REl - 0600584-26.2020.6.21.0001 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/12/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença proferida pelo Juízo Eleitoral da 1ª Zona que desaprovou as contas de DELCIO PINHEIRO, candidato ao cargo de vereador no Município de Porto Alegre, nas eleições de 2020, e determinou-lhe o recolhimento de um total de R$ 5.990,00 ao erário, em face das seguintes irregularidades: (I) despesa com combustível, no valor de R$ 50,00, sem registro da contraparte no extrato bancário e falta de identificação do consumidor na nota fiscal; (II) omissão de despesas, que somam R$ 314,00; e (III) ausência de comprovação da correta utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no total de R$ 5.940,00.

Relativamente às duas primeiras irregularidades, impõe-se a manutenção, pois o recorrente não as impugnou, não tendo a matéria sido devolvida à apreciação deste Tribunal, em face do princípio tantum devolutum quantum apellatum.

Constitui objeto do apelo, nessa toada, unicamente o tema atinente à terceira glosa.

Na instância de origem, a unidade técnica, em seu parecer conclusivo, apontou que, segundo os extratos bancários juntados pela instituição financeira, todos os débitos na conta-corrente - nos valores de R$ 1.000,00, em 28.10.2020, R$ 50,00 e R$ 500,00, em 13.11.2020, R$ 1.200,00 e R$ 1.000,00 (três operações de R$ 1.000,00), em 16.11.2020, e R$ 240,00, em 30.11.2020 - foram realizados via saque eletrônico, sem a identificação da contraparte. Indicou que, após a emissão do primeiro laudo pericial, o candidato juntou os mesmos documentos de identificação dos fornecedores inicialmente acostados, todos ilegíveis, além de recibos de pagamentos sem as respectivas datas.

Com base nisso, o ilustre magistrado a quo entendeu caracterizada a irregularidade consistente na falta de adequada comprovação no uso de recursos públicos, conforme excerto da sentença a seguir transcrito:

A unidade técnica apontou, após a conclusão de todos os exames, a existência das seguintes irregularidade nas contas:

(...)

b) irregularidades em pagamentos com a utilização de Recursos da FEFC consistentes nos saques de valores que totalizam R$ 5.940,00, via saques eletrônicos sem identificação da contraparte (art. 35,§ 12 da Resolução TSE 23.607/19).

(...)

Em que pese a manifestação do Ministério Público Eleitoral, tenho que não há condições de aprovar as contas do candidato prestador diante do apontamento e,  sobre pelaa utilização de recursos do FEFC. Os valores totais de R$ 5.940,00 foram declarados como pagos a Thays Pegorari (R$1.000,00), Tânia Damasceno (R$1.200,00), Sandra Mara Santos (R$1.000,00), Ana Paula Santos (R$240,00), Jorge Porto (R$1.000,00), Gesilda Martins (R$500,00) e Ana Paula Ferraz (R$1.000,00, porém sem a comprovação dos serviços prestados, quer por contratos ou outra referência para que se pudesse apurar a correção dos gastos. Como trata-se de verba pública para financiamento de campanha e os valores alcançam a totalidade das receitas de campanha, não vislumbro condições de aprovar as contas dada a importância destes recursos destinados a financiar o processo democrático.  Os recibos apresentados não especificam os serviços prestados para que se possa avaliar se foram relacionados a campanha do candidato, portanto não se enquadram nos casos admitidos pelo § 1 do art. 60, da Res. 23.607 de 2020. Tais valores deverão ser restituídos ao Tesouro Nacional posto que não comprovado o devido uso, ante o não cumprimento das exigência impostas pelo art. 53, II, c da Res. 23.607 de 2020.

Os apontamentos registrados no laudo técnico comprometeram a regularidade das contas.

O prestador não respondeu aos apontamentos do relatório preliminar elaborado pela Equipe Técnica da Justiça Eleitoral, portanto não comprovou a regularidade de suas contas eleitorais.

Assim, concluo, considerando os fatos apontados, pela aplicação do disposto no art. 30, III, da Lei n. 9.504/97, combinado com o art. 74, III, da Resolução n. 23.607/2019 do TSE, desaprovando as contas prestadas.

III - DISPOSITIVO

Diante do exposto, julgo DESAPROVADAS as contas de DELCIO PINHEIRO  nos termos do art. 74, inciso III, da Resolução 23.607/19, do TSE.

Determino o recolhimento do valor total de R$ 5.990,000 ao Tesouro Nacional.

Entendo que, na linha do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, o recurso não merece provimento.

A forma de pagamento dos gastos eleitorais encontra-se disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

(...)

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige que o pagamento de gastos eleitorais, ressalvados os de pequeno vulto, que saliento não ser o caso dos autos, seja realizado por meio de cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária.

A prestação de contas tem a finalidade de esclarecer e demonstrar a movimentação de recursos de campanha, permitindo que se identifique a origem das receitas e o destino das despesas, notadamente aquelas realizadas com recursos públicos, como o Fundo Partidário e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

Essa finalidade justifica todas as formalidades impostas aos candidatos, desde a arrecadação de recursos, passando pela realização de despesas, até a apresentação das contas de campanha.

Nessa linha de raciocínio, não basta que o prestador informe o destinatário de uma despesa específica ou apresente nota fiscal do serviço. O gasto deve ser realizado por meio de operações que permitam à Justiça verificar se os recursos financeiros efetivamente foram entregues aos credores informados.

