REl - 0601196-63.2020.6.21.0162 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2021 às 10:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

 

Da Juntada de Novos Elementos de Prova em Grau Recursal

Em petição manejada após a interposição do recurso (ID 44670283), repisada em manifestação oferecida depois de emitido o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44806599), a parte recorrente pugna pela juntada dos termos de declarações prestados perante a Polícia Federal, nos autos do Inquérito Policial n. 2020.012.6060/DPF/RS/SCS (PJE - Zonas Eleitorais n. 0600001-84.2021.6.21.0040), sob a alegação de que consistem em elementos de prova produzidos somente após proferida a sentença.

Inicialmente, cumpre verificar a alegação de “fatos novos supervenientes e relevantes para o deslinde da controvérsia”, contida na petição da recorrente colacionada em segunda instância.

Na petição de ID 44806599, é postulado:

a)  o deferimento da utilização dos documentos juntados no ID n. 42761283, quais sejam, a íntegra dos Termos de Depoimentos de Odélio Kist, Milton Juarez da Silva, Olizete Teresinha de Azeredo da Silva e Elenice Pereira da Silva no âmbito do Inquérito Policial n. 0600001-84.2021.6.21.0040, em tramitação na 040ª ZE, em Santa Cruz do Sul/RS;

b) a concessão de prazo para juntada integral do Inquérito Policial n. 0600001-84.2021.6.21.0040, caso se entenda necessário e imprescindível pelo Juízo ou demais partes; e

c)  a concessão de nova vista dos autos ao Ministério Público para que os documentos sejam considerados em seu parecer.

Os pedidos devem ser indeferidos.

Ora, não se está diante de fatos novos ou supervenientes. O que se evidencia, sim, é a apuração dos mesmos fatos relatados na inicial da presente demanda, porém, na esfera criminal.

Conforme preceitua o art. 435 do Código de Processo Civil, está preclusa a oportunidade de juntada de novos documentos em grau recursal, salvo documentos novos, considerados, nesses termos, aqueles “formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente.”

Ocorre que, na hipótese, ambas as partes tiveram a oportunidade de apresentar, no momento processual adequado, seu próprio rol de testemunhas, as quais foram ouvidas em juízo, sob a crivo do devido contraditório.

Assim, eventuais depoimentos prestados em inquérito policial, expediente de natureza eminentemente inquisitória e administrativa, não possuem força probatória superior àqueles colhidos na instrução judicial, motivo pelo qual se faz despicienda a sua juntada, bem como, por conseguinte, a juntada integral do procedimento criminal e a renovação de vista dos autos à Procuradoria Regional Eleitoral.

Examinadas e repelidas tais postulações, passo à análise do recurso.

 

Da Preliminar de Ofensa ao Princípio da Dialeticidade

Em contrarrazões, os recorridos suscitam ofensa ao princípio da dialeticidade porque, supostamente, o recurso teria se limitado a repetir os termos da inicial e dos memoriais oferecidos, sem atacar especificamente os fundamentos adotados pela sentença.

Tenho, entretanto, que as razões de irresignação veiculam novos argumentos que enfrentam, de forma específica, os termos da sentença, tal como a própria alegação de ausência de fundamentação, e reforça premissas e juízos de avaliação de prova que, na perspectiva dos recorrentes, seriam aptas a ensejar a modificação do julgado.

Ademais, a mera repetição dos argumentos lançados na inicial não representa, por si só, ofensa ao princípio da dialeticidade ou congruência recursal, previsto no art. 1.010, inc. III, do Código de Processo Civil, se possível extrair, de suas razões, os fundamentos de fato e de direito pelos quais o recorrente almeja ver reformada a sentença, tal como na hipótese vertente.

Nesse sentido, confira-se os seguintes julgados do egrégio Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO QUE REPETE ARGUMENTOS APRESENTADOS NA INICIAL. ATENDIMENTO AO ARTIGO 514 DO CPC DE 1973.

1. Consoante cediço nesta Corte, a repetição dos argumentos lançados na petição inicial (ou na contestação) não representa, por si só, a ausência de requisito objetivo de admissibilidade da apelação, se possível extrair, de suas razões, os fundamentos de fato e de direito pelos quais o recorrente almeja ver reformada a sentença.

2. Agravo interno não provido.

(STJ; AgInt no REsp 1551747/SP, Rel. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 29.6.2020, DJe 03.8.2020).

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. INOBSERVÂNCIA. CONFIGURAÇÃO. ART. 514, II, DO CPC/1973.

(...).

2. A reprodução da petição inicial nas razões de apelação não enseja, por si só, ofensa ao princípio da dialeticidade, consoante entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça.

3. Na hipótese, não houve impugnação suficiente dos fundamentos da sentença.

4. Agravo interno não provido.

(STJ; AgInt no AREsp 1497786/BA, Rel. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23.3.2020, DJe 26.3.2020).

 

Assim, considero estar suficientemente preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, cabendo o afastamento da presente preliminar.

 

Da Preliminar de Nulidade da Sentença por Ausência de Fundamentação

O recorrente argui a nulidade da sentença alegando que a decisão teria se valido exclusivamente do parecer do Ministério Público Eleitoral, sem adentrar nas teses debatidas pelas partes, estabelecendo um juízo de valor insuficiente, em violação ao disposto no art. 93, inc. IX, da Constituição Federal, e no art. 489, inc. II, do Código de Processo Civil.

Para ilustrar sua tese, apresenta em razões recursais, um quadro comparativo do parecer do Ministério Público Eleitoral e da sentença, destacando os pontos que demonstrariam a identidade de textos.

