REl - 0600422-48.2020.6.21.0060 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/01/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

A sentença hostilizada desaprovou as contas de GLACI MARIA MOREIRA RODRIGUES, candidata ao cargo de vereadora no Município de Pelotas em 2020, em razão da quitação de gastos com recursos do FEFC sem a observância das prescrições do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

A irregularidade que ensejou a desaprovação das contas se divide em dois grupos.

O primeiro refere-se a oito despesas de contratação de pessoal pagas a pessoas diversas das constantes nos contratos apresentados pela prestadora, no total de R$ 1.452,00, e o segundo diz respeito à ausência de contraparte nos extratos eletrônicos atinentes a sete cheques descontados, compondo a quantia de R$ 3.494,00, de maneira que as irregularidades alcançam o montante de R$ 4.946,00.

No ponto, a matéria é regulamentada pelo art. 38 da Resolução n. 23.607/19, o qual determina:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

A parte recorrente alega a suficiência do comprovante bancário de pagamento para evidenciar a regular quitação.

Sem razão.

Muito embora haja nos autos cópias dos contratos de prestação de serviço e extratos bancários, entendo não comprovado o pagamento aos fornecedores, pois os extratos não apresentam as contrapartes sacadoras dos valores – apenas registrando “Cheque terceiros por caixa” – ou, quando indicadas, não coincidem com os devidos credores.

A falha grave decorre, portanto, da não observância das formas estabelecidas na legislação de regência para pagamento dos gastos eleitorais, cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária. Fossem atendidas as regras, estariam identificados os beneficiários e regulares as contas, como  esclarece o d. Procurador Regional Eleitoral, em trecho do parecer que, por elucidativo, adiciono expressamente às razões de decidir:

Nesse sentido, cumpre destacar que, para as eleições de 2020, o TSE buscou ser mais rigoroso com o controle dos gastos eleitorais, pois acrescentou a obrigação do pagamento se dar por cheque cruzado, previsão inexistente para as eleições anteriores.

Diga-se que os documentos previstos no art. 60, caput, e §§ 1º e 2º da Resolução TSE nº 23.607/2019 jamais se prestam, sozinhos, à comprovação dos gastos eleitorais, devendo, pois, serem entendidos como um reforço de comprovação em relação àqueles informados no art. 38 e seus incisos da mesma Resolução. Em outras palavras, os documentos fiscais idôneos, com o preenchimento de todos os dados necessários a que alude o art. 60, devem se somar aos meios de pagamento determinados no art. 38, jamais podendo ser apontados como alternativos ou exclusivos para efeito de comprovação da efetiva e regular utilização dos recursos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Tal caráter meramente complementar dos documentos do art. 60 se extrai de dois pilares principais.

Primeiro, tais documentos não possuem fé suficiente, uma vez que são de produção unilateral, ou, no máximo, bilateral, entre o candidato e uma pessoa qualquer informada como fornecedor de serviço ou de bem, o que claramente pode dar margem a burlas mediante a entabulação de relações simuladas, com o intuito de encobrir o real destino dos valores da campanha.

Depois, porque os meios de pagamento previstos no art. 38 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do correspondente gasto.

Com efeito, tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento dos valores, apontando-se, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Por outro lado, se os valores não transitam pelo sistema financeiro nacional, é muito fácil que sejam, na realidade, destinados a pessoas que não compuseram a relação indicada como origem do gasto de campanha.

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi ele quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes distintas, que permite, nos termos da Resolução, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se tratam de recursos públicos, como são as verbas recebidas via FEFC.

Ademais, a obrigação para que os recursos públicos recebidos pelos candidatos sejam gastos mediante forma de pagamento que permite a rastreabilidade do numerário até a conta do destinatário (crédito em conta), como se dá com o cheque cruzado (art. 45 da Lei 7.357/85), assegura, outrossim, que outros controles públicos possam ser exercidos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

Finalmente, ao não ter sido cruzado o cheque, sendo sacado na boca do caixa, restou inviabilizado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha, vez que impediu fosse alimentado o sistema Divulgacandcontas com a informação sobre o beneficiário do cheque, impedindo o controle por parte da sociedade.

 

Sublinho que a falha representa 47,78% do total de R$ 10.350,00 arrecadados, e o elevado valor nominal de R$ 4.946,00 impede a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas, por ser superior ao parâmetro de R$ 1.064,10  utilizado pela jurisprudência deste Tribunal.

Por fim, destaco que o juízo de origem deixou de determinar o recolhimento de valores ao erário, de modo que não se poderá nesta instância fazê-lo, sob pena de agravamento na situação dos recorrentes.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso.