REl - 0600429-95.2020.6.21.0074 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/01/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas.

 

Competência deste relator para a análise do recurso

O art. 260 do Código Eleitoral assim dispõe:

Art. 260. A distribuição do primeiro recurso que chegar ao Tribunal Regional ou Tribunal Superior prevenirá a competência do relator para todos os demais casos do mesmo município ou estado.

Como corretamente consignou o ilustre Des. GERSON FISCHAMNN ao ordenar a redistribuição destes autos à minha relatoria (ID 43205083), a norma do dispositivo acima transcrito define a prevenção do relator tão somente quanto aos recursos eleitorais, não abrangendo o ajuizamento de ações autônomas, a exemplo do MSC n. 0600530-63.2020.6.21.0000, cujo prévio julgamento pelo nobre Desembargador Eleitoral havia ensejado a distribuição do presente processo à sua relatoria pela Secretaria Judiciária deste Tribunal.

Como igualmente pontuou o insigne Desembargador Eleitoral, também não se verifica a hipótese de prevenção disposta no art. 40, § 1º, inc. VIII, do Regimento Interno deste Regional, na medida em que o MSC n. 0600530-63.2020.6.21.0000 foi ajuizado contra ato proferido nos autos da AIJE n. 0600428-13.2020.6.21.0074, proveniente da 74ª Zona Eleitoral de Alvorada, não guardando relação com a ação eleitoral da qual se originou a presente pretensão recursal.

Logo, não se verificando hipótese de prevenção de membro integrante deste Colegiado para a apreciação do recurso interposto pela COLIGAÇÃO UNIDADE TRABALHISTA E POPULAR, mostra-se correta a sua distribuição, pelo critério de sorteio, à minha relatoria.

 

Admissibilidade Recursal

O recurso interposto é regular, adequado e tempestivo, comportando conhecimento.

 

Preliminar de Ilegitimidade Ativa Ad Causam

MARCOS PAULO BARBOSA DA SILVA alegou, em sede preliminar, que a COLIGAÇÃO UNIDADE TRABALHISTA E POPULAR (PT/PDT/PC do B) não deteria legitimidade para a propositura da presente AIJE, por se encontrar representada por Cláudio da Silva Leandro, o qual não foi indicado na ata da convenção do PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC do B) de Alvorada para representar a coligação ora recorrente no pleito de 2020, como demonstra a cópia acostada no ID 41499833.

Primeiramente, é inconteste a legitimidade das coligações partidárias para o ajuizamento de AIJE na qual se discute a prática de condutas abusivas sob suas diferentes modalidades e condutas vedadas, consoante remansosa jurisprudência da Corte Eleitoral Superior, igualmente perfilhada por este Regional, desde que se encontrem regularmente registradas perante a Justiça Eleitoral.

Sob esse prisma, impõe lembrar que a designação expressa do representante da coligação partidária, nas atas das convenções dos partidos políticos que a compõem, não constitui dado essencial à validade das deliberações e ao deferimento do registro da coligação, porquanto tal dado integra o documento somente na hipótese de o representante já ter sido indicado, consoante se extrai da literalidade do texto do art. 7º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.609/19, que dispôs sobre a escolha e o registro de candidatos para as eleições de 2020.

Ademais, como constatei por meio de consulta ao Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais na página do Tribunal Superior Eleitoral na internet, a COLIGAÇÃO UNIDADE TRABALHISTA E POPULAR obteve o deferimento do seu Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) em decisão proferida pelo juízo da origem nos autos do Processo n. 0600114-67.2020.6.21.0074.

No DRAP objeto do aludido processo, Cláudio da Silva Leandro foi indicado como representante da coligação ora recorrente, circunstância que demonstra ter havido consenso entre as agremiações quanto à escolha do seu representante, legitimando-o para atuar perante a Justiça Eleitoral.

Dessa forma, inexistindo o alegado vício de representação processual suscitado, rejeito a preliminar.

 

Preliminar de Ofício: Ilegitimidade Passiva Ad Causam da COLIGAÇÃO ALVORADA NÃO PODE PARAR

As condutas vedadas tipificadas no art. 73 da Lei n. 9.504/97 são puníveis com a cassação do registro ou do diploma do candidato beneficiado, independentemente da sua condição de agente público, com a imediata suspensão da conduta ilícita e multa, tendo o legislador eleitoral explicitado que as duas últimas penalidades são aplicáveis indistintamente aos agentes públicos responsáveis, partidos políticos, coligações e candidatados que se beneficiarem dos ilícitos (art. 73, §§ 4º, 5º e 8º, da Lei das Eleições).