A observação do comparativo demonstra que, de fato, a sentença se baseou na manifestação ministerial e se apoiou fortemente na análise deduzida pelo Parquet. No entanto, é crucial para a solução da preliminar observar que, nestes autos, o Ministério Público Eleitoral atua como fiscal da ordem jurídica, qualidade na qual tem por missão zelar pelo interesse público imparcial na busca da verdade dos fatos, o que não se confunde com o interesse de qualquer das partes.

Dito isso, a constatação de que a decisão foi elaborada considerando a fundamentação construída pelo custos iuris não é razão para que se declare sua nulidade.

Aliás, caso considerasse pertinente, o julgador a quo poderia ter utilizado a técnica da fundamentação per relationem, ou motivação por remissão ou por referência, para transcrever os argumentos constantes no parecer ministerial, o que é amplamente admitido e utilizado, inclusive nos tribunais superiores, já tendo o Supremo Tribunal Federal considerado que "a fundamentação per relationem constitui motivação válida e não ofende o disposto no art. 93, IX, da Constituição da República" (STF. 2ª Turma. Inq n. 2725, Rel. MIN. TEORI ZAVASCKI, julgado em 08/09/2015).

Assim, a constatação de que a sentença agasalhou os motivos do parecer ministerial não é indício de que as provas que levaram ao convencimento do juízo não tenham sido amplamente indicadas e debatidas na decisão recorrida, de forma que deve ser rejeitada a alegação de nulidade da sentença por ausência de fundamentação.

Ainda, em sendo o caso de omissão da análise das teses propostas pelas partes, o remédio apto para sanar a omissão seria a oposição de embargos de declaração, os quais, inclusive, foram oportunamente manejados nesses autos pelos ora recorridos em face da sentença.

Assim, não havendo mácula na fundamentação da decisão, rejeito a preliminar de nulidade.

 

Da Preliminar de Contradita das Testemunhas

O recorrente postula o reconhecimento da contradita oferecida às testemunhas Odélio Kist, Odécio Thiesen Lopes e Luiz Henrique Marques de Oliveira Macagnan, alegando que possuem nítido interesse na causa por serem membros do grupo político do recorrido.

O recorrente sustenta, em relação a Odélio Kist, a ausência de isenção em razão da filiação partidária e da percepção de gratificação como servidor do Município de Passo do Sobrado. Em relação a Odécio Thiesen Lopes, afirma que teria sido militante ativo da campanha dos recorridos e exerceria cargo em comissão do município. Finalmente, sobre Luiz Henrique Marques de Oliveira Macagnan, narra que teria participado ativamente da campanha e exercido, anteriormente, a função de contador do candidato, dentre outros fatos.

De seu turno, o magistrado entendeu que as circunstâncias relatadas não configuram causa de suspeição das testemunhas.

Com efeito, o Município de Passo do Sobrado conta, atualmente, com 4.861 eleitores. Em localidades com população diminuta, como é o caso que aqui se examina, é usual que os moradores se engajem em uma ou outra campanha política e mantenham, em algum momento da vida, relações pessoais ou profissionais entre si.

Outrossim, depreende-se dos fundamentos da decisão que as declarações das pessoas contraditadas não foram apontadas como determinantes para o convencimento judicial de improcedência da demanda, conforme se extrai do seguinte excerto:

(...).

Analisando a documentação carreada aos autos, a gravação anexada em conjunto com as provas coletadas no curso da instrução, tenho que muito embora haja o reconhecimento de que o interlocutor da conversa  seja de fato o requerido Edgar, não é possível extrair a certeza necessária para a emissão de um juízo de procedência da representação.

 

Assim, como bem sinalizou o MP, não restou demonstrado que o intento dos representados era a captação ilícita de sufrágio e/ou o intuito de proporcionar vantagem ao eleitor. De fato, os elementos carreados, em seu conjunto, não conferem plena certeza da ocorrência dos fatos de acordo com a versão da representante, sendo plausível que tenham ocorrido de acordo com a argumentação dos representados.

 

Nessa ótica, entendo que é vedado ao candidato ou Coligação, consoante dispõe o art. 41-A, acima transcrito “doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura  até  o  dia  da  eleição”  e,  no  caso  concreto,  observando  as  prova  produzida,  entendo  não suficientemente demonstrada a compra ou promessa de compra de votos alegada como sendo perpetrada pelo representado Edgar.

 

(...).

 

Dessa forma, não se verifica prejuízo para o recorrente a circunstância de as pessoas indicadas terem sido consideradas testemunhas ou informantes.

Assim, além de os depoimentos questionados não terem influenciado diretamente o convencimento judicial, em especial diante do reconhecimento de que o conjunto probatório não foi suficiente para extrair a certeza necessária acerca da realização da conduta, não se verifica qualquer nulidade nos autos ou prejuízo que possa amparar o acolhimento da preliminar suscitada.

Ante o exposto, rejeito a preliminar.

 

Da Preliminar de Nulidade da Gravação Ambiental

Os recorridos, em contrarrazões, postulam o reconhecimento da nulidade da gravação ambiental que acompanhou a inicial, ao fundamento de traduzir-se em flagrante forjado.

Anoto, apenas para fins de esclarecimento, que a presente alegação de nulidade foi invocada na defesa dos candidatos (ID 40258283) e renovada em embargos de declaração (ID 40262683) oposto em face da sentença, os quais foram rejeitados sob o fundamento de que “o juízo afirmou que não restou demonstrado que o intento dos representados era a captação ilícita de sufrágio e/ou o intuito de proporcionar vantagem ao eleitor, não havendo nenhum reconhecimento acerca do suposto flagrante, o que em realidade não era objeto de análise na ação proposta” (ID 40262833).

Cumpre tecer algumas considerações acerca da tormentosa questão da gravação ambiental clandestina na jurisprudência eleitoral.

