REl - 0600643-88.2020.6.21.0138 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2021 às 10:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e adequado, razão pela qual dele conheço.

 

Mérito

No mérito, a recorrente teve desaprovadas as suas contas relativas às eleições de 2020, com fundamento no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, devido ao recebimento de recursos de origem não identificada, no valor de R$ 245,06, relativo à despesa de combustível, constatada mediante circularização, em postos de abastecimento. Não foi determinado o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Em suas razões, aduziu ter utilizado veículo próprio durante a campanha, com o que os gastos com abastecimento possuem natureza pessoal, não se sujeitando à contabilização, nos moldes do art. 35, § 6º, al. "a", da Resolução TSE n. 23.607/19. Referiu que o abastecimento, no valor de R$ 245,06, foi pago com receitas integrantes do seu patrimônio pessoal, e que a respectiva nota fiscal foi emitida erroneamente com o número de CNPJ da sua campanha. Argumentou que não houve omissão de receitas e despesas, razão pela qual requer o provimento do recurso, com a aprovação da sua contabilidade.

Adianto que, embora mantido o reconhecimento da irregularidade, o recurso merece ser parcialmente provido em razão do valor nominal envolvido.

Mostra-se crível a alegação de que a recorrente utilizou veículo próprio. E, conforme o disposto no art. 35, §6º, al. "a", da Resolução TSE n. 23.607/19, não são considerados gastos eleitorais e, portanto, não podem ser pagos com recursos da campanha as despesas com combustível e manutenção de veículo automotor usado por candidato. Desse modo, o gasto em questão efetivamente não estava sujeito à prestação de contas.

Contudo, a nota fiscal de abastecimento do veículo, emitida pelo Posto Caletti Combustíveis Ltda. (CNPJ n. 11.298.997/0001-24), n. 62826, no valor total de R$ 245,06 (parecer contábil ID 44849497), foi emitida em favor da candidata, com indicação do número do CNPJ atribuído à sua campanha.

Tal despesa, portanto, possui nítida natureza eleitoral, nos moldes do art. 35, § 11, inc. II, als. "a" e "b", da Resolução TSE n. 23.607/19, de sorte que deveria ter sido lançada no demonstrativo contábil e paga com recursos arrecadados para o financiamento da campanha, não podendo ser consideradas como gastos de caráter pessoal do candidato, como estabelece o art. 35, § 6º, al. "a", daquele mesmo diploma normativo.

Nesse cenário, considero que a irresignação da candidata, no sentido de ter havido equívoco do posto ao lançar o número do CNPJ da campanha ao invés do número do CPF da recorrente, no momento da emissão da nota fiscal, carece de fundamentação, pois o correto seria providenciar-se o cancelamento do referido documento fiscal e posterior emissão de outro com os dados corretos.

Por consequência, o montante de R$ 245,06 deve ser caracterizado como proveniente de origem desconhecida.

Entretanto, a sentença não determinou o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, consoante dispõem o art. 32, caput e § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, o que se mostra inviável no presente momento recursal, sob pena de afronta ao princípio da proibição da reformatio in pejus.

Por outro lado, observo que a irregularidade consolida o valor de R$ 245,06, representando 42,84% do total das despesas realizadas pela candidata (ID 44849504).

Sob esse aspecto, apesar do percentual significativo frente ao somatório arrecadado, o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessa linha, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e deste Tribunal admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das receitas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10, como colho das seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29/09/2017.) (Grifei.)

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (Grifei.)

 

Destarte, como as irregularidades perfazem quantia de diminuta expressividade econômica, entendo pela aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento parcial do recurso interposto por GISELE GHEDINI, ao efeito de aprovar com ressalvas as suas contas relativas ao pleito de 2020, com fundamento no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, senhor Presidente.