REl - 0600573-61.2020.6.21.0012 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/01/2022 às 14:00

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, eleições 2020, cargo de vereadora, de MARINETE KONSGEN BLAS, no Município de Cristal/RS.

A sentença foi no seguinte sentido (ID 44839490):

Cuida-se de apreciar as contas da candidata a vereadora, no município de Cristal/RS, pelo Movimento Democrático Brasileiro, MARINETE KONSGEN BLAS, relativa às Eleições Municipais 2020.

As contas foram apresentadas tempestivamente, tendo também procurador devidamente constituído.

No caso concreto, há falha que compromete a regularidade das contas.

Também assim se manifestou o MPE.

Ao caso concreto.

A arrecadação e utilização dos recursos próprios aplicados em campanha, cujo montante extrapolou em R$ 676,73 o limite previsto no art. 27, §1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, mereceria ser apontada como ressalvas, não ensejando a desaprovação das contas. Entretanto há outra falha a qual se soma esta que determinam a desaprovação.

Com efeito, em virtude da extrapolação citada, mesmo não havendo repercussão no pleito a ponto de trazer vantagem cabal à candidata, o excesso praticado acaba por estabelecer um tratamento desigual. É dizer: quem foi correto teve que se limitar a um determinado valor; quem não observou o limite e, consequentemente, utilizou mais recursos que o permitido em campanha, de algum modo acabou por ganhar algum benefício. Portanto, deve devolver o valor excedente, incidindo a regra do art. 27, §4º da Res. TSE n. 23.607/19.

Percebeu-se ainda que a candidata teve um cheque devolvido, no valor de R$ 120,00 e que não restou demonstrada a sua quitação, o que caracteriza dívida de campanha. Salienta-se que tal falha é determinante para a desaprovação das contas.

Pelo que se vê, a última irregularidade conduz à desaprovação, porque possui envergadura suficiente para macular as contas da candidata. Ainda, a primeira falha citada soma no conjunto de irregularidades, motivo pelo qual devem ser desaprovadas as contas.

III – DISPOSITIVO

Isso posto, DESAPROVO as contas da candidata à vereadora, no município de Cristal/RS, pelo Movimento Democrático Brasileiro, MARINETE KONSGEN BLAS, relativas às Eleições Municipais 2020, forte no artigo 74, inciso III, da Resolução TSE n. 23.607/2019 e determino, conforme inteligência do art. 27, §4º da Res. TSE n. 23.607/19 o pagamento de multa no valor de 100% da quantia em excesso.

 

Com relação à primeira irregularidade, consta que a sentença desaprovou as contas da candidata em virtude de doações com recursos próprios (R$ 1.907,50) acima do limite legal (R$ 1.230,77), fixando multa no valor de R$ 676,73, correspondente a 100% da quantia em excesso, com fulcro no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Embora, em suas razões de recurso, a recorrente não teça palavras a respeito deste item, necessário se faz uma breve explanação sobre o tema.

De fato, o valor utilizado como recursos próprios, no montante de R$1.907,50, supera em R$ 676,73 o limite previsto no art. 27, §1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, de 10% do teto de gastos de campanha no cargo em que concorrer, equivalente a R$ 1.230,77. Assim, a prestadora fica sujeita à multa prevista no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

No ponto, a Resolução TSE n. 23.607/19, que regulamenta a matéria, assim dispõe:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

 

Com efeito, existe disciplina normativa aplicável ao caso concreto, pertinente ao âmbito das receitas de campanha, e que estabelece, de maneira objetiva, que “o candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer”.

Como visto, a regra é objetiva, o limite estabelecido para gastos nas campanhas dos diversos cargos é deduzido da regra prescrita no art. 18-C da Lei das Eleições. Definido o valor para o cargo em relação a determinado município, o candidato pode autofinanciar sua campanha em valores de até 10% do aludido limite.