Diversamente, no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90, a opção legislativa quanto ao sancionamento de condutas abusivas nas suas diferentes modalidades restringiu-se à cassação do registro de candidatura ou do diploma e à declaração de inelegibilidade para as eleições que se realizassem nos 8 (oito) anos subsequentes ao pleito em que se verificaram as práticas ilícitas.

A partir desse normativa, o Tribunal Superior Eleitoral consolidou orientação de que os partidos políticos e as coligações partidárias não ostentam legitimidade passiva ad causam para as ações de investigação judicial eleitoral por uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, fundadas no art. 22, caput, da LC n. 64/90, porquanto as penalidades de cassação do registro de candidatura ou do diploma e a declaração de inelegibilidade são aplicáveis exclusivamente a pessoas físicas, não abrangendo as pessoas jurídicas (TSE, Representação n. 321796, Acórdão, Relator Ministro ALDIR GUIMARÃES PASSARINHO JUNIOR, DJE de 30.11.2010, pp. 7-8; RESPE n. 0000307-40.2016.6.13.0157, Decisão monocrática de 06.8.2018, Relator Ministro JORGE MUSSI, DJE de 14.8.2018, pp. 45-49).

Com base nesse entendimento, e de ofício, declaro extinta, sem resolução de mérito, a presente demanda quanto à COLIGAÇÃO ALVORADA NÃO PODE PARAR (MDB/PP/PL/PTB), relativamente à imputação de abuso de poder político e econômico, fundada no art. 22 da LC n. 64/90, por ilegitimidade passiva ad causam, forte no art. 485, inc. VI, do CPC.

Superadas essas questões prefaciais, prossigo no exame do mérito do recurso.

 

Mérito

A COLIGAÇÃO UNIDADE TRABALHISTA E POPULAR busca a reforma da sentença prolatada pelo magistrado da 74ª Zona Eleitoral de Alvorada que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) movida em face da COLIGAÇÃO ALVORADA NÃO PODE PARAR, JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL e VALTER LUIZ SLAYFER (eleitos prefeito e vice-prefeito no pleito de 2020 no referido município), LUIZA ROSANGELA DA SILVA FEIJÓ e MARCOS PAULO BARBOSA DA SILVA (candidatos suplentes ao cargo de vereador), sob o entendimento de ausência probatória da prática de abuso de poder político e econômico (art. 22, caput, da LC n. 64/90) e de condutas vedadas (art. 73, incs. I e VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97).

Inicialmente, cumpre delimitar o objeto da pretensão recursal.

Em suas razões, a coligação recorrente não impugnou o capítulo da sentença que refutou a ocorrência de autorização de publicidade institucional de atos ou serviços do Poder Executivo municipal (o qual, à época, se encontrava sob a chefia de JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL), conduta vedada aos agentes públicos nos três meses que antecederam as eleições de 2020, exceto no que respeita à propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, nos termos do art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97.

Por conseguinte, os fatos atinentes à publicação de notícias, no perfil institucional da Prefeitura de Alvorada na rede social Facebook, nos dias 25.9.2020 e 08.10.2020, divulgando a entrega de três novas viaturas à Guarda Municipal, destinadas ao policiamento ostensivo e preventivo no município, e ao encaminhamento de projeto de lei à Câmara de Vereadores, voltado a implementar medidas de economia para preservar o fundo de previdência dos servidores públicos municipais, não serão objeto de análise nesta instância recursal, por incidência do princípio tantum devolutum quantum appellatum, disposto no art. 1.013, caput, do CPC.

As condutas remanescentes, relativas à realização de evento em estabelecimento comercial com finalidade eleitoral e ao planejamento e execução de obras públicas com orçamento extraordinário pela Prefeitura de Alvorada serão examinadas, exclusivamente, sob o viés do abuso de poder político e econômico (art. 22 da LC n. 64/90) e da conduta vedada consistente no uso de recursos públicos pertencentes à administração municipal (art. 73, inc. I, da Lei Eleitoral). Por fim, cabe ainda analisar a suposta captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97) .

 

Realização de Campanha Eleitoral em Estabelecimento Comercial (Abuso de Poder Econômico)

O abuso de poder encontra-se normatizado no art. 22, caput e incs. XIV e XVI, da LC n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(...)

