REl - 0600758-08.2020.6.21.0010 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/01/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Do Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença proferida pelo Juízo Eleitoral da 10ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas de JEREMIAS OLIVEIRA MADEIRA, candidato ao cargo de vereador nas eleições de 2020, no Município de Cachoeira do Sul, em razão do pagamento de despesas eleitorais, no total de R$ 1.468,00, com verbas da conta “Outros Recursos”, sem a observância da regra que exige a utilização de cheque nominal e cruzado.

O parecer conclusivo identificou despesas pagas por meio de cheques não cruzados e não nominais aos fornecedores declarados, os quais foram sacados diretamente no caixa bancário (ID 38130133), com as seguintes considerações:

Identificada a realização de gastos de campanha pelo candidato, sem a observância da forma correta para pagamento das despesas.

Despesas:

26.10.2020 – R$ 480,00 – Operação Saque Eletrônico;

30.10.2020 – R$ 368,00 – Operação Saque Eletrônico;

06.11.2020 – R$ 620,00 – Operação de Saque Eletrônico.

[...].

Registro que, analisando a documentação, as ordens de pagamento não são nominais ao fornecedor ROSSI SILVA LTDA (indicado nos documentos fiscais apresentados). Figuram como destinatários dos importes: GISELE DUTRA E SILVA MACHADO e EDUARDO FERREIRA SOUZA.

Em consulta ao quadro social da empresa pode-se constatar que GISELE DUTRA E SILVA MACHADO é sócia na empresa fornecedora, o que não se aplica a EDUARDO FERREIRA DE SOUZA.

Em sendo assim, tendo havido inobservância do disposto no art. 38, I, da Res. do TSE n. 23.607/2019, ausência de identificação da contraparte nos extratos bancários e eletrônicos, confirmação de saque da quantia diretamente na conta bancária por destinatário desconhecido (sem vínculo com o fornecedor) e repasse de cheque nominal (sem a observância da forma cruzada) em quantia que totalizou (R$ 1468,00) 58,25% do total de receita do candidato, a irregularidade se confirma nas contas e, pelo percentual de implicância no total da movimentação, enseja sua desaprovação.

 

Em suas razões, o recorrente admitiu a emissão de cheques não nominais ao fornecedor ROSSI & SILVA LTDA. e, igualmente, não cruzados.

Entretanto, o candidato afirma que comprovou a realização das despesas e o destino dos recursos, juntando aos autos microfilmagem dos cheques e declaração do Sr. Eduardo Ferreira de Souza reconhecendo que realizou o desconto da ordem de pagamento, no valor de R$ 480,00, vinculado à nota fiscal n. 202000000000310, emitida pela empresa por serviços prestados ao recorrente.

Em relação ao pagamento de despesas de campanha eleitoral, dispõe o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I – cheque nominal cruzado;

II – transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III – débito em conta; ou

IV – cartão de débito da conta bancária.

 

A exigência normativa relacionada ao meio de pagamento a ser utilizado pelos candidatos impõe o trânsito dos valores entre contas, possibilitando que se verifique se os recursos foram realmente direcionados ao contratado indicado na documentação contábil e permitindo a rastreabilidade das quantias empregadas, bem como a confrontação da sua movimentação com informações de outros órgãos do Sistema Financeiro Nacional.

Em especial, considerando a modalidade de pagamento por cheque, é possível constatar que o regulamento eleitoral tem se preocupado cada vez mais em identificar o recebedor dos valores e restringir a livre circulação do documento de crédito.

Tal conclusão é autorizada pela alteração da redação do dispositivo pertinente: para as eleições 2018, o art. 40, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17 estabelecia a possibilidade de utilização de “cheque nominal”, enquanto para as eleições 2020, como se transcreveu acima, a exigência é de “cheque nominal cruzado” no dispositivo equivalente (art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19).

In casu, verifica-se que o cheque n. 0001, no valor de R$ 480,00, está nominal para o Sr. Eduardo Ferreira de Souza. Ainda, o cheque n. 0003, no montante de R$ 368,00, e o cheque n. 0004, no valor de R$ 620,00, estão nominais para a Sra. Gisele Dutra e Silva Machado (ID 38130083).

O fato de a Sra. Gisele Dutra e Silva Machado ser sócia da empresa fornecedora não garante que os recursos empregados em campanha foram efetivamente destinados à pessoa jurídica contratada.

Por corolário do princípio da autonomia da pessoa jurídica, alicerce do direito societário, a personalidade e o patrimônio dos sócios não se confundem com os da empresa ROSSI SILVA LTDA., de modo que não é possível atestar a regularidade dos pagamentos efetuado.

No tocante à cártula n. 001, é inequívoco que restou emitida em nome de pessoa estranha à relação entre o candidato e a empresa contratada, qual seja, o Sr. Eduardo Ferreira de Souza (ID 38131183).