Nesse sentido, trago julgado de minha relatoria:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PROPORCIONAL. DESAPROVAÇÃO. APLICAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. MULTA. PATAMAR 30%. ART. 27, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. GASTOS ADVOCATÍCIOS E CONTÁBEIS. DISTINÇÃO ENTRE OS LIMITES DEFINIDOS QUANTO AO PLANO DE DESPESAS GERAIS E O TETO DE APLICAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS PELO CANDIDATO. AUTOFINANCIAMENTO. IRREGULARIDADE EM PERCENTUAL DE 24,69% DO TOTAL DECLARADO. VALOR ABSOLUTO DIMINUTO. APLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECOLHIMENTO DE MULTA AO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas do recorrente, tendo como fundamento a extrapolação do limite legal de doações com recursos próprios, e fixou multa correspondente a 30% da quantia em excesso, com fulcro no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Aporte de recursos próprios em campanha acima do teto de 10% conforme o cargo pleiteado na municipalidade, em afronta ao art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19. Distinção entre as regras definidas para os gastos globais, norma disposta no art. 4º, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19 e as pertinentes às receitas de campanha, no caso, art. 27, § 1º, da aludida resolução. Regra objetiva que visa limitar o valor a ser utilizado pelo candidato, para fins de autofinanciamento em sua campanha.

3. Irregularidade que representa 24,69% das receitas declaradas, mas de valor absoluto reduzido, a permitir, diante da incidência dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, a mitigação do juízo de desaprovação para aprovar as contas com ressalvas. Correção de ofício da sentença, para que o recolhimento da multa seja destinado ao Fundo Partidário.

4. Parcial provimento.

(Rel 0600194-33.2020.6.21.0041, julgado na sessão de 10.8.2021.) (Grifo nosso)

 

E, ademais, como bem salientado pela douta Procuradoria Eleitoral (ID 44880849):

Aqui impõe-se a aplicação do princípio da igualdade na disputa eleitoral. Outros candidatos certamente cumpriram o dispositivo legal e limitaram seus gastos de campanha com recursos próprios, o(a) recorrente não o fez, desequilibrando a disputa de forma ilícita, daí a necessidade de aplicação da sanção prevista no art. 27, § 4º3, da Resolução 23.607/2019 (art. 23, § 3º, da Lei das Eleições).

 

No que concerne à segunda irregularidade, ou seja, ausência de demonstração de quitação de despesa, no valor de R$ 120,00, caracterizando dívida de campanha, a recorrente não se desincumbiu do dever de apresentar a comprovação de quitação do cheque, bem como de atestar que tal quitação obedeceu à legislação de regência.

A recorrente expõe que o motivo da devolução do cheque n. 000009, emitido pela candidata em contrapartida à prestação de serviços da Dra. Lilia Oliveira de Moura, no dia 14.11.20, foi a apresentação tardia, uma vez que repassou a terceiros. De modo que, nesse interregno, do saldo que havia na conta para compensação do cheque, foram subtraídas taxas bancárias, ocasionando, assim, a falta de provisões e a consequente devolução do cheque (em 07.12.20). Alega, ainda, que, por lapso do contador, o cheque não foi lançado no SPCE.

Em suas razões, a recorrente apenas explana os motivos que conduziram à devolução do cheque, contudo, não traz aos autos comprovação de que a dívida de R$ 120,00 com serviços de cabo eleitoral tenha sido quitada.

A matéria está disciplinada na legislação eleitoral, conforme dispõe o art. 33, § 3º, da Resolução 23.607/19:

Art.33

[…]

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

 

De fato, houve dívida de campanha sem que fossem acostados os documentos exigidos pelo art. 33, §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, relativos à assunção da dívida pelo partido, o que conduz ao entendimento de que o pagamento se deu fora do controle da Justiça Eleitoral, com recursos de origem não identificada.

Observe-se, ao fim, que a irregularidade representa 36,23% dos recursos declarados como recebidos (R$2.198,85), importância, ainda que significativa diante da receita declarada, de valor absoluto reduzido (R$ 796,73), inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado, no qual o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 694,90:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.9.2017.) (grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, tenho de ser possível a aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta o dever de pagamento da multa ao Fundo Partidário.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de MARINETE KONSGEN BLAS, mantendo a determinação de pagamento da multa no valor de R$ 676,73 ao Fundo Partidário, nos termos da fundamentação.