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

(...)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

 

Na lição de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral Essencial, São Paulo: Editora Método, 2018, pp. 228-229):

Haverá abuso sempre que, em um contexto amplo, o poder – não importa sua origem ou natureza – for manejado com vistas à concretização de ações irrazoáveis, anormais, inusitadas ou mesmo injustificáveis diante das circunstâncias que se apresentarem e, sobretudo, ante os princípios e valores agasalhados no ordenamento jurídico. Por conta do abuso, ultrapassa-se o padrão normal de comportamento, realizando-se condutas que não guardam relação lógica com o que normalmente ocorreria ou se esperaria que ocorresse. A análise da razoabilidade da conduta e a ponderação de seus motivos e finalidades oferecem importantes vetores para a apreciação e o julgamento do evento; razoável, com efeito, é o que está em consonância com a razão.

(...)

No Direito Eleitoral, o abuso de poder consiste no mau uso de direito, situação ou posição jurídicas com vistas a exercer indevida e ilegítima influência em dada eleição. Para caracterizá-lo, fundamental é a presença de uma conduta em desconformidade com o Direito (que não se limita à lei), podendo ou não haver desnaturamento dos institutos jurídicos envolvidos. No mais das vezes, há a realização de ações ilícitas ou anormais, denotando mau uso de uma situação ou posição jurídicas ou mau uso de bens e recursos detidos pelo agente ou beneficiário ou a eles disponibilizados, isso sempre com o objetivo de influir indevidamente em determinado pleito eleitoral.

 

As práticas abusivas, nas suas diferentes modalidades, não demandam prova da sua interferência no resultado da votação, mas, tão somente, da gravidade das condutas para afetar o equilíbrio entre os candidatos e, com isso, causar mácula à normalidade e à legitimidade da disputa eleitoral (TSE, AIJE n. 060177905, Acórdão, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJE de 11.3.2021), valores tutelados pelo art. 14, § 9º, da Constituição Federal:

Art. 14. (...)

(...)

§9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

(Grifei.)

 

No que respeita especificamente ao abuso de poder econômico, é necessário que a conduta abusiva tenha em vista processo eleitoral futuro ou em curso, concretizando ações ilícitas ou anormais das quais se denote o uso de recursos patrimoniais detidos, controlados ou disponibilizados ao agente, que extrapolem ou exorbitem, no contexto em que se verificam, a razoabilidade e a normalidade no exercício de direitos, e o emprego de recursos com o propósito de beneficiar determinada candidatura, provocando a quebra da igualdade de forças que deve preponderar no âmbito da disputa eleitoral.

Com essa sucinta contextualização normativa e jurisprudencial, passo ao exame da moldura fático-probatória.

Quanto ao suposto ato de abuso do poder econômico, restou demonstrado pelos prints extraídos do perfil do candidato a prefeito representado, na rede social Facebook (IDs 41494783, fls. 2 e 3, 41494933 e 41494983), que a visita a uma loja de materiais de construção, junto com a candidata Rosa Feijó, tratou-se de um verdadeiro ato de campanha eleitoral.

Reforça essa conclusão a circunstância de que a informação sobre a visita foi publicada na mesma página em que se dá publicidade aos atos de campanha do candidato, bem como a data do fato, em 31.10.2020, quinze dias antes do pleito, assim como os adesivos de propaganda eleitoral ostentados nas vestes dos candidatos presentes. Isso tudo demonstra claramente que o ato teve evidente conotação eleitoral.

Ademais, tal entendimento mostra-se corroborado pela publicação na página do candidato evidenciando que a visita ao estabelecimento ocorreu com a intenção de realizar verdadeiro ato de campanha, conforme se extrai da conversa com o proprietário do referido comércio e seus funcionários (IDs 41494933 e 41494983).

Transcrevo o conteúdo da publicação:

No dia de ontem [31.10.2020], também tive a oportunidade de me encontrar com dois dos nossos candidatos a vereador em Alvorada. Estive presente no comitê do Vereador Schumacher, conversando com seus apoiadores e com o próprio Vereador, sobre os projetos que queremos para o futuro da cidade. Já com a candidata, Rosa Feijó, visitei a loja de materiais de construção JP. Tivemos uma ótima conversa com o João (proprietário da loja) e seus colaboradores. Saindo do gabinete, ou abrindo as portas dele, e sempre conversando com pessoas de diferentes áreas para entender a situação da cidade. #Appolo15 #AppoloEValter #FazMelhor

Somado a isso, pelas imagens de IDs 41494983 e 41495083, de igual modo se verifica que muitos dos referidos colaboradores estão de pé e atentos ao interlocutor que discursava, no caso o Sr. João Carlos Nunes Gomes, proprietário da empresa, que foi ouvido em audiência (IDs 41497933, 41498133 e 41497733). Além disso, verifica-se que estão todos diante do candidato a prefeito e da candidata a vereadora, os quais protagonizavam claramente a reunião.

