REl - 0600832-24.2020.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/01/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de ALEXANDRO DE BARROS MACEDO, candidato ao cargo de vereador nas eleições de 2020 no Município de Parobé, e determinou-lhe o recolhimento de R$ 1.292,00 aos cofres públicos.

Na instância de piso, o órgão técnico identificou a omissão de despesa na prestação de contas, a partir de análise de notas fiscais eletrônicas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral (ID 44800533).

O gasto omitido, representado pela nota fiscal eletrônica n. 4918, no valor de R$ 1.292,00, foi contratado em 13.11.2020 com GRAFICA GAUCHA EIRELI, CNPJ n. 07.368.646/0001-75 (ID 44800433).

Intimado para oferecer esclarecimentos, o prestador cingiu-se a alegar que o serviço fora cancelado e que até então desconhecia ter havido emissão de nota fiscal (ID 44800683).

Na sentença, o ilustre magistrado a quo glosou o dispêndio, tendo em vista que os pagamentos ocorreram mediante uso de verbas que não transitaram pela conta bancária de campanha, configurando recebimento de recursos de origem não identificada.

No apelo, o recorrente sustenta que a emissão da nota fiscal decorre de erro praticado pela gráfica e que não deu causa a tal equívoco, não sendo o fato capaz de ensejar a desaprovação de suas contas.

Pois bem.

Como restou comprovado, houve despesa de campanha que não foi escriturada no conjunto contábil, em afronta ao art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

I - pelas seguintes informações:

(...)

g) receitas e despesas, especificadas;

(...)

Anoto que não prospera a tese de que houve erro do fornecedor, consubstanciado na emissão de nota fiscal relacionada à despesa posteriormente cancelada, não tendo o candidato qualquer responsabilidade a respeito.

Ora, há mecanismos constantes do próprio estatuto regulamentar de contas que deveriam ter sido adotados pelo prestador, como providenciar o cancelamento da nota fiscal e comprovar sua efetivação a esta Justiça especializada, juntamente com esclarecimentos firmados pelo fornecedor, nos termos dos arts. 59 e 92, § 6º, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nesse ponto, vale transcrever excerto do bem-lançado parecer ministerial (ID 44896888):

Alega o recorrente que: NÃO HOUVE GASTO NO VALOR DE R$ 1.292,00 junto a Gráfica Gaúcha Eireli. O candidato havia encomendado um material gráfico junto a empresa. Contudo, posteriormente houve o cancelamento do serviço e não houve nenhuma prestação de serviço e/ou compra.

Diante disso, nos termos dos arts. 59 e 92, § 6º, da Resolução TSE nº 23.607/19, o prestador deveria ter comprovado o cancelamento da Nota Fiscal, entretanto afirma ter sido informado pela empresa que não seria possível o cancelamento da nota em questão, em razão de que já havia transcorrido tempo superior ao necessário para o procedimento. Contudo, ultrapassado o prazo para cancelamento, seria possível o estorno da NF, conforme Instrução Normativa 98/2011 da Subsecretaria da Receita Estadual do Rio Grande do Sul, o que, igualmente, não ocorreu. De qualquer modo, cabe frisar que o prestador não apresentou qualquer documento com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

Demais disso, gizo que, diversamente do sustentado pelo recorrente, o fato de constar o número de CNPJ do candidato em nota fiscal não declarada e não cancelada, cujo pagamento ocorreu fora das contas de campanha, tem o condão de caracterizar recebimento de recursos de origem não identificada.

A Justiça Eleitoral, buscando evitar a ocorrência do famigerado “Caixa 2”, evoluiu na fiscalização de partidos políticos e candidatos, criando meios e sistemas próprios de revelar despesas não declaradas, como circularização, informações voluntárias de campanha e confronto com notas fiscais eletrônicas.

Nesse exato sentido, cito o seguinte julgado deste Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. VEREADORA. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. PRELIMINARES AFASTADAS. NULIDADE PROCESSUAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. ART. 219 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MÉRITO. EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS SEM REGISTRO NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. INVIÁVEL A ALEGAÇÃO DE DESCONHECIMENTO. GASTOS COM COMBUSTÍVEIS. NECESSIDADE DE CANCELAMENTO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. INADEQUAÇÃO DO COMANDO DE RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. PRINCÍPIO DA NON REFORMATIO IN PEJUS. VALOR ABSOLUTO DIMINUTO. APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Recurso contra sentença que desaprovou as contas de candidata a vereadora, referentes às eleições municipais de 2020, em virtude de omissão de gastos eleitorais.

(...)