Em relação às eleições anteriores a 2016, nos feitos cíveis-eleitorais, o TSE reconhecia a ilicitude da prova obtida mediante gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais e desacompanhada de autorização judicial, considerando lícita a prova somente nas hipóteses em que captada em ambiente público ou desprovida de qualquer controle de acesso.

A partir das eleições 2016, em atenção à compreensão do STF firmada no RE n. 583.937/RJ (Tema 237), passou-se a tomar, de regra, como lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem autorização judicial em ambiente público ou privado (TSE, REspe n. 408-98, Relator: MIN. EDSON FACHIN, julgado em 09.05.2019).

Porém, a Corte Superior Eleitoral sempre ponderou que excepcionalidades poderiam obstar a admissão desse meio de prova, devendo ser analisadas caso a caso pelo julgador, uma vez que não poderiam ser tratadas da mesma maneira as situações em que a gravação de uma conversa é efetivada de forma ardilosa, mediante induzimento ou constrangimento do interlocutor à prática de ilícito, em comparação àquelas em que a gravação é realizada para captar condutas ilegais espontaneamente praticadas (TSE, REl n. 30370, Relator: MIN. EDSON FACHIN, julgado em 19.08.2021).

Um novo elemento foi agregado ao debate com a instituição da Lei n. 13.964/19, denominada de “Pacote Anticrime”, inserindo-se o art. 8-A na Lei n. 9.296/96, que regulamenta o inc. XII, parte final, do art. 5° da Constituição Federal.

A nova previsão legal inovou o ordenamento ao estabelecer, no parágrafo 4º do referido dispositivo, que a “captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada, em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação”.

Então, recentemente, o TSE entendeu, por maioria de 4 x 3, que são clandestinas e, portanto, ilícitas as gravações ambientais feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais, bem como as provas delas derivadas, não se prestando a fundamentar condenação em representação eleitoral.

Cito a ementa pertinente:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CANDIDATOS A PREFEITO E A VEREADOR. GRAVAÇÃO AMBIENTAL EM AMBIENTE PRIVADO. ILICITUDE DA PROVA. PROVIMENTO.

1. Nos termos do artigo 8°-A da Lei n° 9.296/96, introduzido pela Lei n° 13.964/2019. a gravação ambiental é possível para fins de investigação ou instrução criminal, por determinação judicial mediante requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, demonstrando que por outro meio a prova não poderia ser realizada e houver elementos probatórios razoáveis do cometimento de crime cuja pena máxima supere quatro anos.

2. Nos termos do § 4°, do artigo 8°-A da Lei n° 9.296/96, introduzido pela Lei n° 13.964/2019, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento das  autoridades legitimadas no caput do mesmo artigo somente poderá ser utilizada em matéria de defesa, no âmbito de processo criminal e desde que comprovada a integridade de seu conteúdo.

3. Num ambiente caracterizado pela disputa, como é o político, notadamente acirrado pelo período eleitoral o desestímulo a subterfúgios espúrios voltados a tumultuar o enlace eleitoral resguardando assim a privacidade e intimidade constitucionalmente asseguradas, deve ser intensificado, de modo que reuniões políticas privadas travadas em ambientes residenciais ou inequivocamente reservados não se aprazem com gravações ambientais plantadas e clandestinas, pois vocacionadas tão só ao uso espúrio em jogo político ilegítimo, recrudescendo a possibilidade de manipulações.

4. São clandestinas e, portanto, ilícitas as gravações ambientais feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores ou terceiros a seu rogo ou com seu consentimento, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais, dada inequívoca afronta ao inciso X, do art 5°, da Constituição Federal Ilícitas, do mesmo modo, as provas delas derivadas, não se prestando a fundamentar condenação em representação eleitoral.

5. A compreensão aqui firmada não se afigura incompatível com a tese firmada pelo E. STF no RE n° 583.937 (QO-RG/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 19.11.2009 -Tema 237), que teve como perspectiva o prisma da instrução criminal sobremodo distinto do aqui tratado por força de expressa norma constitucional (art. 5°, XII, parte final) e legal.

6. E tanto há distinção de enfoques que o próprio STF, no RE 1040515 (Rel. Ministro Dias Toffoli - Tema 979), afetou a discussão da necessidade de autorização judicial para legitimar gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ou por terceiro presente à conversa, para fins de instrução de ação de impugnação de mandato eletivo, à luz do art. 5°, incs. II e XII da Constituição da República.

7. Agravo Interno provido para julgar improcedente a Representação proposta com base no art. 41-A da Lei 9.504/1997.

(Agravo de Instrumento nº 29364, Relator: MIN. ALEXANDRE DE MORAES, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 206, Data 09.11.2021)

 

O tema é bastante controverso e não está pacificado na jurisprudência porquanto pendente de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal o RE n. 1.040.515 (Tema 979), no qual a Corte Excelsa reconheceu repercussão geral sobre a necessidade de autorização judicial para tornar uma gravação ambiental apta a instruir ação cível-eleitoral.

Registra-se que o referido julgamento foi interrompido por pedido de vista do Min. Gilmar Mendes, sendo que o único a votar no caso foi o Relator, Min. Dias Toffoli, o qual, inclusive, posicionou-se no sentido de que a ilicitude do meio de prova seja aplicável apenas a partir das eleições de 2022.

Nessa senda, por respeito ao art. 926 do Código de Processo Civil, este Tribunal tem entendido por manter a linha até agora sedimentada na jurisprudência do TSE e também desta Corte Regional, consoante manifestado recentemente no REl 0600412-08, da relatoria do eminente Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 10.08.2021, cujo bem lançado excerto reproduzo e adoto como razões de decidir:

Diante da introdução do art. 8º-A da Lei nº 9.296/96, que regulamenta a interceptação de comunicações, o STF ainda analisará a necessidade de autorização judicial para a utilização de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, como prova, motivo pelo qual considero que há de ser mantida a orientação jurisprudencial até o momento adotada, no sentido da licitude da prova.