Ora, o procedimento adotado pelo candidato, de saque dos valores diretamente na conta bancária e pagamento em espécie ao fornecedor, inviabilizou rotundamente a fiscalização da movimentação financeira, despindo de transparência o ajuste contábil.

Demais disso, a forma de comprovação da arrecadação de recursos e da realização de gastos eleitorais encontra-se prevista no art. 57 e seguintes da Resolução TSE n. 23.607/19, sendo relevante trazer à baila o que dispõe o art. 60, caput e §2º:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

(...)

§ 2º Quando dispensada a emissão de documento fiscal, na forma da legislação aplicável, a comprovação da despesa pode ser realizada por meio de recibo que contenha a data de emissão, a descrição e o valor da operação ou prestação, a identificação do destinatário e do emitente pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ, endereço e assinatura do prestador de serviços.

Vê-se que o recibo, quando dispensada a expedição de documento fiscal, deve conter a data de emissão, a descrição e o valor da operação ou prestação, a identificação do destinatário e do emitente pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ, endereço e assinatura do prestador de serviços.

In casu, o prestador, buscando demonstrar os dispêndios, juntou, conforme anotado pelo órgão técnico, “apenas recibos pouco legíveis e sem data de prestação do serviço”.

Deveras, analisando-se os recibos alusivos ao pagamento de R$ 1.000,00 a Thays Pegorari (ID 44002433), de R$ 1.200,00 a Tania Damasceno (ID 44002483), de R$ 1.000,00 a Sandra Mara Oliveira Santos (ID 44002533), de R$ 240,00 a Ana Paula dos Santos (ID 44002633), de R$ 1.000,00 a Jorge Porto (44002683), de R$ 500,00 a Gesilda Martins (ID 44002733), de R$ 1.000,00 a Ana Paula Ferraz (ID 44002833), verifica-se que, a par da parca legibilidade dos documentos e da inexistência de data de emissão referidas pela examinadora, os mesmos “não especificam os serviços prestados para que se possa avaliar se foram relacionados a campanha do candidato”, como bem apontou o magistrado a quo em sua sentença.

Nesse cenário, restou caracterizada a irregularidade, consistente na ausência de suficiente comprovação no uso de verbas do FEFC, fato que atrai a necessidade de os respectivos valores serem restituídos aos cofres públicos.  

Em idêntico sentido, colaciono ementa de precedente desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. RECEITAS CARACTERIZADAS COMO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. PAGAMENTOS A FORNECEDORES POR MEIO DE DEPÓSITOS EM ESPÉCIE. RECIBOS ELEITORAIS, ISOLADAMENTE, SÃO INSUFICIENTES PARA PROVAR A REGULARIDADE DAS OPERAÇÕES. MANUTENÇÃO DO RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. ALTO PERCENTUAL. INVIÁVEL A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. PROVIMENTO NEGADO.

1. Insurgência contra sentença de desaprovação de contas que determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

2. Declarados depósitos como originários de recursos próprios. Contudo, os extratos bancários da conta de campanha eleitoral demonstram que as transferências foram realizadas por pessoa diversa. Embora as receitas caracterizadas como recurso de origem não identificada – RONI devam ser recolhidas ao Tesouro Nacional, esta providência não foi ordenada pelo juízo de origem e, não tendo havido recurso relativamente ao ponto, é inviável manifestação desta Corte, pois redundaria em piora na situação jurídica da parte recorrente.

3. Identificados saques eletrônicos nas contas de campanha e, com tais valores, realização de pagamentos a fornecedores por meio de depósitos em espécie. Inexistência de comprovação adequada do uso dos recursos. A legislação de regência estabelece os meios para pagamento de gastos efetuados na campanha e os documentos que comprovam estas despesas, conferindo segurança ao percurso das verbas eleitorais, que reside justamente no atendimento de todo sistema legal. Os recibos eleitorais isoladamente são insuficientes para provar a regularidade das operações. Manutenção do recolhimento destes valores ao Tesouro Nacional.

4. As falhas somadas representam 91,99% dos recursos arrecadados, não permitindo a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Mantida a desaprovação das contas.

5. Provimento negado.

(TRE-RS, REl n. 0600268-41.2020.6.21.0121, Rel. Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado em 28.9.2021)

Assim, as irregularidades nas contas (R$ 5.940,00 + R$ 50,00 + R$ 314,00) alcançam a cifra de R$ 6.304,00, que representa mais de 100% das receitas declaradas (R$ 5.990,00), inviabilizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto das contas, na linha da jurisprudência consolidada deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018.

(...)

3. Falha que representa 18,52% dos valores auferidos em campanha pelo prestador. Inviabilidade da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como forma de atenuar a gravidade da mácula sobre o conjunto das contas.

4. Desaprovação.

(Prestação de Contas n 060235173, ACÓRDÃO de 03.12.2019, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão).

Destarte, na linha do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, impõe-se a manutenção do decisum que julgou desaprovadas as contas de campanha de DELCIO PINHEIRO e lhe determinou a restituição de R$ 5.990,00 aos cofres públicos.

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto por DELCIO PINHEIRO, candidato ao cargo de vereador, nas eleições de 2020, no Município de Porto Alegre, nos termos da fundamentação.