3. Identificada, por meio do cruzamento de dados, a emissão de sete notas fiscais eletrônicas contra o CNPJ da candidata, não declaradas na prestação de contas. Inviável a tese defensiva de desconhecimento das despesas e da impossibilidade da prova negativa. Existência de mecanismos à disposição do prestador, constantes do próprio estatuto regulamentar de contas, como o cancelamento de notas fiscais a que se refere o art. 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Ademais, exatamente prevendo casos como o presente, a Justiça Eleitoral evoluiu na fiscalização de partidos políticos e candidatos, criando meios e sistemas próprios de revelar despesas não declaradas, como circularização, informações voluntárias de campanha e confronto com notas fiscais eletrônicas. Embora as notas fiscais eletrônicas não tenham sido acostadas aos autos, podem ser encontradas no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais disponibilizado pelo TSE.

4. Ainda que os referidos gastos versem sobre combustíveis, destituídos de natureza eleitoral, cujos recursos para pagamento não ingressaram na movimentação financeira de campanha e tampouco foram declarados na prestação de contas, o fato de constar o número de CNPJ da candidata em nota fiscal, não cancelada, tem o condão de caracterizar a irregularidade em tela. Entretanto, não tendo o juízo singular determinado o recolhimento dos valores equivalentes ao Tesouro Nacional, inviável este comando no presente recurso, interposto exclusivamente pela candidata, circunstância que agravaria sua situação, em decorrência do princípio da non reformatio in pejus.

(...)

(TRE-RS, REl n. 0600509-21.2020.6.21.0022, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 15.10.2021.)

Nesse trilhar, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral entende que a falha em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil, uma vez que a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, com especificação completa, consoante plasmado nos seguintes julgados:

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2014. DIRETÓRIO NACIONAL. PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL). COMITÊ FINANCEIRO NACIONAL PARA PRESIDENTE DA REPÚBLICA. DESAPROVAÇÃO.

I.  HIPÓTESE

1. Prestação de contas apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e seu Comitê Financeiro Nacional para Presidente da República, relativa às Eleições 2014.

2. A análise da prestação de contas está limitada à verificação das informações declaradas espontaneamente pelo partido, bem como daquelas obtidas a partir de procedimentos de auditoria ordinariamente empregados pela Justiça Eleitoral, em especial análise documental, exame de registros e cruzamento, além de confirmação de dados, por meio de procedimento de circularização.

II. INCONSISTÊNCIAS ANALISADAS

(...)

IRREGULARIDADE - OMISSÃO DE DESPESAS (R$ 84.900,77).

13. A omissão de despesas nas contas prestadas por meio do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais - SPCE viola o disposto nos arts. 40, I, g, e 41 da Res.-TSE nº 23.406/2014 e constitui irregularidade que macula a sua confiabilidade.

(...)

(Prestação de Contas n. 97006, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 167, Data 29.8.2019, pp. 39/40.) (Grifei.)

 

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2014. PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB). DIRETÓRIO NACIONAL E COMITÊ FINANCEIRO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

I. HIPÓTESE

1. Prestação de contas apresentada pelo Diretório Nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e seu Comitê Financeiro Nacional, relativa às Eleições 2014.

2. A análise da prestação de contas está limitada à verificação das informações declaradas espontaneamente pelo partido, bem como daquelas obtidas a partir de procedimentos de auditoria ordinariamente empregados pela Justiça Eleitoral.

(...)

III. IRREGULARIDADES

(…)

10. Omissão de despesas: confronto com informações externas (R$ 369.860,32). Gastos não declarados que tenham sido informados por fornecedores por meio do Sistema de Registro de Informações Voluntárias, e/ou constem de notas fiscais oriundas das Secretarias das Fazendas Estaduais e Municipais, violam o disposto no art. 40, I, f e g, da Res.-TSE nº 23.406/2014 e constituem omissão de despesas.

(...)

(Prestação de Contas n. 97795, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE, Tomo 241, Data 16.12.2019, p. 73.) (Grifei.)

Destarte, restou caracterizada a irregularidade consistente na omissão de gastos e de recursos em campanha, sendo acertada a decisão que, com fundamento no art. 32, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, glosou o dispêndio e determinou o recolhimento dos respectivos valores ao erário.

Tendo em vista que a presente mácula, equivalente a R$ 1.292,00, representa cifra bastante superior ao total de receitas declaradas (R$ 100,00), resta inviabilizada a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto das contas, impondo-se a manutenção do juízo de desaprovação, na linha da jurisprudência consolidada deste Tribunal.

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto por ALEXANDRO DE BARROS MACEDO, candidato ao cargo de vereador no Município de Parobé, nas eleições de 2020, nos termos da fundamentação.