 

A mesma linha de entendimento no sentido da preservação da jurisprudência pelo reconhecimento da licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, sem o conhecimento dos demais e sem autorização judicial prévia, foi reafirmada na sessão do dia 20.10.2021, no REl 0600581-56, Relator Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, e na sessão de 28.11.2021, no REl 0600469-75, Relator Des. Federal Luis Alberto D’Azevedo Aurvalle, como ilustram as respectivas ementas:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CANDIDATOS À REELEIÇÃO. PREFEITO, VICE-PREFEITO E VEREADOR. AFASTADAS AS MATÉRIAS PRELIMINARES. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. LICITUDE DA PROVA. INOVAÇÃO NAS RAZÕES DE RE-CURSO. MÉRITO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. ELEMENTOS SUBJE-TIVOS E OBJETIVOS. NÃO CARACTERIZADO O DELITO. CONDUTA REPROVÁVEL DOS ELEITORES. IMPOSSIBILIDADE DE OFENSA AO BEM JURÍDICO TUTELADO. AUSÊNCIA DE LESÃO À LIBERDADE DE SUFRÁGIO. PROVIMENTO NEGADO.

1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente representação pela prática de captação ilícita de sufrágio proposta em face de então candidatos à reeleição aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador, nas eleições 2020, por entender insuficiente a prova quanto à configuração da infração prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

2. Afastada a matéria preliminar. 2.1. Gravação ambiental. Diante da introdução do art. 8º-A da Lei n. 9.296/96, que regulamenta a interceptação de comunicações, o STF ainda analisará a necessidade de autorização judicial para a utilização de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, como prova. Mantida a jurisprudência deste Tribunal, em obediência ao art. 926 do Código de Processo Civil, no sentido da licitude da prova. 2.2. Alegada inovação nas razões de recurso quanto ao relato das circunstâncias fáticas. Não se trata propriamente do apontamento de fatos novos, mas de narrativa contundente e assertiva, na tentativa de reversão do juízo absolutório. Uso de descrições diferidas relativamente à exposição delineada na petição inicial sem, contudo, desbordar do cerne da demanda.

3. Para a configuração da hipótese do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 é necessária a conjugação de elementos subjetivos e objetivos que, segundo a jurisprudência do TSE, são a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer), a existência de uma pessoa física (eleitor) e o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter o voto).

4. Na hipótese, o contexto de toda a prova carreada aos autos, não apenas a gravação ambiental, mas também os testemunhos prestados e os demais do-cumentos, permite concluir que desde o início houve a finalidade de que os candidatos recorridos fossem condenados por compra de votos. Forjada como tal, a ilicitude foi afastada pela existência de verdadeira “trama”, em situação onde não há, sequer em hipótese, lesão à liberdade de sufrágio. Conduta reprovável de eleitores que denota a impossibilidade de ofensa ao bem jurídico tutelado pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

5. Provimento negado.

(TRE-RS; REl 0600581-56; Relator DES. ELEITORAL OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES; sessão de 20.10.2021) Grifei.

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). CANDIDATOS. PREFEITO E VICE-PREFEITO. MATÉRIA PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE ATIVA. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, EM RELAÇÃO AO PARTIDO POLÍTICO. AFASTADA ILICITUDE DA PROVA. MÉRITO. ATRIBUIÇÃO DE PRÁTICA DE CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DO PODER ECONÔMICO. FLAGRANTE PREPARADO EM GRAVAÇÃO AMBIENTAL. DESACOLHIDO PEDIDO DE CONDENAÇÃO À MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. PROVIMENTO NEGADO.

1. Insurgências em face da sentença que, acolhendo preliminar de ilegitimidade ativa ad causam, declarou extinta, sem julgamento de mérito, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) em relação ao partido político, excluindo-o do polo ativo; declarou a ilicitude de gravação ambiental acostada aos autos, bem como julgou improcedentes os pedidos deduzidos em face dos candidatos a prefeito e vice-prefeito eleitos nas eleições de 2020, por inexistência de prova segura quanto à suposta prática de abuso do poder econômico e captação ilícita de sufrágio.

2. Matéria preliminar. 2.1. Ilegitimidade ativa do partido político. O partido político coligado somente possui legitimidade para atuar de forma isolada no processo eleitoral quando questionar a validade da própria coligação, durante o período compreendido entre a data da convenção e o termo final do prazo para a impugnação do registro de candidatos, conforme disposto no art. 6º, § 4º, da Lei n. 9.504/97. Mantida a determinação de extinção do processo, sem resolução do mérito, em relação ao partido político, com fundamento no art. 485, inc. VI, do CPC. 2.2. Gravação ambiental. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é no sentido de admitir a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais, como meio válido de prova em feitos cuja natureza seja cível. Afastada a preliminar de ilicitude da prova.

3. Atribuição de prática de captação ilícita de sufrágio e abuso do poder econômico, em razão do oferecimento de vantagens à então candidata a vereadora em troca de seu apoio político e dos votos de seu esposo e demais familiares. No entanto, tendo havido flagrante preparado em gravação ambiental, não há tipicidade no ilícito. Nesse sentido, jurisprudência do TSE.

4. Pedido de condenação à multa por litigância de má-fé. Embora os investigantes tenham de fato afirmado que o investigado é “reincidente” e “experiente” na prática da infração de captação ilícita de sufrágio, aludindo à condenação sofrida em processo referente às eleições de 2012, nas quais concorreu ao cargo de vereador, mencionaram, a todo o momento, que referida condenação foi posteriormente reformada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Portanto, não havendo alteração da verdade dos fatos, não merece acolhida o pedido de decretação de litigância de má-fé.

