REl - 0600354-53.2020.6.21.0172 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/01/2022 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Mérito

No mérito, as contas da recorrente foram desaprovadas, na origem, com determinação do recolhimento de R$ 1.630,00 ao Tesouro Nacional e da transferência das sobras de campanha à respectiva agremiação partidária da candidata, em razão das seguintes irregularidades: a) ausência da identificação da contraparte nos extratos bancários em relação ao pagamento de R$ 1.600,00, com verba do FEFC; b) não apresentação de cópias dos instrumentos bancários utilizados para o pagamento de quatro despesas, no valor individual de R$ 880,00 cada; e c) omissão dos comprovantes de transferência das sobras de campanha e dos recursos do FEFC não utilizados.

Passo à análise discriminada dos apontamentos glosados.

 

a) Ausência de Identificação da Contraparte do Pagamento com Recursos do FEFC nos Extratos Bancários

O parecer conclusivo identificou despesa paga com verba do FEFC, no montante de R$ 1.600,00, por meio de cheque sacado diretamente no caixa bancário, no dia 16.11.2020, sem registro da contraparte favorecida na operação.

Em sua manifestação, a candidata afirma que comprovou a realização das despesas e o destino dos recursos, juntando aos autos a cópia do aludido cheque, emitido de forma nominal a Lourdes Carmem da Silva (ID 43585083), o contrato de prestação de serviços (ID 43584933) e o recibo de pagamento dos valores à contratada (ID 43584833).

Na hipótese, porém, é incontroverso que a cártula foi emitida sem o necessário cruzamento e que os valores foram sacados diretamente na “boca do caixa”, ou seja, sem o trânsito para a conta bancária do fornecedor declarado.

Com efeito, da análise dos extratos eletrônicos disponibilizados pelo TSE (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87718/210000685445/extratos), não é possível verificar a contraparte favorecida pela compensação do cheque em questão.

Em relação ao pagamento de despesas de campanha eleitoral, dispõe o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado.

A exigência de cruzamento do título visa impor que o seu pagamento ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, em especial, que os prestadores de serviço informados na demonstração contábil foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

Essencialmente, considerando a modalidade de pagamento por cheque, é possível constatar que o regulamento eleitoral tem se preocupado cada vez mais em identificar o recebedor dos valores e restringir a livre circulação do documento de crédito.

Tal conclusão é autorizada pela alteração da redação do dispositivo pertinente: para as eleições 2018, o art. 40, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17 estabelecia a possibilidade de utilização de “cheque nominal”, enquanto para as eleições 2020, como se transcreveu acima, a exigência é de “cheque nominal cruzado” no dispositivo equivalente (art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE GASTOS ELEITORAIS POR MEIO DE CHEQUES NOMINAIS NÃO CRUZADOS. INFRINGÊNCIA AO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. CARÁTER OBJETIVO DA NORMA. IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAR O BENEFICIÁRIO DO RECURSO. VALOR REDUZIDO DAS IRREGULARIDADES. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou contas de candidato ao cargo de vereador, referentes às eleições municipais de 2020, em razão de pagamento de gastos eleitorais por meio de cheques nominais não cruzados, descumprindo o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. A forma de pagamento dos gastos eleitorais sob discussão está disciplinada no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado. O cheque não cruzado pode ser compensado sem depósito bancário. Desse modo, não há transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, dificultando a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha.

3. Caracterizada a irregularidade na forma de pagamentos de despesas mediante cheques não cruzados. A alegação de que a exigência em tela impediria a contratação de “pessoas mais humildes” para as atividades em campanha não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é, justamente, impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações.

(...)

(TRE-RS, REl n. 0600280-46.2020.6.21.0027, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado em 19.8.2021.) (Grifei.)

 

Ainda, a apresentação de contrato, declaração ou recibo firmados pelo suposto beneficiário do adimplemento, afirmando que o valor lhe foi repassado, não supre a necessidade de que o lastro do pagamento seja registrado na própria operação bancária de crédito, conforme a diretriz jurisprudencial deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PROPORCIONAL. DESAPROVAÇÃO. MULTA. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. APLICAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. GASTOS COM CHEQUES EM DESACORDO COM A NORMA DE REGÊNCIA. OMISSÃO DE DESPESAS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. ARGUMENTAÇÃO DA RECORRENTE INSUFICIENTE. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ, BAIXO VALOR DA FALHA, DECLARAÇÃO UNILATERAL E EQUÍVOCO DE LANÇAMENTOS INCAPAZES DE SANAR OS ERROS. VALOR DAS IRREGULARIDADES IRRISÓRIO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. MANUTENÇÃO DA MULTA A SER RECOLHIDA AO FUNDO PARTIDÁRIO E DO RECOLHIMENTO DE RONI AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO PARCIAL.

(…).

3. Pagamento, via cheque, de forma distinta da prevista no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Cártula emitida de modo não cruzado e nominal, contrariando o normativo legal. Documentação unilateral acostada aos autos insuficiente para demonstrar o real destino dos recursos de campanha, conforme jurisprudência. Manutenção da irregularidade quanto à forma de pagamento utilizada.

(…).

7. Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n 060043430, ACÓRDÃO de 29.07.2021, Relator: DES. ELEITORAL MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.) (Grifei.)

 

Logo, restou caracterizada irregularidade quanto à forma de pagamento dos gastos realizados com recursos do FEFC, na quantia de R$ 1.600,00, a qual deve ser restituída ao Tesouro Nacional, por ausência de comprovação segura de sua utilização regular, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Assim, tendo em vista que não houve a identificação da contraparte nos extratos eletrônicos da conta de campanha, merece ser mantida integralmente a irregularidade relativa ao pagamento em questão.

 

b) Comprovação dos Pagamentos de R$ 880,00 efetuados em 13.11.2020

A unidade técnica detectou, também, a realização de gastos eleitorais satisfeitos com verbas da conta “Outros Recursos”, ou seja, com recursos privados, em quatro operações, cada uma no valor de R$ 880,00, realizadas mediante a emissão de cheques sem cruzamento e sacados diretamente no caixa bancário.

A recorrente sustenta que todos os débitos em discussão envolveram o pagamento de trabalhadores da campanha e que as despesas estão demonstradas por meio dos termos contratuais e das cópias dos cheques nominais que acompanham o recurso (IDs 43584633 a 43585333)

Ocorre que, em consulta ao Sistema DivulgaCand (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87718/210000685445/extratos), verifica-se que não constam, no campo CPF/CNPJ dos extratos bancários eletrônicos, as contrapartes que teriam descontado os cheques.

Além disso, a prova juntada com o recurso revela que as cártulas, embora nominais, não foram cruzadas.

Assim, nos termos da fundamentação deduzida em relação ao tópico anterior, exsurge clara a concretização de irregularidade, consistente na ausência de cruzamento das cártulas e da identificação dos beneficiários pelos pagamentos na operação bancária, em ofensa ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

c) Omissão dos Comprovante de Transferência das Sobras de Campanha e dos Recursos do FEFC Remanescentes

Quanto ao ponto, o extrato de prestação de contas registra sobras de campanha da conta “Outro Recursos”, no valor de 10,50, bem como a subsistência de um saldo na conta do FEFC, no total de R$ 30,00 (ID 43578433, fl. 4).

Contudo, durante a tramitação do feito em primeira instância, a prestadora não apresentou o comprovante de transferência do valor das sobras de campanha ao partido, bem como a cópia da GRU paga em relação ao recolhimento do valor remanescente do FEFC ao Tesouro Nacional, razão pela qual o juízo a quo condenou a candidata à devolução integral das quantias públicas recebidas (R$ 1.630,00) e à transferência ao partido das sobras de campanha, na forma do art. 50, §§ 1º e 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Com as razões recursais, a prestadora apresentou o comprovante de transferência de valores ao MDB, em 30.3.2021, na monta de R$ 0,50 (ID 43585383), e o comprovante de pagamento de Guia de Recolhimento da União (GRU), lançada com o código UG/Gestão deste Tribunal e com a finalidade “18.822”, em 31.03.2021, no valor de R$ 14,50 (ID 43585433).

Ressalta-se que os comprovantes bancários em referência foram quitados anteriormente à emissão do parecer técnico preliminar que determinou diligências, emitido em 26.05.2021 (ID 43583483), de modo que tais documentos, embora apresentados intempestivamente, são idôneos, de plano, ao saneamento parcial das falhas, podendo ser conhecidos, na esteira da jurisprudência deste Tribunal (TRE-RS - REl n. 1428, Relator: DES. ELEITORAL GERSON FISCHMANN, DEJERS de 29.04.2019).

Portanto, embora subsista a ausência de comprovação da transferência integral das sobras de campanha ao partido político, remanescendo um saldo indevido de R$ 10,00, é certo que os valores oriundos do FEFC não utilizados na campanha foram revertidos aos cofres públicos, de sorte que não se mantém a mácula quanto ao aspecto, devendo, via de consequência, ser reduzido em R$ 14,50 o comando de ressarcimento ao erário.

Da mesma forma, embora a sentença tenha determinado a devolução da totalidade dos recursos recebidos do FEFC (R$ 1.630,00), deve ser subtraído da condenação o valor de R$ 15,50, correspondente ao pagamento de tarifas bancárias debitadas diretamente em conta, na data de 13.11.2020, conforme se constata do correspondente extrato eletrônico, tratando-se de despesa lícita.

 

Conclusão

No caso concreto, portanto, as irregularidades verificadas nos itens “a” (R$ 1.600,00), “b” (R$ 3.520,00) e “c” (R$ 10,00) alcançam o valor de R$ 5.130,00, que representa, aproximadamente, 45% dos recursos arrecadados pela candidata (R$ 11.223,00), montas nominal e relativa que inviabilizam a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas.

Por outro lado, impõe-se a redução do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional para o valor de R$ 1.600,00, bem como da quantia a ser transferida à agremiação partidária para R$ 10,00.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, para reduzir o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 1.600,00 e as quantias a serem transferidas ao partido político da prestadora para R$ 10,00, mantendo o juízo de desaprovação das contas de Marlene Silva de Souza, relativas ao pleito de 2020.