REl - 0600386-06.2020.6.21.0060 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/01/2022 às 14:00

VOTO

Inicialmente, consigno que é desnecessário o pedido de recebimento do recurso no efeito suspensivo, uma vez que a determinação de recolhimento de valores ao erário fixada na sentença somente pode ser executada após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas, na forma do art. 32, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

As contas foram desaprovadas em razão do recebimento de recursos de origem não identificada, devido a dois depósitos efetuados na mesma data no valor total de R$ 2.000,00 e da omissão de notas fiscais na quantia de R$ 388,00, localizado a partir do procedimento de circularização de despesas realizado pelo cartório eleitoral, totalizando as irregularidades no montante de R$ 2.388,00.

No caso dos autos, o extrato bancário da conta de campanha utilizada para a movimentação de outros recursos, conta-corrente n. 1804-2, apresenta dois depósitos em dinheiro, no valor de R$ 1.000,00, realizados em 20.10.2020, sem qualquer identificação do doador.

Além disso, ainda que o depositante tivesse sido identificado com seu CPF (ID 44106683), o procedimento contraria o art. 21, inc. I, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece o limite de R$ 1.064,09 para doações bancárias sucessivas em espécie, realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

(...)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

§ 6º É vedado o uso de moedas virtuais para o recebimento de doações financeiras.

Nesse cenário, além de os comprovantes não indicarem o CPF do doador, os depósitos foram realizados de maneira sucessiva, estando correta a conclusão do juízo a quo no sentido de que os valores não estão com a origem devidamente identificada.

Ressalto que o egrégio Tribunal Superior Eleitoral entende que a obrigação de as doações acima de R$ 1.064,09 serem efetuadas mediante transferência bancária não se constitui em mera exigência formal, sendo que o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas, consoante precedente a seguir colacionado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. EXIGÊNCIA. ART. 18, § 1º DA RES. TSE Nº 23.463/2015. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.
(...)
2. Nas razões do regimental, o Parquet argumenta que não foi observado o art. 18, § 1º, da Res.-TSE nº 23.463/2015, segundo o qual "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação". 3. A Corte Regional, soberana na análise dos fatos e provas, atestou a identificação da doadora do valor apontado como irregular por meio do número do CPF impresso no extrato eletrônico da conta de campanha.
4. Consoante decidido nesta sessão, no julgamento do AgR-REspe nº 265-35/RO, a maioria deste Tribunal assentou que a exigência de que as doações acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) sejam feitas mediante transferência eletrônica não é meramente formal e o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.
(...)
7. Agravo regimental acolhido para dar provimento ao recurso especial, com determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

(Recurso Especial Eleitoral n. 52902, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 250, Data: 19.12.2018, pp. 92-93.) (Grifei.)

No caso dos autos, inexiste comprovação adicional mínima sobre a origem dos recursos ou por qual motivo não foram realizados depósitos por transferências bancárias de modo conjunto, impossibilitando que a falha seja relevada. Tal exigência normativa visa assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino) recebidos pelos candidatos, o que resta comprometido quando a operação é realizada por meio diverso, como feito pelo recorrente.

O raciocínio é que o descumprimento da obrigatoriedade de transferência bancária ou de cheque nominal cruzado não fica suprido pela realização de depósito em espécie, ainda que identificado por determinada pessoa, circunstância que não se mostra apta a comprovar a efetiva origem do valor, devido à ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário.

Em relação à segunda falha, o procedimento cartorário localizou o pagamento no valor de R$ 388,00, referente às notas fiscais n. 312624 - R$ 230,00 e 312178 - R$ 158,03, emitidas pela empresa Comércio Transportes de Combustíveis Valente Ltda., em 11 e 13.11.2020, contra o CNPJ do candidato (ID 44107483).

Em suas razões, o recorrente alega que as notas fiscais em questão se referem ao abastecimento do veículo do próprio candidato.

Ocorre que as despesas com combustível para uso pessoal dos candidatos não são classificadas como gasto de campanha, e o recorrente não declarou a utilização de veículos nas contas, razão pela qual a nota fiscal não poderia ter sido emitida no CNPJ da candidatura caso a finalidade do combustível fosse o uso em veículo próprio.

Nos termos do art. 35, § 11, incs. I, II e III, da Resolução TSE n. 23.607/19, as despesas com combustível são consideradas gastos eleitorais apenas na hipótese dos seguintes abastecimentos, os quais não foram declarados nas contas:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

Por conseguinte, considerando que a nota fiscal foi emitida no CNPJ de campanha, que não foram declarados veículos nas contas e que o valor utilizado para a despesa de combustível não transitou pela conta bancária de campanha, a quantia destinada ao pagamento caracteriza-se como recurso de origem não identificada, o qual deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, na forma do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador;

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras recebidas de outros candidatos ou partidos políticos;

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político;

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

V - as doações recebidas sem a identificação do número de inscrição no CPF/CNPJ no extrato eletrônico ou em documento bancário;

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

VII - doações recebidas de pessoas físicas com situação cadastral na Secretaria da Receita Federal do Brasil que impossibilitem a identificação da origem real do doador; e/ou

VIII - recursos utilizados para quitação de empréstimos cuja origem não seja comprovada.

§ 2º O comprovante de devolução ou de recolhimento, conforme o caso, poderá ser apresentado em qualquer fase da prestação de contas ou até 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas de campanha, sob pena de encaminhamento dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

§ 3º Incidirão atualização monetária e juros moratórios, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, salvo se tiver sido determinado de forma diversa na decisão judicial.

§ 4º O disposto no § 3º deste artigo não se aplica quando o candidato ou o partido político promove espontânea e imediatamente a transferência dos recursos para o Tesouro Nacional, sem deles se utilizar.

§ 5º O candidato ou o partido político pode retificar a doação, registrando-a no SPCE, ou devolvê-la ao doador quando a não identificação decorra do erro de identificação de que trata o inciso III do § 1º deste artigo e haja elementos suficientes para identificar a origem da doação.

§ 6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional.

§ 7º A devolução ou a determinação de devolução de recursos recebidos de origem não identificada não impede, se for o caso, a desaprovação das contas, quando constatado que o candidato se beneficiou, ainda que temporariamente, dos recursos ilícitos recebidos, assim como a apuração do fato na forma do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 e do art. 14, § 10, da Constituição da República.

Embora o cartório eleitoral não tenha juntado o documento fiscal aos autos, elemento necessário para a verificação da irregularidade, pode-se aferir a chave de acesso das notas fiscais n. 312624 e 312178, emitidas contra o CNPJ do recorrente, no site Divulga Cand Contas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/). A partir da pesquisa da chave no portal da Nota Fiscal Eletrônica, é possível constatar seu status (https://www.sefaz.rs.gov.br/dfe/Consultas/ConsultaPublicaDfe).

Assim, permanecem as irregularidades referentes a dois depósitos na mesma data no valor de R$ 2.000,00 e à omissão de notas fiscais na quantia de R$ 388,00, totalizando o montante de R$ 2.388,00, que representa 32,48% das receitas declaradas (R$ 7.350,00), percentual superior ao considerado (10%) como critério pela Justiça Eleitoral para aprovação com ressalvas, por aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Com essas considerações, afigura-se razoável e proporcional o juízo de desaprovação das contas e a determinação de recolhimento do recurso de origem não identificada ao Tesouro Nacional.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso para manter a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento de R$ 2.388,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.