5. Provimento negado.

(TRE-RS; REl 0600469-75; Relator DES. FEDERAL LUIS ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE; sessão de 28.11.2021) Grifei.

 

Outrossim, as circunstâncias relativas a um suposto flagrante preparado, relacionadas com a gravação clandestina, devem ser analisadas no bojo do mérito da causa.

Na hipótese, adianto que não é o caso de reconhecer a nulidade também por esse fundamento, pois entendo que a gravação é prova que atende aos interesses da defesa do candidato e auxilia na análise do contexto no qual foram formuladas as imputações em face da chapa majoritária.

Dito isso, afasto a preliminar de nulidade da prova.

 

Do Mérito

A petição inicial da representação descreve que, no dia 14 de novembro de 2020, véspera do pleito municipal, em diálogo gravado pela interlocutora ELENICE, o então candidato ao cargo de prefeito no Município de Passo do Sobrado, EDGAR THIESEN, teria prometido vantagens a eleitores em troca de votos e, em especial, emitido ordem de compra de votos de três pessoas em favor de sua candidatura, disponibilizando, para tal finalidade, o montante de R$ 600,00 para que ELENICE intermediasse os ajustes.

Em um segundo fato, noticia a exordial que MARIA MOHR teria recebido valores para divulgar propaganda eleitoral em sua residência e para votar no candidato.

As condutas se amoldariam ao disposto no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, verbis:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

 

De acordo com a jurisprudência do TSE, a captação ilícita de sufrágio somente se aperfeiçoa quando alguma das ações típicas elencadas no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 (doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, ou, ainda, praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), cometidas durante o período eleitoral, estiver, intrinsecamente, associada ao objetivo específico de agir do agente, consubstanciado na obtenção do voto do eleitor (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Atlas, p. 725), sendo que a ausência de prova de qualquer uma dessas elementares conduz, inevitavelmente, ao juízo de improcedência da demanda (TSE, AI n. 00018668420126130282/MG, Relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes, DJE de 02.02.2017, pp. 394-395).

Além disso, a ocorrência do ilícito eleitoral em comento não pode se lastrear em presunções ou suposições, exigindo-se um conjunto probatório consistente e seguro a demonstrá-la, conforme assentado nas seguintes ementas daquela Corte:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DO PODER ECONÔMICO. DESPROVIMENTO.

1. Consoante a atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a licitude da prova colhida mediante interceptação ou gravação ambiental pressupõe a existência de prévia autorização judicial e sua utilização como prova em processo penal.

2. A prova testemunhal também é inviável para a condenação no caso dos autos, tendo em vista que as testemunhas foram cooptadas pelos adversários políticos dos agravados para prestarem depoimentos desfavoráveis.

3. As fotografias de fachadas das residências colacionadas aos autos constituem documentos que, isoladamente, são somente indiciários e não possuem a robustez necessária para comprovar os ilícitos.

4. A condenação pela prática de captação ilícita de sufrágio ou de abuso do poder econômico requer provas robustas e incontestes, não podendo se fundar em meras presunções. Precedentes.

5. Agravo regimental desprovido.

(Grifei.)

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 92440, Acórdão de 02.10.2014, Relator MIN. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJE Tomo 198, Data 21.10.2014, Página 74.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. ELEIÇÕES 2012. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. DESNECESSIDADE.

1. A configuração de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/97) demanda a existência de prova robusta de que a doação, o oferecimento, a promessa ou a entrega da vantagem tenha sido feita em troca de votos, o que não ficou comprovado nos autos.

2. Conforme a jurisprudência do TSE, o fornecimento de comida e bebida a serem consumidas durante evento de campanha, por si só, não configura captação ilícita de sufrágio.

3. A alteração das conclusões do aresto regional com fundamento nos fatos nele delineados não implica reexame de fatos e provas. Na espécie, a mudança do que decidido pela Corte Regional quanto à finalidade de angariar votos ilicitamente foi realizada nos limites da moldura fática do acórdão, sem a necessidade de reexame fático-probatório.

4. Agravo regimental não provido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 47845, Acórdão de 28.4.2015, Relator MIN. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJE Tomo 95, Data 21.5.2015, Página 67.)

 

Na hipótese, antecipo que o conjunto fático-probatório não se mostra suficientemente sólido à conclusão do efetivo cometimento da captação ilícita de sufrágio.

Em relação ao primeiro fato, a inicial afirma que na “tarde de sábado do dia 14 de novembro de 2020, véspera do pleito eleitoral, em diálogo gravado pela locutora ELENICE, o candidato eleito dá ordem para compra de votos, conforme se abstrai da degravação do áudio.”

Na hipótese, ELENICE acompanhou o candidato EDGAR THIESEN em visitas a eleitores e realizou captação em áudio das conversas havidas na ocasião, o que resultou em gravação de pouco mais de uma hora, disponível em https://drive.google.com/file/d/16-SvgOxG0SEGbkXkxzmH2sFdxcVS3yBN/view e transcrita ao ID 40257583.

Em seu depoimento pessoal (ID 40259533), o candidato EDGAR THIESEN relata que ELENICE não fazia parte da sua campanha, mas que encontrou a referida eleitora na casa de Odélio Kist, quando convidado por este para visitar algumas famílias na comunidade Potreiro Grande. Asseverou, ainda, que ELENICE se apresentou como sua apoiadora e disse que gostaria de sair para fazer as visitas com o candidato.

Por sua vez, ELENICE declarou em juízo que foi EDGAR que a convidou para visitar duas famílias na localidade, mas que, em razão de rumores de compra de votos, pois “todo mundo falando que ele tava despejando dinheiro”, resolveu começar a gravar os acontecimentos (ID 40259633).

