REl - 0600359-75.2020.6.21.0075 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/01/2022 às 14:00

VOTO

A unidade técnica, em seu parecer conclusivo, apontou inconsistência grave no excesso de autofinanciamento no valor de R$ 6.945,00, que supera o limite de R$ 2.110,28 para o cargo de vereador em Nova Prata, disposto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme consta no relatório de exame de contas (ID 43342033):

Retomada a análise das contas, serão descritas as irregularidades e/ou impropriedades constantes no Relatório de Exame de Contas e as respectivas conclusões desta examinadora, após a manifestação do prestador de contas:

“O total de recursos próprios utilizados pela candidata ultrapassou o limite previsto na legislação. Tal limite era de R$ 2.110,28 (dois mil, cento e dez reais e vinte e oito centavos), e a candidata utilizou R$ 6.945,00 (seis mil, novecentos e quarenta e cinco centavos), assim distribuídos:

O valor referente aos recursos próprios estimáveis em dinheiro refere-se à cessão de veículo próprio para a campanha, por um período de 45 dias.

Verifica-se, portanto, que a candidata ultrapassou o limite de uso de recursos próprios em R$ 4.834,72. Como os gastos com serviços de Advocacia e Contabilidade devem ser descontados do limite, bem como o valor das sobras de campanha, devolvido ao partido, verifica-se que a candidata extrapolou o limite de auto financiamento de campanha em R$ 3.830,72 (três mil, oitocentos e trinta reais e setenta e dois centavos).”

Na hipótese, a candidata aplicou recursos financeiros próprios na campanha no valor de R$ 1.995,00 em espécie e, também, efetuou a cessão do veículo pessoal, estimada em R$ 4.950,00. Portanto, considerados os recursos financeiros e os estimáveis, o montante alcança R$ 6.945,00.

Contudo, o juízo a quo considerou, com base no parecer conclusivo, que o excesso era somente de R$ 3.830,72, e não de R$ 4.834,72, pois excluiu do cálculo o montante gasto com honorários advocatícios e de contabilidade, bem como sobras de campanha no total de R$ 1.004,00. Assim, somente a quantia de R$ 3.830,72 foi considerada excedente de autofinanciamento, conforme o seguinte trecho da sentença:

[...]
Sobreveio Parecer Conclusivo, no qual remanesceu a extrapolação ao limite de gastos.

Nesse contexto, foi recomendada a desaprovação das contas e a devolução de R$ 3.830,72 (três mil, oitocentos e trinta reais e setenta e dois centavos).

Do mesmo modo, o Ministério Público Eleitoral opinou pela desaprovação da prestação de contas de campanha da candidata.

Assiste razão ao MPE e à unidade técnica, na medida em que, conforme o artigo 5º da Resolução TSE nº 23.607/2019, as doações estimáveis em dinheiro estão inclusas nos limites de gastos, senão vejamos:

Art. 5º Os limites de gastos para cada eleição compreendem os gastos realizados pelo candidato e os efetuados por partido político que possam ser individualizados, na forma do art. 20, II, desta Resolução, e incluirão: I - o total dos gastos de campanha contratados pelos candidatos; II - as transferências financeiras efetuadas para outros partidos políticos ou outros candidatos; e III - as doações estimáveis em dinheiro recebidas (GRIFOS NOSSOS)

Não remanesce dúvida quanto a inclusão do valor estimado do uso do veículo próprio no limite de gastos, para assegurar a isonomia entre os candidatos, na legislação eleitoral vigente.

Caso assim não fosse, um candidato que não possuísse veículo automotor teria incluído, para o computo do limite de gastos, as despesas com recursos próprios para o aluguel do carro, enquanto o candidato que possuísse veículo não teria qualquer gasto incluído para a aferição do limite legal, na realização de idêntica atividade de campanha. É nesse sentido o entendimento do Ministério Público Eleitoral do Rio Grande do Sul, que compartilho.