Do mesmo modo, conclui-se que o acesso privilegiado ao estabelecimento comercial foi claramente explicitado pela testemunha de defesa, Sr. João Carlos Nunes Gomes, que disse ser amigo da candidata a vereadora e que a havia convidado para a visita.

Todavia, ainda que comprovado que tal visita teve nitidamente a conotação de campanha eleitoral, tal fato não caracteriza o abuso econômico para fins eleitorais (art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar 64/90, c/c o art. 19, parágrafo único, do mesmo diploma legal e § 9º do art. 14 da CF/88), pois as circunstâncias não ostentam gravidade suficiente para afetar a normalidade e a legitimidade do pleito.

E nesse sentido colho a minuciosa análise realizada pelo douto Procurador Regional Eleitoral em seu parecer. Vejamos:

Primeiro, em seu aspecto qualitativo, não houve a comprovação do exato teor da conversa realizada, de maneira a evidenciar eventual coação do empregador para que os empregados e suas famílias dirigissem os seus votos aos candidatos ali presentes. Houve, de fato, um acesso privilegiado e uma consequente sugestão na formação de vontade daqueles que ali estavam por força do vínculo de emprego, porém nada que revele a gravidade de uma ameaça aos colaboradores.

Por outro lado, também se percebe, pelos mesmos registros fotográficos já referidos (IDs 41494983 e 41495083), que o grupo de pessoas presentes à reunião em que compareceram os candidatos é extremamente reduzido, sendo composto pelo candidato a prefeito e aparentemente pela candidata a vereadora, pelo proprietário da empresa e por cerca de dez pessoas além daquela que tirou a fotografia, não correspondendo, pelo aspecto quantitativo, a um número de pessoas que reproduza impacto suficiente para alterar o panorama final do pleito, o qual, segundo consulta ao sítio do TSE, contou com uma diferença de 290 votos em favor do investigado na eleição majoritária, bem como com 382 votos à candidata a vereadora.

Por consequência, ainda que tal fato possua conotação de utilização do poder econômico em proveito de determinadas candidaturas, concluo que não ostenta gravidade suficiente para afetar o bem jurídico tutelado pela Constituição e pela Lei Complementar n. 64/90, a ponto de justificar as severas consequências de cassação do diploma e declaração de inelegibilidade dos representados.

 

Planejamento e Execução de Obras Públicas com Orçamento Extraordinário pela Prefeitura de Alvorada (Abuso de Poder Político e Captação Ilícita de Sufrágio)

Cabe, inicialmente, a exclusão da prática de abuso de poder político, em virtude da total ausência de comprovação da alegada realização de obras públicas no Município com exorbitância na execução orçamentária, no ano eleitoral, visando à obtenção de vantagem eleitoral para o prefeito candidato à reeleição.

Isso porque as provas coligidas aos autos não trouxeram qualquer dado que pudesse demonstrar o alegado incremento de gastos do município com obras viárias no ano das eleições, o que permitiria a comparação com anos anteriores a fim de comprovar o ilícito.

Registro que a única prova trazida aos autos foi o Informativo do Diretório Municipal do MDB de Alvorada, com tiragem de cinquenta mil exemplares, no qual são divulgadas diversas obras já executadas ou em execução no município, com títulos como “Alvorada investe no maior programa de pavimentação e requalificação asfáltica”, “Alvorada construindo uma nova cidade junto a você”, “Alvorada está recebendo investimentos no plano de infraestrutura, asfaltamento e pavimentação comunitária por toda a cidade”, “Mais pavimentação, mais qualidade de vida, mais valorização de seu imóvel”, “Alvorada começa a ganhar um novo desenho urbano, com novas ruas pavimentadas”, acompanhados de fotografias e identificação das ruas contempladas (ID 41494883, fls. 1, 5, 6, 7 e 8).

Entretanto, o referido Informativo não se encontra datado, sendo inviável a conclusão de que tais obras são contemporâneas ou relativas a anos anteriores.

