REl - 0600215-60.2020.6.21.0121 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/01/2022 às 14:30

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Do Mérito

As contas do recorrente foram desaprovadas, com a determinação de recolhimento ao erário da quantia de R$ 1.230,00, com base no parecer técnico conclusivo (ID 41747133), no qual foram indicadas as irregularidades que consistem em: a) doação de recursos próprios que superam o valor do patrimônio financeiro declarado por ocasião do registro de candidatura; e b) recebimento de doação em espécie em valor superior a R$ 1.064,10, sem observância ao disposto no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Passo a analisar, individualmente, as falhas apontadas pelo órgão técnico.

 

a) Doação de Recursos Próprios que Superam o Valor do Patrimônio Financeiro Declarado por Ocasião do Registro de Candidatura

O magistrado a quo, reconhecendo que o recorrente aportou recursos próprios em favor de sua campanha eleitoral, no valor de R$ 1.230,00, e que não havia sido declarado patrimônio por ocasião do registro de candidatura, entendeu caracterizado o recebimento de recursos de origem não identificada, julgando desaprovadas as contas e determinando o recolhimento ao erário da quantia considerada irregular, nos termos dos arts. 15, inc. I, 32 e 61 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Inconformado, o recorrente alega que utilizou recursos próprios provenientes dos valores mensais que recebe na sua atividade laborativa como vigilante, declarada, inclusive, no seu requerimento de registro de candidatura. Ainda, informa que o depósito foi realizado no final da campanha porque somente nesse momento é que conseguiu se organizar financeiramente para aplicar o valor.

Cumpre registrar que a ausência de declaração de bens na fase do registro de candidatura não significa inexistência de renda, porque a capacidade econômica dos candidatos tende a acompanhar o dinamismo do exercício de atividades laborais ao longo do tempo, não se confundindo, exclusivamente, com a manutenção de patrimônio acumulado.

Nesse sentido, colaciono julgado deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. USO DE RECEITAS PRÓPRIAS NA CAMPANHA ELEITORAL. DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PATRIMÔNIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. REMUNERAÇÃO MENSAL. CAPACIDADE FINANCEIRA COMPROVADA. VALOR MÓDICO. NÃO SUJEITO À CONTABILIZAÇÃO. ART. 43 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. INFERIOR A 10% DO LIMITE DE ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

1. Irresignação em face da sentença que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento ao Tesouro Nacional. Utilização de recursos próprios de candidato que  havia declarado ausência de patrimônio por ocasião do registro de candidatura, restando assim caracterizados como de origem não identificada.

2. O uso de recursos financeiros próprios em campanha em montante superior ao patrimônio declarado no registro de candidatura não é motivo suficiente, por si só, para desaprovar contas, quando compatível com a realidade financeira de candidato que declara sua ocupação. A situação patrimonial do candidato declarada no momento do registro da candidatura não se confunde com a sua capacidade financeira, a qual tende a acompanhar o dinamismo próprio do exercício de atividades econômicas, relacionando-se mais diretamente ao percebimento de renda, e não à titularidade de bens e direitos.

3. Agrega-se, ainda, o fato de que a monta do aporte em questão é inferior ao valor de R$ 1.064,10, que qualquer eleitor pode despender pessoalmente em favor de candidato, sem sujeição à contabilização, nos termos do art. 43 da Resolução TSE n. 23.607/19. Além disso, consoante prescreve o art. 10, § 8º, do mesmo diploma normativo, a aferição do limite de doação eleitoral por pessoas físicas, equivalente a 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao do pleito, quando se tratar de contribuinte dispensado da apresentação de Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda, deve ser realizada com base no limite de isenção previsto para o exercício financeiro do ano da eleição.

4. Descabe tomar-se como recursos de origem não identificada as verbas próprias vertidas à campanha pelo candidato. Dessa forma, inexistindo irregularidades no ajuste contábil, devem ser aprovadas as contas.

 5. Provimento.

(Recurso Eleitoral n 060039542, ACÓRDÃO de 21.09.2021, Relator: DES. ELEITORAL AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico.) (Grifei.)

 

O recorrente não apresentou documentação com a finalidade de demonstrar os ganhos salariais obtidos. Entretanto, no requerimento de registro de candidatura, informou a profissão de vigilante, conforme consulta ao Sistema DivulgaCandContas do Tribunal Superior Eleitoral (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87017/210001069275).

No caso, essa declaração é suficiente para justificar a existência de renda durante a campanha, pois, considerando a natureza do trabalho, muitas vezes exercido de maneira informal, a comprovação documental dos salários mensais pode representar ônus probatório intransponível ao prestador.

Vê-se, também, que o aporte em questão é módico e seria compatível com os rendimentos do prestador, ainda que presumidos na ordem de um salário mínimo mensal.

Ainda, no caso dos autos, a quantia de R$ 1.230,00 aplicada na campanha é próxima ao valor de R$ 1.064,10, que qualquer eleitor pode despender pessoalmente em favor de candidato, sem sujeição à contabilização, nos termos do art. 43 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Além disso, consoante prescreve o art. 27, § 8º, do mesmo diploma normativo, a aferição do limite de doação eleitoral por pessoas físicas, equivalente a 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao do pleito quando se tratar de contribuinte dispensado da apresentação de Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda, deve ser realizada com base no limite de isenção previsto para o exercício financeiro do ano da eleição.

Portanto, sequer seria razoável ou proporcional considerar que o recorrente teria capacidade financeira ficta para doar a outros candidatos até o valor de R$ 2.855,97, mas que, por ausência de comprovação de patrimônio ou renda, não poderia injetar em sua própria campanha o montante de R$ 1.127,50.

Nessa senda, o uso de recursos financeiros próprios em montante superior ao patrimônio declarado no registro de candidatura não é motivo suficiente, por si só, para desaprovar contas, quando compatível com a realidade financeira de candidato que declara sua ocupação, como na hipótese, na esteira do entendimento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVAÇÃO. USO DE RECURSOS FINANCEIROS PRÓPRIOS EM CAMPANHA EM MONTANTE SUPERIOR AO PATRIMÔNIO DECLARADO. COMPATIBILIDADE. REALIDADE FINANCEIRA E OCUPAÇÃO DO CANDIDATO. VALOR ÍNFIMO. DESPROVIMENTO.

1. O uso de recursos financeiros próprios em campanha em montante superior ao patrimônio declarado no registro de candidatura não é motivo suficiente, por si só, para desaprovar contas, quando compatível com a realidade financeira de candidato que declara sua ocupação. Precedentes.

2. No caso dos autos, embora o TRE/CE tenha assentado a existência de outras irregularidades que ensejaram a rejeição do ajuste contábil, consignou, especificamente quanto ao tema, que a renda mensal do candidato, declarada no valor de R$ 2.000,00, possibilitou a doação de recursos próprios no montante de R$ 2.500,00, e que a hipótese não cuida de recursos de origem não identificada.

3. Concluir em sentido diverso demandaria reexame de fatos e provas, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.

4. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 35885, Acórdão, Relator: MIN. JORGE MUSSI, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 61, Data 29.3.2019, pp. 64-65.) (Grifei.)

 

Dessa forma, deve ser afastada a irregularidade e, por consequência, também a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional com base no recebimento de autofinanciamento superior ao patrimônio declarado no registro de candidatura.

 

b) Recebimento de Doação por Depósito em Espécie em Valor Superior a R$ 1.064,10

Em relação à segunda irregularidade, a sentença reconheceu que o aporte de R$ 1.230,00 foi recebido por meio de depósito em espécie, em contrariedade ao art. 21, inc. I, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece o limite de R$ 1.064,09 para tal modalidade de transação bancária, sendo-lhe, assim, determinado o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional por configuração de recursos de origem não identificada, na forma do art. 32, § 1º, inc. IV, da aludida Resolução.

Em suas razões, o candidato admite o descumprimento da norma, mas alega que não lhe restou outra alternativa para honrar seus gastos eleitorais, pois não possui contas bancárias e não poderia fazer depósito em conta de terceiros para depois realizar a transferência para a sua conta de campanha, o que poderia caracterizar irregularidade/fraude.

Não assiste razão ao recorrente.

Segundo dispõem os §§ 1º e 4º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, as doações em montante igual ou superior a R$ 1.064,10 devem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal, devendo os valores ser recolhidos ao Tesouro Nacional, caso haja utilização dos recursos recebidos em desacordo com o estabelecido no dispositivo, ainda que identificado o doador.

O escopo da norma é possibilitar o cruzamento de informações com o Sistema Financeiro Nacional, de modo a permitir que a fonte declarada seja confirmada por meio dos mecanismos técnicos de controle da Justiça Eleitoral.

Embora o depósito tenha sido realizado com a anotação do CPF do presumido doador, é firme o posicionamento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o mero depósito identificado é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato bancário:

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. DOAÇÃO. PESSOA FÍSICA. DEPÓSITO. ART. 18, §§ 1º E 3º, DA RES.-TSE 23.463/2015. PERCENTUAL EXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. A teor do art. 18, §§ 1º e 3º, da Res.-TSE 23.463/2015, doações de pessoas físicas para campanhas, em valor igual ou superior a R$ 1.064,10, devem ser obrigatoriamente realizadas por meio de transferência eletrônica, sob pena de restituição ao doador ou de recolhimento ao Tesouro Nacional na hipótese de impossibilidade de identificá-lo.

2. Na espécie, é incontroverso que os candidatos, a despeito da expressa vedação legal, utilizaram indevidamente recursos financeiros R$ 5.000,00, o que corresponde a 16% do total de campanha oriundos de depósito bancário, e não de transferência eletrônica, o que impediu que se identificasse de modo claro a origem desse montante.

