REl - 0600425-38.2020.6.21.0016 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/12/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pelo juízo a quo devido à constatação do descumprimento dos requisitos encartados no art. 14, § 2º da Resolução TSE n. 23.607/19, restando configurada a utilização de recursos de origem não identificada.

A sentença (ID 44651933) foi prolatada sob os seguintes fundamentos:

 

LUIS FERNANDO FLORES DA COSTA apresentou sua prestação de contas relativa às Eleições 2020, onde disputou o cargo de vereador pelo Solidariedade.

No parecer conclusivo, o examinador constatou a seguinte falha:

1 – Existência de movimentação financeira no valor de R$ 250,00, apesar de a prestação de contas ter sido entregue sem qualquer movimentação.

De acordo com o apurado no presente processo, verificou-se ter havido a tentativa de desconto, por duas vezes, do valor de R$ 250,00 pelo fornecedor SIM Rede de Posto Ltda, o que demonstra que houve a emissão de cheque, de número 00001, pelo candidato.

O prestador de contas alegou não haver nota emitida em seu nome e CNPJ, o que confirmaria que não foi feito nenhum gasto. Entretanto, o fato de não ter sido emitida nota fiscal em seu nome não denota, necessariamente, que o gasto não tenha sido realizado. O fato é que o cheque foi emitido e houve a tentativa, por duas vezes, de compensá-lo.

O gasto acima referido não foi incluído na prestação de contas, demonstrando que a quitação da despesa foi feita de forma irregular.

O art. 14 da Res. TSE n. 23.607/19 estabelece que o valor a ser utilizado para pagamento de despesas deve, obrigatoriamente, transitar pela conta bancária específica, conforme segue:

Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

§ 1º (...).

§ 2º O disposto no caput também se aplica à arrecadação de recursos para campanha eleitoral os quais não transitem pelas contas específicas previstas nesta resolução.

O trânsito de fundos em paralelo ocasiona, além da desaprovação das contas, o dever de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, uma vez que a doação financeira que não transita pela conta bancária não pode ser utilizada, implicando a obrigação prevista no art. 21, §§ 3º e 4º, da já citada resolução, in verbis:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

(...)

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

Esclareço que, conforme apontado no parecer conclusivo, a falha compromete a regularidade das contas e totaliza o valor de R$ 250,00, o qual representa a totalidade de receitas (financeira e estimável) declaradas pelo prestador, que apresentou as contas sem movimentação.

O Ministério Público Eleitoral, em seu parecer, também opinou pela desaprovação das contas pelos mesmos motivos.

Dessa forma, houve infração, pelo prestador de contas, à legislação eleitoral pois verificou-se que tanto a entrada dos recursos quanto a quitação da despesa referida acima não estão registrados no SPCE, impondo-se, assim, a desaprovação das contas, nos termos do art. 30, III, da Lei n. 9.504/97, combinado com o art. 74, III, da Resolução 23.607/2019.

(...)

Ante o exposto, julgo DESAPROVADAS as contas de LUIS FERNANDO FLORES DA COSTA, candidato a Vereador no município de Caxias do Sul/RS, referente às Eleições Municipais de 2020, nos termos do art. 30, inciso III, da Lei n.9504/1997, e do art. 74, III, da Resolução 23.607/2019, ante os fundamentos declinados.

Ainda, INTIMO o prestador de contas para que, no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, efetue o recolhimento de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais) ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 21, § 4º, e art. 32, VI, da Resolução TSE n. 23.607/2019, sob pena de remessa dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

 

No caso em tela, a irregularidade consubstancia dois aspectos: a) a existência de movimentação financeira no valor de R$ 250,00, apesar de a prestação de contas ter sido entregue sem qualquer movimentação; e b) o trânsito de valores “por fora” da conta bancária instituída para a campanha eleitoral.

Fato inconteste a existência do cheque n. 00001, no valor de R$ 250,00, que foi emitido pelo candidato em benefício do fornecedor SIM Rede de Posto Ltda., não apenas porque houve duas tentativas de desconto pelo fornecedor, como também porque o prestador confessa em suas razões de recurso, verbis: “(...) que houve a emissão do cheque pelo candidato, mas não houve o efetivo desconto na conta bancária.” (ID 44652083)

Sustenta que o mencionado cheque fora emitido a título de caução para abastecimentos futuros, os quais foram frustrados, visto que o candidato não recebeu doação de campanha. Ou seja, se o negócio não foi concretizado, não há despesa e nem nota fiscal.

Nesse ponto, sem razão o recorrente, pois o fato de não ter sido emitida nota fiscal em nome do candidato não denota, necessariamente, que o gasto não tenha sido realizado. Ademais, o recorrente traz sua versão dos fatos, porém se exime de comprovar o alegado.

Nesse sentido, as palavras do douto Procurador Regional Eleitoral (ID 44874751): “A versão dos fatos apresentada pelo recorrente não é corroborada por qualquer elemento de prova, notadamente declaração do estabelecimento que recebeu o cheque supostamente a título de caução”.

Não sendo registrado o gasto na prestação de contas, demonstra que o valor utilizado para o pagamento não transitou pela conta bancária específica, sendo a quitação da despesa feita de forma irregular, contrariando, assim, o determinado no art. 14 da Resolução TSE n. 23.607/19 e art. 22, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Como houve duas tentativas de desconto do cheque no valor de R$ 250,00, emitido a partir da conta bancária de campanha (disponível em https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/85995/210000996215/extratos, acesso em 02.12.2021), resta caracterizada a existência de gastos não declarados, os quais foram pagos com valores que não transitaram pelas contas da campanha, caracterizando recursos de origem não identificada, nos termos do art. 32, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Sendo vedada a utilização de valores de doação financeira que não tenham transitado pela conta bancária, impõe-se o dever de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, consoante o art. 21, §§ 3º e 4º, da citada resolução:

 

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

[...]

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

 

Note-se que a falha totaliza o valor de R$ 250,00 e representa 100% das receitas (financeira e estimável) declaradas pelo prestador, que apresentou as contas sem movimentação.

Contudo, considero cabível a aprovação das contas com ressalvas, visto que não envolve utilização indevida de recursos públicos bem como o valor total de pagamentos não comprovados (R$ 250,00) é inferior a R$ 1.064,10, parâmetro considerado módico pela jurisprudência, ainda que as irregularidades importem em percentual superior a 10% das receitas declaradas.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, ao efeito de aprovar as contas com ressalvas, mantendo a determinação do recolhimento de R$ 250,00 ao Tesouro Nacional.