Além disso, conforme bem salientado pelo douto Procurador Regional Eleitoral:

(...) a alegação de que as obras teriam sido executadas todas no último ano do mandato do então prefeito foi expressamente impugnada na contestação, ocasião em que se afirmou que as melhorias urbanas vinham sendo realizadas ao longo dos últimos anos, somente havendo um período de contenção de gastos no início do governo, ante a afirmada situação crítica das finanças do município herdada da administração anterior.

As únicas obras datadas são aquelas que constam no Facebook do candidato a vereador Marcos Paulo (ID 41494783, fls. 7 e 8), as quais, contudo, são extremamente pontuais, abrangendo apenas duas obras aparentemente viárias e uma de instalação de iluminação em uma rua da cidade. Isso, por óbvio, não reflete a dimensão alegada na inicial, não representando senão obras de manutenção comuns ao andamento normal da máquina pública. Aliás, como já visto, tal fato não constituiu objeto do recurso interposto.

Desse modo, infere-se que os autores não se desincumbiram do seu ônus de comprovar os fatos trazidos na inicial, motivo pelo qual forçosa se mostra a conclusão pela manutenção da sentença de improcedência da ação quanto a este ponto.

Em relação à capação ilícita de sufrágio, está disciplinada no art. 41-A da Lei das Eleições, o qual tem a seguinte redação:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.     (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.   (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto.    (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação.   (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.

 

Como consabido, a captação ilícita de sufrágio somente se aperfeiçoa quando alguma das ações típicas elencadas no art. 41-A, caput, da Lei n. 9.504/97 (doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, ou praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), cometidas durante o período eleitoral, estiver, intrinsecamente, associada ao objetivo específico de agir do agente, consubstanciado na obtenção do voto de eleitor identificado ou identificável, sendo desnecessário que o ato ostente potencialidade para interferir no resultado do pleito (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Atlas, p. 725; TSE, AI n. 00018668420126130282/MG, Relator Ministro GILMAR FERREIRA MENDES, DJE de 02.02.2017, pp. 394-395).

A conduta não precisa ser praticada diretamente pelo candidato beneficiado, admitindo-se que este atue por interposta pessoa, desde que comprovada a sua ciência e anuência com o ilícito. Tampouco se exige demonstração inequívoca do pedido explícito de voto ao eleitor para a configuração do ilícito, bastando a comprovação do especial fim de agir do agente, voltado a corromper a formação da vontade do eleitor com o oferecimento de vantagem pessoal de qualquer natureza ou a imposição de violência ou grave ameaça.

No caso dos autos, os autores sustentam a ocorrência de captação ilícita de sufrágio em razão da informação trazida no material publicitário, veiculado pelo MDB de Alvorada, sobre “ruas que estão no planejamento para receber a pavimentação” (ID 41494883, fl. 7). Entendem que tal ato constituiria promessa buscando ilicitamente a contrapartida dos votos dos eleitores.

Entretanto, tal compreensão não se enquadra na conduta típica prevista no art. 41-A da LE, pois trata-se de uma promessa genérica, constituindo divulgação de uma previsão de obras de futura execução, sendo direcionada não a eleitores determináveis, senão à comunidade em geral, não havendo qualquer comprovação do condicionamento da execução dessas obras ao exercício do voto.

Desse modo, da própria descrição fática trazida na inicial é possível verificar que o fato não se enquadra nas hipóteses de captação ilícita de sufrágio.

Cabe ressaltar, ainda, que não constitui qualquer ilícito a divulgação, para fins eleitorais, da realização de obras viárias realizadas pela gestão municipal.

E como bem pontuou o douto Procurador Regional Eleitoral, “Da mesma forma que o candidato à reeleição está sujeito a críticas dos adversários em relação ao mandato em exercício, os quais podem trazer imagens na propaganda que comprovam a má gestão, os candidatos da situação podem tentar demonstrar aos eleitores que foram bons gestores da coisa pública, e isso pode ser feito por meio de imagens como as que constam nas propagandas dos representados”.

Por fim, registro que a Corte Eleitoral Superior consolidou orientação de que a prova das condutas abusivas e da sua gravidade, para provocar o desvirtuamento das forças atuantes na disputa dos cargos eletivos, não pode ser alicerçada em meras conjecturas ou presunções do órgão julgador, que, diante de acervo probatório frágil ou fundada dúvida acerca do cometimento de captação ilícita de sufrágio e de condutas abusivas, deve afastar o juízo condenatório e a imposição das gravosas sanções cominadas no art. 41-A da Lei das Eleições e no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90, como extraio das ementas a seguir transcritas:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO E POLÍTICO E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.