Assim, a extrapolação do limite de gastos configura irregularidade apta a ensejar um juízo de desaprovação das contas e sujeita a candidata à aplicação de multa equivalente a 100% (cem por cento) da quantia que exceder o limite estabelecido, termos do art. 6º da Resolução TSE nº 23.607/2019, podendo os responsáveis responderem, ainda, por abuso do poder econômico, na forma do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990, sem prejuízo de outras sanções cabíveis (Lei nº 9.504/1997, art. 18-B).

Em conclusão, a falha apontada é causa de desaprovação das contas da candidata nos termos do art. 74, III, da Resolução TSE nº 23.607/2019 e, considerando o art. 6º da resolução em comento, o candidato está sujeito ao recolhimento de multa equivalente a R$ 3.830,72 (três mil, oitocentos e trinta reais e setenta e dois centavos).
[...]

A recorrente alega que o recurso estimável em dinheiro, consistente no seu veículo pessoal, não poderia ser considerado como recurso financeiro, devendo ser excluído da contabilização de receitas próprias.

Esse entendimento não encontra amparo legal, pois os limites de recursos próprios para cada eleição incluem as doações estimáveis em dinheiro. Essa é a inteligência do art. 5º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, devendo ser somadas todas as doações efetuadas pelo próprio candidato, inclusive as estimáveis.

Saliente-se que o parâmetro para aferição do limite de autofinanciamento de cada cargo em disputa visa à igualdade de oportunidades, ainda que relativa, entre os concorrentes, ou seja, uma forma de mitigar eventuais desequilíbrios patrimoniais prévios dos candidatos, que poderiam interferir de modo substancial nos resultados da campanha.

Quanto ao pedido de que, na análise da falha, seja considerada a exceção contida no art. 27, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, é preciso considerar que a regra não se destina a candidatos, e sim a pessoas físicas que não se enquadram como candidatos. O dispositivo prevê, somente para pessoas físicas, que o limite de doações de 10% dos rendimentos brutos do ano anterior não se aplica para os bens estimáveis móveis ou imóveis de propriedade do doador, ou seja, o eleitor, ou à prestação de serviços pelo eleitor, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00.

A exceção não abrange os candidatos, que seguem o limite previsto no § 1º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, litteris:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

[...]

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

[...]

Ademais, não se trata de despesa, mas de receita consistente em doação da própria candidata à sua campanha, portanto não é aplicável a tese de que a despesa com combustível e manutenção de veículo próprio não é considerada gasto eleitoral.

Isso porque a irregularidade apontada está prevista no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que disciplina a norma do art. 23, § 2º-A, da Lei n. 9.504/97 que cuida das doações efetuadas pelo próprio candidato à sua campanha, enquanto o disposto no art. 35, § 3º, da Resolução já mencionada trata de determinar o que pode ou não ser considerado gasto eleitoral e adimplido com recursos de campanha.

Outrossim, não se discute a boa-fé ou a má-fé da recorrente, e sim a observância das normas sobre finanças de campanha, assim como a transparência e a lisura da prestação de contas. 

A irregularidade relativa ao autofinanciamento perfaz o total de R$ 3.830,72, que representa 55,15% do total de receitas declaradas (R$ 6.945,00).

A falha ultrapassa o valor de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs), parâmetro considerado diminuto pela legislação eleitoral, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações  (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Assim, torna-se inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar a prestação de contas, ainda que com ressalvas.

O pagamento da penalidade de multa de 100% da quantia em excesso, correspondente ao valor de R$ 3.830,72, encontra previsão no art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, e o patamar estabelecido na sentença de primeiro grau em seu percentual máximo afigura-se razoável, adequado e proporcional à falha verificada.

Destarte, tendo em vista que a irregularidade representa quantia expressiva, o recurso não comporta provimento, devendo ser mantida a desaprovação das contas e a sanção de multa.

Por fim, ressalto que deve ser corrigido, de ofício, o erro material da sentença ao destinar o valor da multa para o Tesouro Nacional, pois a sanção por excesso do limite de autofinanciamento deve ser recolhida ao Fundo Partidário, na forma do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso para manter a desaprovação das contas e a sanção de multa no valor de R$ 3.830,72, a qual deve ser recolhida ao Fundo Partidário, nos termos da fundamentação.