A versão de EDGAR é confirmada pela testemunha Odélio Kist (ID 40259933), o qual declarou que ELENICE é sua comadre e que insistiu para que convencesse o candidato a fazer umas visitas em Potreiro Grande.

A análise atenta da captação ambiental juntada aos autos demonstra que ELENICE, acompanhando o candidato, propôs-se a instigar, em mais de uma ocasião, para que fossem concedidas vantagens a eleitores para a obtenção do voto.

Como se verifica na transcrição de ID 40257583, ELENICE, em dado momento, sugere que uma família que está recebendo em sua casa o grupo precisa de uma pia ou um balcão de cozinha, ao que o candidato responde que não tem recursos e entabula críticas à adversários que estariam desvirtuando as campanhas eleitorais (aos 14 minutos do áudio).

Ao sair da residência, já dentro do carro, o candidato afirma “Só que a gente não deu nada para os outros eleitores, como é que a gente vai dar pra ela?” e acrescenta que “Se dá pra um, tu abre a porteira” (aos 18 minutos e 20 segundos do áudio).

Na visita seguinte, ELENICE formula pedido de emprego para Bruna e EDGAR se abstém de realizar a promessa (aos 42 minutos do áudio), afirmando:

Tudo que a gente puder fazer a gente vai fazer. Não gosto de prometer por que chega lá na prefeitura em janeiro tem uma fila de gente atrás se tu promete. É melhor tu não prometer e ir conversando cada um por cada um. Porque o que acontece é que quem promete muito não cumpre. Essa que é a grande verdade. A gente tem feito esse trabalho bem diferente e tem funcionado e vai continuar funcionando. Tanto é que a gente tá até hoje aí por mais que a gente faça esforço, os outros grupos, nós tamo se mantendo na frente das pesquisas. Faltam uns dias só mais pra reverter muita coisa. Oportunidade vai ter.

 

Como ser percebe, EDGAR declara estar fazendo um “trabalho diferente”, diverso da promessa de vantagens a eleitores, acrescentando que a estratégia vem dando certo, bem como que “É melhor tu não prometer e ir conversando cada um por cada um”.

Também assevera que não quer “enrolar” o eleitor com uma promessa que não poderá cumprir no futuro:

O que eu não gosto de fazer é enrolar, venho aqui e enrolo tu e tua família, prometo emprego pra vocês e o que acaba acontecendo? Depois tu vai lá e briga comigo. Tá entendendo. Não tu né, mas tá entendendo.

 

E soma ao diálogo uma típica promessa genérica de campanha – gerar emprego para a população: “Tudo que puder fazer pra melhorar a cidade e gerar emprego eu vou fazer. E se tiver uma oportunidade eu sei que ela é competente. Vai ter a oportunidade”, não se vinculando ao pedido de benesse recebido e ainda complementando que é “mais pelo justo, tem que ter oportunidade igual pra todo mundo, senão isso nunca vai mudar.”

Por volta dos 45 minutos do áudio, é perceptível que ELENICE se afasta do grupo, aparentemente para beber água, e então se ouve um sussurro: “Eu quero é dinheiro.”

O contexto indica que o grupo, ou parte dele, estaria se organizando para tentar envolver o candidato, ao que se escuta este comentando ao fundo “eu não vou fazer promessa”, seguindo frases sobre prometer e não cumprir.

Mais adiante, EDGAR enuncia que “na comprenor, o gerente lá da comprenor é filho de gente do PDT na outra empresa, ali é política. É tudo indicação – eu não concordo muito com essas indicações, acho que as pessoas todas tem que ter oportunidade.”

Na sequência dos acontecimentos, de volta ao carro, aparentemente sem a presença de EDGAR, ELENICE e ODÉLIO conversam sobre dar dinheiro a eleitores, sendo que ELENICE pede ajuda para convencer o candidato a ceder aos pedidos.

Quando o candidato entra no veículo, ELENICE insiste na distribuição de valores aos eleitores, sugerindo “faz por mim”, dizendo que pode entregar as vantagens.

EDGAR então afirma que não pode arriscar, relatando que realizou uma visita na qual o eleitor realizou gravação, afirmando: “o que aconteceu? Nada. O que eu tinha falado? O que eu falo sempre”, tudo a indicar que resistia aos pedidos de vantagens realizados pelos eleitores justamente para não produzir eventual prova em prejuízo à sua vida pública.

Tanto assim que, diante da insistência da interlocutora, o candidato assevera, categoricamente (aos 54 minutos do áudio):

Elenice, vocês não tão sabendo fazer campanha. O mundo mudou, cara. Face, Whatsapp. Tem uma parte da população que precisa de umas vantagens. Mas é uma parte pequena. A maior parte quer mudança. Nós tamo com quarenta e um por cento por quê? Não foi pelo dinheiro. Nós não damos dinheiro. Nós seguramos lá o pessoal. Se os vereador deram, aí foram os vereador cara. Entendeu? Eu não dou. Se alguém quer dar, dá. Mas eu não. Não tem como, cara.

 

E ainda acrescenta:

Tem um outro problema que vocês não analisam: se tu der o dinheiro pra uma pessoa, do lado, ela não fica quieta. Ela conta pro resto todo que não ganhou. Tu ganha um voto e perde outro.

 

[…].

 

Dá efeito negativo. Dá efeito negativo. Sabe o pessoal fica afoito pra conseguir o voto? E dá o dinheiro para aquele um. Tu ganha cinco votos aqui e perde cinco da outra família, entendeu? Tem um ali no Max Brum que quer uma máquina de lavar roupa. Eu já sei da máquina de lavar roupa desde o primeiro dia da campanha. A véia do lado veio e disse pra mim assim ó: se tu levar a máquina de lavar roupa pra aquela de lá, tu pode levar. Tu vai ganhar os cinco votos deles e vai perder os meus. Já tô avisando.

