trânsito de recursos do FEFC e tenham ali recebido do órgão partidário o repasse de verbas procedentes daquele Fundo, transferiram os recursos para as contas bancárias destinadas a “Outros Recursos”, gerando insanável mescla entre diferentes espécies de receitas, em inobservância à legislação eleitoral.

Esse proceder atenta contra a transparência e a higidez das contas e dificulta o controle social imprescindível da legitimidade do processo eleitoral, aparentando aos eleitores e fornecedores que os gastos foram adimplidos por meio de recursos privados, quando, em realidade, houve um significativo financiamento público da campanha.

Configurada, portanto, a irregularidade, que se revela grave, na linha da jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. PMB – DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. IRREGULARIDADES QUE ALCANÇAM 46,62% EM RELAÇÃO AO TOTAL DE RECURSOS RECEBIDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. CONTAS DESAPROVADAS. IMPOSIÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO DAS QUANTIAS RECEBIDAS DO FUNDO PARTIDÁRIO E IRREGULARMENTE APLICADAS, DAS RECEBIDAS DE FONTE NÃO IDENTIFICADA, ALÉM DAQUELAS NÃO PROVISIONADAS PARA A FUNDAÇÃO. CONTAS DESAPROVADAS. PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE 5 COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO, DIVIDIDA EM 12 PARCELAS.

2. Reunião de recursos de origens diversas em uma única conta bancária. A ausência de segregação de recursos do Fundo Partidário e de outros recursos em contas bancárias distintas é irregularidade grave, na medida em que impossibilita seja verificada a real movimentação financeira do partido e macula a prestação de contas. Precedente.

(...)

(Prestação de Contas n. 17007, Acórdão, Relator: MIN. MAURO CAMPBELL MARQUES, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 242, Data 23.11.2020.). Grifei.

 

Além disso, a sentença bem apontou que os candidatos não lograram discriminar e demonstrar, por documentos fiscais idôneos, as despesas realizadas com os recursos públicos irregularmente movimentados.

O mesmo ocorreu relativamente à contratação no valor de R$ 1.600,00, datada de 05.11.2020, adimplida com a verba recebida do FEFC, “cujo gasto os candidatos não lograram comprovar, impedindo a fiscalização do uso de valores públicos pela Justiça Eleitoral”.

Em suas razões, os recorrentes prosseguem omissos quanto aos esclarecimentos e documentos complementares e apenas defendem que as falhas são de valores diminutos e que não maculam a confiabilidade das contas. Também alegam a inexistência de má-fé e postulam a aplicação do princípio da proporcionalidade para que seja reconsiderada a desaprovação das contas.

Assim, caracterizado o descumprimento do art. 64, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19, em face da ausência de documentos comprobatórios dos gastos realizados com recursos do FEFC, deve ser mantida a sentença que reconheceu as irregularidades e comandou o recolhimento das verbas públicas indevidamente utilizadas, no somatório de R$ 7.590,87, ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Conclusão

Considerando que a totalidade das falhas apontadas (R$ 8.714,12) representa, aproximadamente, 19,88% das receitas declaradas pelos candidatos (R$ 43.819,13), não há que se falar em aplicação dos princípios da proporcionalidade ou da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, de forma que a manutenção da sentença de desaprovação é medida que se impõe.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas, relativas ao pleito de 2020, de Carlos Renato Teixeira Machado e Marco Igor Ballejo Canto, e a determinação de recolhimento do valor de R$ 8.714,12 (oito mil, setecentos e quatorze reais e doze centavos) ao Tesouro Nacional.