REl - 0600344-39.2020.6.21.0065 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/01/2022 às 14:00

VOTO

As contas foram desaprovadas em razão do recebimento de recursos de origem não identificada, devido a um depósito em espécie no valor de R$ 2.117,00.

No caso dos autos, o extrato bancário da conta de campanha apresenta depósito em dinheiro no valor de R$ 2.117,00 (17.11.2020), cujo depositante foi identificado com o CPF do próprio candidato, em contrariedade ao art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece o limite de R$ 1.064,09 para depósitos bancários em espécie:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

§ 6º É vedado o uso de moedas virtuais para o recebimento de doações financeiras.

Embora o comprovante de depósito aponte como doador o CPF do próprio candidato, o qual apresenta capacidade financeira para a doação, está correta a conclusão do juízo a quo, cujas razões cumpre transcrever, no sentido de que o recurso não está com a origem devidamente identificada:

[…]

Intimado a apresentar manifestação quanto aos apontamentos do exame de contas, o candidato apresentou manifestação. Em suas alegações, afirma que embora o depósito tenha sido realizado de forma equivocada, a capacidade financeira do prestador de contas estaria comprovada através de saque no mesmo montante em data posterior na conta pessoa física do candidato.

A unidade técnica de exame elaborou parecer conclusivo em que se manifesta pela desaprovação de contas e pelo recolhimento do valor de R$ 2.117,00 (dois mil cento e dezessete reais), referente a deposito em desacordo com o disposto no §3 do Art. 21 da Resolução TSE n.º 23.607/19, na data de 17/11/2021.

[...]

No caso de utilização de tais recursos, não é possível considerar que a demonstração da capacidade financeira regulariza o fato, cabendo o recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme o §4, do Art. 21 da Resolução TSE n.º 23.607/19

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

[...]

Ressalto que é firme o posicionamento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o mero depósito identificado é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, em virtude da ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e da natureza essencialmente declaratória desse ato bancário:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INCONFORMISMO. RESSARCIMENTO. VALORES DE DOAÇÃO. TESOURO NACIONAL.
1. A atual jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que as doações acima de R$ 1.064,10 devem ser feitas mediante transferência eletrônica, nos exatos termos do art. 18, § 1º, da Res.-TSE 23.463, e o descumprimento da norma regulamentar não é reputado como falha meramente formal. Nesse sentido, já se assentou que “a aceitação de doações eleitorais em forma diversa da prevista compromete a transparência das contas de campanha, dificultando o rastreamento da origem dos recursos” (AgR-REspe 313-76, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 3.12.2018).
(...)
3. Em face da jurisprudência consolidada no tema, se não se admite a realização de depósito na "boca do caixa" para fins de prova da origem de doação, também a mera emissão do recibo eleitoral pelo candidato não possibilita, por si só, comprovar tal fato, o que ocorre justamente pela providência alusiva à transferência eletrônica entre contas bancárias, modalidade preconizada na resolução destinada a possibilitar a confirmação das informações prestadas.
Agravo regimental a que se nega provimento.
(Recurso Especial Eleitoral n. 25476, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data: 02.8.2019.) (Grifei.)

Consigno, a tal respeito, que a Corte Superior entende que a obrigação de as doações acima de R$ 1.064,09 serem realizadas mediante transferência bancária não se constitui em mera exigência formal, sendo que o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas, consoante precedente a seguir colacionado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. EXIGÊNCIA. ART. 18, § 1º DA RES. TSE Nº 23.463/2015. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.
(...)
2. Nas razões do regimental, o Parquet argumenta que não foi observado o art. 18, § 1º, da Res.-TSE nº 23.463/2015, segundo o qual "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação". 3. A Corte Regional, soberana na análise dos fatos e provas, atestou a identificação da doadora do valor apontado como irregular por meio do número do CPF impresso no extrato eletrônico da conta de campanha.
4. Consoante decidido nesta sessão, no julgamento do AgR-REspe nº 265-35/RO, a maioria deste Tribunal assentou que a exigência de que as doações acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) sejam feitas mediante transferência eletrônica não é meramente formal e o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.
(...)
7. Agravo regimental acolhido para dar provimento ao recurso especial, com determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

(Recurso Especial Eleitoral n. 52902, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 250, Data: 19.12.2018, pp. 92 - 93.) (Grifei.)