3. A realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua efetiva origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes, com destaque para o AgR-REspe 529-02/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 19.12.2018.

4. Concluir em sentido diverso especificamente quanto à alegação de que as irregularidades não comprometeram a lisura do ajuste ou de que houve um erro formal do doador demandaria reexame do conjunto probatório, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.

5. Inaplicáveis os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois se trata de falha que comprometeu a transparência do ajuste contábil. Precedentes.

6. Descabe conhecer de matéria alusiva ao desrespeito aos princípios da isonomia e legalidade (art. 5º, caput e II, da CF/88), porquanto cuida-se de indevida inovação de tese em sede de agravo regimental.

7. Agravo regimental desprovido.

(TSE – AgR-REspe n. 251-04, Relator: MIN. JORGE MUSSI, julgado em 19.3.2019, publicado no DJE, tomo 66, de 05.4.2019, pp. 68-69.) (Grifei.)

 

Consigno, a tal respeito, que a Corte Superior entende que a obrigação de as doações acima de R$ 1.064,09 serem realizadas mediante transferência bancária não se constitui em mera exigência formal, sendo que o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas, consoante precedente a seguir colacionado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. EXIGÊNCIA. ART. 18, § 1º DA RES. TSE Nº 23.463/2015. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.

1. In casu, trata-se de prestação de contas relativa às eleições de 2016 em que o candidato ao cargo de vereador recebeu doação de recursos para sua campanha, por meio de depósito bancário, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

2. Nas razões do regimental, o Parquet argumenta que não foi observado o art. 18, § 1º, da Res.-TSE nº 23.463/2015, segundo o qual "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação". 3. A Corte Regional, soberana na análise dos fatos e provas, atestou a identificação da doadora do valor apontado como irregular por meio do número do CPF impresso no extrato eletrônico da conta de campanha.

4. Consoante decidido nesta sessão, no julgamento do AgR-REspe nº 265-35/RO, a maioria deste Tribunal assentou que a exigência de que as doações acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) sejam feitas mediante transferência eletrônica não é meramente formal e o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.

5. Considerando a maioria formada no presente julgamento nos mesmos termos do paradigma supracitado, reajusto o meu voto no caso vertente a fim de dar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral para condenar o recorrido a recolher aos cofres públicos o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

6. A desaprovação das contas em virtude de eventual gravidade da irregularidade mostra-se inaplicável na espécie, em respeito ao princípio da congruência, uma vez que referida pretensão não foi objeto do recurso especial.

7. Agravo regimental acolhido para dar provimento ao recurso especial, com determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

(Recurso Especial Eleitoral n. 52902, Acórdão, Relator: MIN. TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 250, Data 19.12.2018, pp. 92/93.) (Grifei.)

Assim, cumpria ao candidato adotar as providências necessárias para o escorreito cumprimento das normas de movimentação de recursos de campanha, inclusive em relação à eventual abertura de conta bancária pessoal que lhe permitisse o autofinanciamento eleitoral.

Nesse trilhar, o TSE já assentou que “a ratio essendi da norma é identificar a origem de recurso arrecadado, com o rastreamento a partir da transferência eletrônica efetivada entre estabelecimentos bancários” (Recurso Especial Eleitoral n. 26535, Relatora designada: MIN. ROSA WEBER, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 20.11.2018, p. 32).

Não se olvida que este Tribunal Regional tem arrefecido o rigor dessas disposições normativas quando o prestador, por outros meios, atinge o fim colimado pela norma, qual seja, a demonstração segura da origem dos recursos, mormente por meio do oferecimento de comprovantes de saque em dinheiro da conta-corrente do doador e imediato depósito em espécie na conta de campanha, demonstrando que a operação de transferência bancária restou meramente decomposta em um saque seguido incontinenti de um depósito na mesma data.

Entrementes, na hipótese vertente, inexiste comprovação adicional mínima sobre a origem dos recursos, impossibilitando que a falha seja relevada.

Portanto, a configuração da irregularidade, que afeta a transparência das contas, e a necessidade de recolhimento aos cofres públicos da importância eivada de mácula, porquanto efetivamente empregada pelo candidato em sua campanha.

 

Do Percentual da Irregularidade Constatada

Considerando-se que a falha apontada (R$ 1.230,00) representa 100% das receitas declaradas pelo candidato, não há que se falar em proporcionalidade, razoabilidade ou insignificância para aprovar as contas com ressalvas, devendo a irregularidade ser considerada falta grave que compromete o controle e a fiscalização dos recursos utilizados na campanha, de forma que a manutenção da sentença de desaprovação é medida que se impõe.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, apenas para afastar a irregularidade relativa ao uso de recursos financeiros próprios, em campanha, em montante superior ao patrimônio declarado no registro de candidatura, mantendo o juízo de desaprovação das contas de Valdemar Nunes Maciel, relativas ao pleito de 2020, e a determinação de recolhimento do valor de R$ 1.230,00 ao Tesouro Nacional.