 

Mais adiante, o candidato aponta: “Quem quer dinheiro não quer o Edgar, quer dinheiro.”

Como se percebe, EDGAR expõe em vários contextos a resistência e a negativa ao fornecimento de vantagens a eleitores em sua campanha eleitoral.

Evidencia-se, da gravação, que ELENICE é quem continua afirmando a necessidade da compra de votos, e, ao fim da conversa, diante da reiteração, EDGAR parece consentir em ceder aos pedidos, resultando na promessa de entrega dinheiro à sua interlocutora para distribuir a determinados eleitores, conforme assim constou ao final da degravação:

Edgar Thiesen: Dar uns cem pila lá pro outro lá, uns cento e cinquenta pro outro lá em cima.

 

Elenice: Da Bruna lá?

 

Edgar Thiesen: Da Bruna.

 

Elenice: O pai da Alessandra lá?

 

Edgar Thiesen: É, como que é o nome do guri?

 

Elenice: O Vanderson.

 

Edgar Thiesen: Não, o Vanderson não.

 

Elenice: O Vanderson não vai dar nada então?

 

Edgar Thiesen: O Vanderson não, se tu dar lá no Cerro, tu perde os votos tudo lá em cima.

 

Elenice: Tá. Dar pro guri aqui? Pro Samuel?

 

Edgar Thiesen: O Samuel que tu queria né? E a pia da mulher.

 

E a outra tu promete o emprego. Tá?

 

Elenice: Tá. E aqui no Jeff tinha que dar pelo menos uns cem pila pra ele.

 

Edgar Thiesen: Qual Jeff?

 

Elenice: Esse do... que nós vamos ali agora.

 

Edgar Thiesen: Isso. Te gruda. Só um pouquinho.

 

Elenice: Tá, eu vou ficar aqui então.

 

Em depoimento pessoal, EDGAR não negou o ponto da conversa em questão, mas afirmou que, quando já retornavam ao comitê de campanha, diante da reiteração dos pedidos de entrega de valores aos eleitores, tão somente pretendeu encerrar a conversa com ELENICE e que nenhum valor foi dado a ela ou a outro eleitor:

(...) isso está no áudio, aí ela ficou insistindo, insistindo, e queria vir até o comitê com a gente, no caminho a gente conversou, sim, nesse sentido, mas pra mim me livrar da situação da dona Elenice até eu conseguir chegar no comitê e conseguir me livrar da Elenice, pois eu não estava conseguindo me livrar dentro do carro na situação da dona Elenice, porque foi a dona Elenice que em todas as casas ficava fazendo esse tipo de trabalho que nós não estávamos fazendo, se o senhor leu o áudio o processo o senhor vai ver que todas as casas que eu estive eu não trabalhei de forma nenhuma desse jeito (…).

 

Por sua vez, ELENICE, em juízo, reafirmou que, após chegarem ao comitê de campanha, EDGAR teria buscado a quantia de R$ 600,00, conforme prometido no trajeto, e lhe repassado para distribuição àqueles eleitores.

Contudo, as testemunhas Odélio Kist, Odécio Thiesen e Luiz Henrique Marques de Oliveira Macagnan narram de forma congruente e harmônica que, chegando ao Comitê, EDGAR  se negou a dar qualquer valor a ELENICE, embora ela aguardasse fora do prédio.

Quanto ao ponto, colho a síntese da prova tal como bem sintetizada na sentença:

A testemunha Odélio Kist confirmou que recebeu convite de Elenice para fazer visitas de campanha eleitoral no interior de Passo do Sobrado/RS, com o objetivo de angariar votos. Face a isso, comunicou Edgar e os acompanhou no dia 14/11/20. Afirmou que percebeu se tratar a situação de uma armação de Elenice em face de Edgar, pois só foram realizadas visitas nas casas indicadas por Elenice. Na volta, Elenice ficou brava com Edgar pois ele não quis dar dinheiro para compra de votos. A testemunha Odécio foi quem saiu do comitê eleitoral de Edgar e avisou Elenice que não haveria dinheiro para compra de votos. Elenice não recebeu, em nenhum momento, R$ 600,00 de Edgar para efetuar compra de votos.

 

A testemunha Odécio Theisen Lopes, em suas declarações, confirmou que no dia 14/11/2020 estava no diretório municipal, sede da campanha eleitoral de Edgar Theisen, quando o próprio Edgar chegou ao local. Disse que o então candidato estava irritado, brabo, tendo lhe dito que estava sendo vítima de chantagem, em virtude de compra de votos. Relatou que Edgar lhe pediu para ir junto com Odélio para mandar “aquela mulher” embora e que não daria dinheiro em troca de voto. A partir disso, tendo dado o recado para Elenice, Odélio a levou embora.

 

A testemunha Luiz Henrique Marques de Oliveira Macagnan disse que, na véspera do pleito, estava no comitê eleitoral da candidatura Edgar Thiesen para entregar os crachás que seriam usados no dia das eleições. Relatou que estava conversando com o Senhor Odécio, quando chegou Edgar, muito irritado, ocasião em que soube que uma senhora, conhecida por Nice, estava no carro aguardando dinheiro para comprar votos, tendo Edgar pedido a Odécio e Odélio para irem ao carro mandarem a mulher embora. Disse não ter presenciado a sucessão dos fatos e logo na sequência foi embora.

 

A única prova acostada aos autos a respeito da suposta entrega de R$ 600,00 para repasse a eleitores advém das declarações da própria testemunha ELENICE.