1. O Tribunal Regional Eleitoral, por maioria, deu provimento parcial a recurso eleitoral para reformar a sentença e julgar parcialmente procedente a AIJE, reconhecendo a prática de captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei 9.504/97 e, consequentemente, impondo aos ora recorrentes a cassação dos diplomas e a aplicação de multa.

2. Por meio de decisão monocrática, foi dado parcial provimento a recurso especial interposto pelos candidatos eleitos a Prefeito e Vice-Prefeita, nas Eleições de 2016, reformando-se o acórdão e afastando-se a condenação decorrente da compra de voto de dois eleitores.

3. Interposto agravo regimental pela coligação adversária no qual se alega que a decisão agravada teria reexaminado fatos e provas, contrariando a orientação cristalizada no verbete sumular 24 do TSE, além de que estaria comprovada a prática de captação ilícita de votos, conforme os documentos e depoimentos constantes dos autos.

4. Possibilidade de reenquadramento jurídico do quadro fático retratado no acórdão regional, a partir dos votos nele lançados, sem que isso importe em reexame da prova produzida no processo. Precedentes.

5. A moldura fática do acórdão regional é igualmente composta pelos votos vencidos, conforme prescreve o § 3º do art. 941 do Código de Processo Civil.

6.  As provas acerca da prática dos ilícitos são frágeis e a conclusão de que teria havido anuência dos candidatos baseou-se em mera presunção.

7. A condenação por captação ilícita de sufrágio (Lei 9.504/97, art. 41-A) exige a demonstração da participação ou anuência do candidato, que não pode ser presumida. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 44944, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 12.8.2019.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. DEPUTADO FEDERAL. SUPOSTO ABUSO DE PODER ECONÔMICO. PROVA ROBUSTA E GRAVIDADE DOS FATOS. INEXISTÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. Inexiste ofensa ao art. 36, § 7º do RITSE, amparada a decisão na legislação aplicável à espécie e na jurisprudência deste Tribunal.

2. Imprescindível para a configuração do abuso de poder prova inconteste e contundente da ocorrência do ilícito eleitoral, inviabilizada qualquer pretensão articulada com respaldo em conjecturas e presunções. Precedentes.

3. Além disso, a quantia de R$ 10.300,00 (dez mil e trezentos reais), ainda que utilizada com o escopo de obter apoio político, é incapaz de afetar os bens jurídicos da normalidade e legitimidade, bem como da isonomia entre os candidatos, considerando o contexto de eleições gerais para o cargo de Deputado Federal, com abrangência em todo o estado da federação.

4. Agravo Regimental desprovido.

(RO n. 060000603, Acórdão, Relator(a) Ministro ALEXANDRE DE MORAES, DJE de 02.02.2021.) (Grifei.)

 

Por esses motivos, na esteira do posicionamento da Procuradoria Regional Eleitoral, uma vez constatada a escassez e a precariedade dos elementos probatórios coligidos aos autos, deve ser mantido o juízo de improcedência da demanda com relação à prática de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico e político pelos demandados.

Diante do exposto, VOTO, preliminarmente, para afastar a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam da COLIGAÇÃO UNIDADE TRABALHISTA E POPULAR (PT/PDT/PC do B), assim como para, de ofício, declarar extinta a presente demanda sem resolução de mérito quanto à COLIGAÇÃO ALVORADA NÃO PODE PARAR (MDB/PP/PL/PTB), relativamente à imputação de abuso de poder político e econômico (art. 22, caput, da LC n. 64/90), em virtude da sua ilegitimidade passiva ad causam, com fundamento no art. 485, inc. VI, do CPC. No mérito, VOTO para negar provimento ao recurso interposto pela COLIGAÇÃO UNIDADE TRABALHISTA E POPULAR (PT/PDT/PC do B), mantendo a sentença prolatada pelo Juízo da 74ª Zona Eleitoral de Alvorada que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) movida em face da COLIGAÇÃO ALVORADA NÃO PODE PARAR (MDB/PP/PL/PTB), JOSÉ ARNO APPOLO DO AMARAL, VALTER LUIZ SLAYFER, LUIZA ROSANGELA DA SILVA FEIJÓ e MARCOS PAULO BARBOSA DA SILVA, nos termos da fundamentação.

É como voto, Senhor Presidente.