No caso dos autos, inexiste comprovação adicional mínima sobre a origem dos recursos ou por qual motivo não foram realizados depósitos por transferências bancárias de modo conjunto, impossibilitando que a falha seja relevada.

O recorrente colacionou junto à peça recursal (ID 44410033 – p. 4) o extrato de conta bancária pessoal aberta em seu nome no Banco Itaú, Ag. 1606, conta n. 14841-7, referente aos dias 03 a 30 de novembro de 2020, com o qual pretende demonstrar sua capacidade financeira e a origem da quantia recebida.

Entretanto, pela análise do extrato bancário da conta pessoal do candidato, verifica-se que não houve nenhum saque, entre os dias 03 e 17.11.2020, que demonstrasse a origem do recurso para o depósito em espécie na data de 17.11.2020 em sua conta de campanha.

Por tal razão, qualquer saque de sua conta pessoal, posterior a essa data, é irrelevante para demonstrar a origem do recurso.

Ademais, na conta de campanha, após o depósito em espécie efetuado no dia 17.11.2020, houve a compensação de três cheques, nos valores de R$ 500,00 (17.11.2020), R$ 1.309,00 (17.11.2020) e R$ 308,00 (17.11.2020), os quais demonstram a utilização do montante recebido de forma irregular.

Tais dados estão disponíveis no Divulga Cand Contas, no seguinte endereço: <https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/86819/210000788056/extratos>.

Consequentemente, não há como constatar, pela documentação trazida aos autos, as teses recursais de que o valor depositado na conta de campanha tem origem em recursos próprios e de que o candidato tentou devolver o dinheiro para sua conta pessoal em data posterior ao uso da quantia apontada como irregular.

A utilização do valor irregularmente depositado em dinheiro contraria o disposto no § 3º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, que determina a não utilização de quantias recebidas de forma diversa do que prescreve o art. 21, caput e seus incisos, sendo considerados RONI caso utilizados.

Tal exigência normativa visa assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino) recebidos pelos candidatos, o que resta comprometido quando a operação é efetuada por meio diverso, como realizado pelo recorrente.

O raciocínio é que o descumprimento da obrigatoriedade de transferência bancária ou de cheque nominal cruzado não fica suprido pela realização de depósito em espécie identificado por determinada pessoa, circunstância que não se mostra apta a comprovar a efetiva origem do valor, devido à ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário.

Friso que não se discute a capacidade financeira do candidato, mas a falta de observância da norma eleitoral que determina que doações acima de R$ 1.064,09, inclusive com recursos próprios, devam ser efetuadas pelo sistema bancário.

Destarte, o depósito em dinheiro igual ou acima de R$ 1.064,10, mesmo no caso de ser identificado com CPF, ainda que do próprio candidato, é meio incapaz de comprovar a efetiva origem da receita, em razão da natureza essencialmente declaratória do ato.

E por isso, ainda que o prestador, em suas razões, alegue equívoco no procedimento, o fato de o comprovante de depósito estar identificado com o seu CPF não afasta a irregularidade.

Não se trata de análise da boa ou má-fé dos prestadores, ou de hipótese de malversação e desvio dos recursos públicos recebidos, mas de manifesto e injustificável descumprimento de norma eleitoral aplicável a todos os candidatos.

Dessa forma, as razões recursais e a documentação acostada às contas são insuficientes para sanar a irregularidade em questão.

No caso concreto, tendo em conta que o depósito em dinheiro realizado na conta bancária caracteriza recursos de origem não identificada, a quantia recebida deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nesses termos, o recurso não comporta provimento, em virtude da irregularidade de R$ 2.117,00, quantia que representa 77,29% das receitas financeiras, no montante de R$ 2.738,95, e ultrapassa o valor de parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a Resolução TSE n. 23.607/19 considera módico.

Com essas observações, não é adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois a falha é grave e compromete de forma insanável a confiabilidade da movimentação financeira.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso para manter a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento de R$ 2.117,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.