Em sua defesa, o prestador explica que o cheque em questão foi descontando pelo motoboy que presta serviços à empresa, acostando, em acréscimo, declaração do suposto sacador e da empresa fornecedora sobre o recebimento da quantia (IDs 38131233 e 38131283).

Entretanto, conforme a diretriz jurisprudencial deste Tribunal, a mera declaração firmada por terceiro, suposto beneficiário do cheque, afirmando que o valor foi repassado, não supre a necessidade de que o lastro do pagamento seja registrado na própria operação bancária de crédito.

Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PROPORCIONAL. DESAPROVAÇÃO. MULTA. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. APLICAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. GASTOS COM CHEQUES EM DESACORDO COM A NORMA DE REGÊNCIA. OMISSÃO DE DESPESAS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. ARGUMENTAÇÃO DA RECORRENTE INSUFICIENTE. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ, BAIXO VALOR DA FALHA, DECLARAÇÃO UNILATERAL E EQUÍVOCO DE LANÇAMENTOS INCAPAZES DE SANAR OS ERROS. VALOR DAS IRREGULARIDADES IRRISÓRIO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. MANUTENÇÃO DA MULTA A SER RECOLHIDA AO FUNDO PARTIDÁRIO E DO RECOLHIMENTO DE RONI AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas da recorrente e a condenou ao pagamento de multa, por ter extrapolado o limite legal de gastos com financiamento próprio, e ao recolhimento de valores, a título de recursos de origem não identificada, ao Tesouro Nacional.

2. Aporte de recursos da candidata em quantia superior ao limite de 10% previsto para gastos de campanha no cargo em disputa, nos termos do art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Argumentação recursal quanto à ausência de má-fé e insignificância da cifra irregular incapaz de afastar o equívoco na contabilidade de campanha. Falha de natureza objetiva, bastando para caracterizá-la que o teto legal seja ultrapassado. Multa mantida.

3. Pagamento, via cheque, de forma distinta da prevista no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Cártula emitida de modo não cruzado e nominal, contrariando o normativo legal. Documentação unilateral acostada aos autos insuficiente para demonstrar o real destino dos recursos de campanha, conforme jurisprudência. Manutenção da irregularidade quanto à forma de pagamento utilizada.

4. Omissão de despesas, em afronta ao art. 53, inc. I, als. “g” e “i”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Emitida nota fiscal, não declarada, contra a prestadora. Carece de razoabilidade a alegação da recorrente no sentido de que a falha de lançamento de gasto com combustível se deu por tratar-se de abastecimento de veículo pessoal, visto que registrados na contabilidade outros gastos da mesma natureza. Sonegada a despesa, inviável a aferição da importância destinada à quitação do dispêndio, caracterizando a quantia como recurso de origem não identificada - RONI, na dicção do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19. Recolhimento ao erário.

5. As irregularidades representam 38,61% do total auferido, mas perfazem montante inferior ao parâmetro legal considerado para definir a quantia como irrisória, delimitado pelos arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, permitindo, diante do valor diminuto, a aprovação das contas com ressalvas. Precedentes.

6. Reforma da sentença para aprovar com ressalvas as contas, mantidas a necessidade de recolhimento de multa ao Fundo Partidário e do valor, a título de RONI, ao Tesouro Nacional.

 7. Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n 060043430, ACÓRDÃO de 29.7.2021, Relator: MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.) (Grifei.)

 

Além disso, em consulta ao Sistema DivulgaCand (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/85596/210000988134/extratos), verifica-se, no extrato bancário eletrônico, que não consta o CPF/CNPJ da contraparte que teria descontado os cheques em testilha.

É incontroverso, assim, que todas as ordens de pagamento em discussão foram emitidas sem cruzamento e foram sacadas na “boca do caixa”, o que, por si, é suficiente para inviabilizar o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir controle, transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha.

Nesse sentido, colho excerto do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, da lavra do ilustre Dr. Fábio Nesi Venzon, adotando-o como razões de decidir:

Com efeito, tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento dos valores, apontando-se, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Por outro lado, se os valores não transitam pelo sistema financeiro nacional, é muito fácil que sejam, na realidade, destinados a pessoas que não compuseram a relação indicada como origem do gasto de campanha. É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes distintas, que permite, nos termos da Resolução, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes.

 

Assim, tendo em vista que não houve a identificação da contraparte nos extratos eletrônicos da conta de campanha, merecem ser mantidas integralmente as irregularidades relativas aos pagamentos em questão.

 

Conclusão

No caso concreto, portanto, a irregularidade verificada alcança o somatório de R$ 1.468,00,00, que representa, aproximadamente, 58,25% dos recursos arrecadados pelo candidato (R$ 2.520,00), importâncias relativa e nominal que inviabilizam a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo integralmente a sentença que desaprovou as contas de Jeremias Oliveira Madeira, relativas ao pleito de 2020.