REl - 0600781-20.2020.6.21.0085 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/12/2021 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

Os embargos são tempestivos.

Anoto que esta espécie recursal possui fundamentação vinculada, sendo cabível tão somente para sanar os defeitos do ato judicial, taxativamente indicados no art. 1.022 do Código de Processo Civil, ou seja, (a) obscuridade, (b) contradição, (c) omissão ou (d) erro material.

É sabido que a presença de tais vícios é relevante tanto para o juízo de admissibilidade da irresignação quanto para o exame do mérito.

No primeiro caso, verifica-se a presença em abstrato do vício, sendo a segunda etapa o exame em concreto. Dessa forma, a mera alegação da existência de um dos vícios descritos pela lei autoriza o conhecimento do recurso, sendo a análise da existência concreta de tal vício matéria de mérito.

Alegado o vício, o recurso é admissível; existente o vício alegado, o recurso é provido; caso contrário, nega-se provimento ao recurso (Barbosa Moreira, citado por NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – volume único. 9. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p. 1702).

Tendo o embargante sustentado a existência de obscuridade no acórdão, a interposição é adequada, de forma a comportar conhecimento por estarem preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

 

Do Mérito

No mérito, o recurso insurge-se contra o acórdão que, à unanimidade, deu parcial provimento ao recurso de PEDRO JUAREZ DA SILVA e MARTA AGUIAR DOS SANTOS, candidatos eleitos para os cargos de prefeito e vice-prefeita no Município de Mampituba/RS, para aprovar com ressalvas a prestação de contas, relativa ao pleito de 2020, mantendo a determinação de recolhimento do valor de R$ 300,00 (trezentos reais) ao Tesouro Nacional.

A ementa do acórdão embargado restou assim redigida:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS ELEITOS. CARGOS DE PREFEITO E VICE-PREFEITA. DESAPROVAÇÃO. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS NA FASE RECURSAL. DESPESAS COM COMBUSTÍVEL DE VEÍCULO AUTOMOTOR USADO PELO CANDIDATO NA CAMPANHA. NÃO COMPROVADAS DESPESAS PAGAS COM O FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CABO ELEITORAL. MANTIDO O VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. BAIXO PERCENTUAL DAS IRREGULARIDADES. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgências contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidatos eleitos para os cargos de prefeito e vice, relativas ao pleito de 2020, com fundamento no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19. Determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

2. Conhecidos os documentos juntados na fase recursal. Este Tribunal, sempre em juízo de exceção, tem se pautado pela potencialização do direito de defesa no âmbito dos processos de prestação de contas, especialmente quando se trata de documento simples que dispense a necessidade de nova análise técnica ou de diligências complementares, não apresentando prejuízo à tramitação processual. Posicionamento que encontra respaldo no art. 266 do Código Eleitoral.

3. É vedado o proveito de recursos de campanha para despesas de natureza pessoal do candidato com combustível e manutenção de veículo automotor por este utilizado, nos termos do disposto no art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. Inconsistências em despesas pagas com o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Apresentados documentos declaratórios acerca de contratações para prestação de serviços de cabo eleitoral. Diante da suspeita sobre as provas da contratação, tem-se que os candidatos não lograram êxito em comprovar adequadamente a utilização de parcela dos valores oriundos do FEFC. Mantido o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, uma vez que apenas os candidatos recorreram e sua majoração resultaria em reformatio in pejus.

5. As irregularidades atingem montante que representa apenas 3,4% das receitas declaradas, ficando abaixo do percentual de 10% utilizado como limite para permitir a aprovação das contas com ressalvas, na esteira da jurisprudência deste Tribunal e do Tribunal Superior Eleitoral. Aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Aprovação com ressalvas.

6. Parcial provimento.

 

Por sua vez, o embargante sustenta que a decisão foi obscura em relação à segunda irregularidade analisada, uma vez que “não deixou claro se a Corte entende que há indícios de fraude com a utilização de recursos públicos oriundos do FEFC (...) ou que se trata de simples insuficiência na comprovação da correta utilização dos recursos”. Afirma a necessidade que se deixe clara a questão para fins de avaliar a consonância do entendimento adotado com a orientação da jurisprudência do TSE.

Cumpre reprisar que a sentença que desaprovou as contas afirmou que a não comprovação de utilização da parcela dos recursos públicos consiste em situação “deveras grave”, nos seguintes termos, conforme transcrito no acórdão embargado:

A sentença consignou que as despesas não foram satisfatoriamente comprovadas, nesses termos:

Ademais, compulsando os autos verifico que PEDRO JUAREZ DA SILVA e MARTA AGUIAR DOS SANTOS não juntaram documento obrigatório segundo o artigo 37, da Resolução TSE n. 23.607/2019: contrato de prestação de serviços com descrição do contratado e das atividades desempenhadas, comprovando os gastos com valores recebidos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

 

Dessa maneira, os candidatos não lograram êxito em comprovar a parcela dos valores utilizados com recursos públicos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha no valor R$ 300,00 (trezentos reais), situação deveras grave, atuando em desacordo com o artigo 64, § 5°, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

 

Veja-se que o uso de recursos públicos determina a ampla possibilidade de controle por parte da população e da Justiça Eleitoral, o que foi impedido por parte da prestadora de contas ao não incluir no sistema SPCE, logo no Divulga Cand também, a comprovação dos seus gastos com a totalidade dos recursos públicos.

 

Trata-se, portanto, de irregularidade grave que compromete a lisura das contas e a fiscalização pela Justiça Eleitoral, motivo pelo qual a desaprovação das contas e o recolhimento da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional, no montante de R$ 300,00 (trezentos reais), na forma do artigo 79, ambos da Resolução TSE 23.607/2019, é medida que se impõe. (Grifei.)