Tenho, porém, que a referida prova testemunhal resta bastante fragilizada, pois, além de inequívoco que todas as iniciativas de negociações ilícitas partiram da própria testemunha, ela não foi capaz de explicar por que interrompeu a gravação justamente em um momento crucial dos acontecimentos, qual seja, a entrega do dinheiro, bem como a razão de haver optado por levar o áudio à coligação adversária, após o resultado das eleições, e não às autoridades públicas.

Assim, todo o contexto anterior contido nas gravações, envolvendo as reiteradas proposições de ELENICE e as negativas do candidato, confere plausibilidade à alegação defensiva de que a aquiescência final às sugestões de entrega de vantagens aos eleitores teria se dado, tão somente, para encerrar a conversa, uma vez que não se demonstra de forma concreta e cabal que algum valor tenha sido efetivamente repassado a ELENICE ou a qualquer outro eleitor.

O que se comprovou nos autos é que o candidato, sem saber que estava sendo gravado, restou submetido a insistentes e enfáticas proposições da interlocutora pela compra de votos, mas recusou os pedidos de dação de vantagens a eleitores.

Desse modo, como a condenação por tal modalidade de ilícito eleitoral não pode se lastrear em meras presunções ou suposições, exigindo-se um conjunto probatório consistente e seguro a demonstrá-la, tenho por afastar a imputação em relação ao primeiro fato.

Quanto ao segundo fato, a inicial descreve que a eleitora MARIA MOHR teria relatado a CAROLINE KIST que recebeu “uma boa quantia para ‘amarelar’ sua casa”, ou seja, para exibir propaganda eleitoral dos recorridos a partir da referência ao slogan utilizado pela campanha de EDGAR.

Ouvida em juízo (ID 40259733), a testemunha CAROLINE KIST admitiu que participou ativamente da campanha da candidata Núbia, então concorrente dos ora recorridos, e que MARIA MOHR a teria procurado, em um primeiro momento, oferecendo-se para atuar na campanha de Núbia em troca de retribuição pecuniária e, diante da negativa à proposta, posteriormente, para referir que teria recebido dinheiro para “amarelar” sua casa.

De seu turno, MARIA MOHR foi arrolada como testemunha (ID 40257333, pag. 20), tendo constado na ata de audiência que “consignava ter sido homologada a desistência manifestada pelo representante de oitiva das testemunhas Maria Mohr” (ID 40259283).

Como se percebe, a eleitora supostamente corrompida não foi ouvida nestes autos, sendo que o relato do oferecimento de vantagem à MARIA MOHR foi feito exclusivamente por CAROLINE KIST.

A fim de evitar tautologia, reproduzo a minuciosa análise constante no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral acerca da prova da ocorrência do segundo fato, da lavra do ilustre Dr. José Osmar Pumes, que adoto como razões de decidir:

A testemunha Caroline Kist, cuja contradita apresentada pela defesa dos representados restou indeferida pelo Juízo a quo, prestou compromisso. Declarou (ID 40259733) que é filiada ao PDT, pelo qual já concorreu ao cargo de vereadora, e que participou efetivamente da campanha eleitoral da candidata Núbia, adversária do Prefeito representado. Referiu que, durante a campanha, a eleitora Maria Mohr a procurou, para lhe pedir uma contribuição para participar da campanha da candidata Núbia, o que foi negado pela depoente. Em data posterior ao referido episódio, relatou que Maria Mohr a procurou novamente, para dizer que recebeu uma boa grana para “amarelar”.

 

Questionada pela defesa dos representados se sabe qual foi exatamente o valor recebido por Maria Mohr, respondeu (ID 40259783, a partir 00:35):

 

Caroline Kist: Não, ela no primeiro, ela disse pra mim que faltava R$ 1.500,00, tá, no primeiro áudio, no segundo ela disse que já tinha recebido, então ela me confirma que recebeu uma bela duma grana para amarelar.

 

Defesa dos representados: Mas não sabe quanto foi exatamente, isso ela nunca falou?

 

Caroline Kist: Não.

 

Defesa dos representados: E quem entregou esse dinheiro para a senhora, pra ela, a senhora sabe, ela disse em algum momento?

 

Caroline Kist: Não, não, isso não.

 

Vê-se, portanto, que, segundo o depoimento acima transcrito, em nenhum momento, nas conversas com a testemunha Caroline Kist, a eleitora Maria Mohr informou quem lhe entregou o dinheiro, tampouco o valor que teria recebido para “amarelar”.

 

Por outro lado, verifica-se que o ilícito imputado no 2º fato baseia-se na mera ilação de Caroline Kist, a qual resta evidenciada quando a testemunha responde “não, ela, no primeiro, ela disse pra mim que faltava R$ 1.500,00, tá, no primeiro áudio, no segundo ela disse que já tinha recebido, então ela me confirma que recebeu uma bela duma grana para amarelar.”.

 

É dizer, não foi apresentada nenhuma prova efetiva de que o representado EDGAR comprou o voto da eleitora Maria Mohr, tampouco de que esta de fato o vendeu, ou sequer de que tenha de fato votado nas eleições de 2020.

 

Como bem destacado no parecer ministerial, a prova em relação ao segundo fato padece de fragilidade intransponível, afastando a configuração da ocorrência do fato descrito na inicial.

A imposição das severas penalidades de cassação do registro e do diploma àqueles legitimamente eleitos a cargos públicos deve ser lastreada em convicção inequívoca do cometimento do ilícito eleitoral para que não sejam gerados efeitos igualmente danosos sobre o sistema de representatividade popular.

Como esse não é o caso dos autos, visto que os dois fatos descritos na inicial não foram devidamente comprovados, a sentença deve ser integralmente mantida quanto ao afastamento da imputação de captação ilícita de sufrágio aos recorridos.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pela rejeição das preliminares e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.