 

Do exame da sentença, conclui-se que o juízo monocrático considerou que a ausência de comprovação do gasto – ou a não juntada dos contratos de prestação de serviços – é irregularidade grave a ponto de atrair a desaprovação das contas.

Ao examinar o recurso e a fim de reforçar a convicção acerca da ausência de adequada comprovação da aplicação dos recursos públicos, o acórdão se apoiou no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, o qual trouxe novos elementos aos autos, em especial, relacionados ao fato de haver coincidência entre doadores e fornecedores, verbis:

Com o recurso, vieram aos autos, dentre outros documentos, declarações de Paulo Cesar Cardoso de Mattos e Anderson da Silva acerca da contratação para prestação de serviços de cabo eleitoral (ID 23623983).

 

Para comprovar a realização de gastos eleitorais, a Resolução TSE n. 23.607/19 admite que as contratações sejam demonstradas por meios idôneos de prova que não sejam o documento fiscal. Vejamos:

 

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

§ 1º Além do documento fiscal idôneo, a que se refere o caput, a Justiça Eleitoral poderá admitir, para fins de comprovação de gastos, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I – contrato;

II – comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço;

III – comprovante bancário de pagamento; ou

IV – Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social (GFIP).

§ 2º Quando dispensada a emissão de documento fiscal, na forma da legislação aplicável, a comprovação da despesa pode ser realizada por meio de recibo que contenha a data de emissão, a descrição e o valor da operação ou prestação, a identificação do destinatário e do emitente pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ, endereço e assinatura do prestador de serviços. (Grifei.)

 

Na hipótese, deve ser mantida a sentença no ponto que considerou não comprovadas as despesas relativas à contratação de cabos eleitorais.

 

A fim de evitar tautologia, transcrevo excerto do parecer lançado nos autos pelo ilustre Dr. Fábio Nesi Venzon, Procurador Regional Eleitoral (ID 28235783), que bem examina as provas juntadas:

 

Ocorre que há, nos presentes autos, indício de fraude para justificar os gastos com os recursos públicos do FEFC. Dizemos isso, pois, as declarações de Paulo Cesar Cardoso de Matos acostadas no recurso e anteriormente (Ids 23632533) no sentido de que teria recebido R$ 300,00 como cabo eleitoral conflitam com o fato de Paulo Cesar Cardoso de Matos, produtor rural (ID 23620883), também ser doador da campanha no valor de R$ 1.200,00 (ID 23628833).

 

Como referido, não faz sentido doar R$ 1.200,00 para a campanha e receber de volta R$ 300,00 por trabalho como cabo eleitoral. Faria sentido que o doador realizasse uma doação financeira no valor de R$ 900,00 e uma doação do seu serviço para a campanha estimável em R$ 300,00.

 

Há indício, portanto, de haver o candidato obtido a referida declaração de pessoa próxima (tanto que doador da campanha) para justificar o gasto com recursos do FEFC.

 

Diante dessas circunstâncias, perde credibilidade, igualmente, a doação realizada para Anderson da Silva. (Grifei.)

 

Assim, diante da suspeita levantada sobre as provas da contratação existentes na hipótese, comungo da conclusão exposta na sentença: os candidatos não lograram êxito em comprovar, adequadamente, a utilização de parcela das verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha no valor R$ 300,00 (trezentos reais).

 

Observe-se que a decisão embargada faz menção à suspeita sobre as provas da contratação, sobretudo porque essa questão foi trazida apenas em grau recursal.

Veja-se que os candidatos em nenhum momento tiveram oportunidade de se manifestar sobre eventual existência de fraude na contabilidade em primeira instância, o que constitui obstáculo para que o tema trazido no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral fosse submetido ao contraditório.

A decisão de primeiro grau reconheceu apenas a ausência de comprovação suficiente sobre a contratação e afirmou que tal situação é irregularidade grave, sem qualquer menção à existência de fraude.

Desse pressuposto, decorre que o agravamento da situação dos prestadores de contas no exame de recurso manejado apenas pelos candidatos resultaria em reformatio in pejus, o que não se deve admitir.

Assim, considerando que a situação dos candidatos não pode ser agravada pelo reconhecimento de fraude na contratação de despesas de campanha, o que não restou debatido em primeiro grau, é de se esclarecer que as considerações acerca da coincidência entre doador e fornecedor foram realizadas para explicitar as incongruências constatadas nas justificativas oferecidas pelos prestadores, de modo a reforçar a conclusão sobre a inidoneidade da documentação juntada para sanar as falhas apontadas na sentença.

A ausência de comprovação dos gastos, nos limites da matéria devolvida ao Tribunal, na hipótese, não desborda do ordinário para as ações da espécie, de forma que não se reconhece especial gravidade das irregularidades apta a atrair a desaprovação das contas.

Registro, ainda, que, conforme diretriz jurisprudencial estabelecida nesta Corte Regional para o pleito de 2020, a análise da gravidade da falha está diretamente relacionada ao valor envolvido e ao percentual de impacto sobre a arrecadação, “não importando se os recursos se caracterizam como de origem não identificada, de fonte vedada ou são de natureza pública” (TRE-RS - REl 0600329-27.2020.6.21.0047, Redator do acórdão: DES. ELEITORAL GERSON FISCHMANN, sessão de 10.08.2021).

Com essas considerações, acolho parcialmente os aclaratórios, tão somente para integrar ao acórdão a presente fundamentação, esclarecendo os pontos trazidos pelo recorrente, sem modificação no conteúdo ou sentido do julgado embargado, mantido em sua totalidade.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo acolhimento parcial dos embargos de declaração, integrando o acórdão nos termos da fundamentação, negando-lhes, entretanto, efeitos infringentes.