REl - 0600465-37.2020.6.21.0172 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2021 às 10:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

Inicialmente, destaco que o recorrente acostou ao recurso prestação de contas retificadora, nota fiscal, contrato de prestação de serviço e termo de cessão de veículo, e observo que a juntada de documentos em fase recursal é prática aceita por este Tribunal na classe processual sob exame quando não apresentar prejuízo à tramitação do processo por se tratar de documentos simples, capazes de esclarecer as irregularidades apontadas sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares.

No entanto, não é este o caso dos autos, especialmente quanto à prestação de contas retificadora, pois sua aceitação exigiria uma nova análise técnica, com reabertura de instrução para o exame detalhado dos lançamentos em cotejo com as demais informações e dados constantes dos extratos eletrônicos, resultando em supressão de atividade atinente, na espécie, ao Juiz Eleitoral da instância inicial.

Portanto não conheço da prestação de contas retificadora, admitindo os demais documentos.

Passo ao mérito.

ODILON DA SILVA SANTOS recorre contra a sentença do Juízo da 172ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas de campanha ao cargo de vereador no município de Novo Hamburgo, relativas às eleições 2020, em razão de (1) ausência de documentos obrigatórios; (2) omissão de receitas e gastos; (3) ausência de comprovação de gastos com recursos do FEFC; e (4) não comprovação do recolhimento das sobras de verbas públicas e privadas da campanha. A decisão hostilizada determinou o recolhimento da quantia de R$ 1.263,80 à União.

À análise.

1. Ausência de documentos obrigatórios

O parecer conclusivo verificou a omissão na entrega dos extratos das contas bancárias abertas para movimentação de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC e de recursos privados, além da ausência de outros documentos atinentes às irregularidades que serão analisadas nos itens seguintes.

No pertinente à ausência de extratos bancários, verifico que o prestador acostou reprodução da página do Tribunal Superior Eleitoral (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87718/210000833525/extratos), com extrato eletrônico da Conta n. 766321, Banco do Brasil, Agência 3134.

A matéria, regulada na Resolução TSE n. 23.607/19, impõe a apresentação integral dos extratos de todas as contas de campanha:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

(…)

II - pelos seguintes documentos, na forma prevista no § 1º deste artigo:

a) extratos das contas bancárias abertas em nome do candidato e do partido político, inclusive da conta aberta para movimentação de recursos do Fundo Partidário e daquela aberta para movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), quando for o caso, nos termos exigidos pelo inciso III do art. 3º desta Resolução, demonstrando a movimentação financeira ou sua ausência, em sua forma definitiva, contemplando todo o período de campanha, vedada a apresentação de extratos sem validade legal, adulterados, parciais ou que omitam qualquer movimentação financeira; (…)

Observo que o recorrente declarou o recebimento de verbas públicas, circunstância que exige a abertura de contas bancárias específicas pra trânsito das verbas, conforme as rubricas.

E, como na hipótese é flagrante a inobservância do dispositivo, a falha permanece.

2. Omissão de receitas e gastos

A análise técnica ocorrida no primeiro grau identificou, dentre as notas fiscais eletrônicas emitidas contra o CNPJ do prestador, a Nota Fiscal n. 802, no valor de R$ 424,00, não apresentada à Justiça Eleitoral.

No campo normativo, a Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece os meios de comprovação do recebimento de receitas e dos gastos eleitorais conforme arts. 7º, § 1º, e 60, caput, que transcrevo:

 

Art. 7º (...)

§ 1º As doações financeiras devem ser comprovadas, obrigatoriamente, por meio de documento bancário que identifique o CPF/CNPJ dos doadores, sob pena de configurar o recebimento de recursos de origem não identificada de que trata o art. 32 desta Resolução.

 

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

Desde logo observo que omitir gastos na campanha eleitoral é considerado falha relevante, pois impede a apuração da origem dos recursos utilizados para a correspondente quitação, e a utilização de tais verbas tem como consequência o juízo de desaprovação das contas:

Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

(...)

§ 2º O disposto no caput também se aplica à arrecadação de recursos para campanha eleitoral os quais não transitem pelas contas específicas previstas nesta resolução.

Ademais, verifico que a parte recorrente não logrou comprovar a regularidade da operação, pois não demonstrou o pagamento da despesa mediante cheque nominal e cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária, meios que viabilizariam a rastreabilidade da verba pública utilizada, nos termos da legislação de regência.

A parte recorrente alega, ainda, que o extrato do sistema divulgacand demonstraria o gasto de modo suficiente.

Sem razão. O extrato em questão não identifica a contraparte beneficiária do cheque descontado, não havendo como firmar o vínculo entre a nota fiscal e o alegado pagamento, portanto, remanesce a falha atinente à despesa de R$ 424,00.

3. Ausência de comprovação de gastos com recursos do FEFC

O parecer conclusivo apontou a realização de despesas pagas com verbas do FEFC, identificadas por meio do desconto de cheques registrados no extrato eletrônico, porém não lançadas na prestação de contas ou, ainda, sem comprovação de pagamento.

Verifico que as cinco despesas totalizam R$ 1.263,80 e o extrato eletrônico oferece a contraparte de apenas três desses cheques descontados, dois nos valores de R$ 100,00 e um de R$ 139,80, todos em benefício de Petrovin Postos de Serviços Ltda. Restam dois saques sem indicação de contraparte, nos valores de R$ 424,00 e de R$ 500,00.

Aduz o recorrente que os cheques descontados em benefício de Petrovin Postos de Serviços Ltda. quitam despesa com combustíveis, e junta termo de cessão de veículo a justificar o gasto.

A matéria está disciplinada no art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35 (…)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

Em sua defesa, o recorrente alega que o gasto efetuado com combustíveis decorreu do abastecimento de veículo cedido para seu uso em campanha, argumento de inviável aceitação visto que os gastos com combustível e manutenção de veículo usado pelo candidato são considerados de natureza pessoal, sendo vedado o uso de recursos de campanha para seu pagamento, nos termos do § 6º do mesmo artigo.

Ademais, reitero que não houve a declaração da cessão na prestação de contas nem a apresentação de “relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim”, conforme determina a resolução.

Assim, não atendidos os requisitos exigidos para validação da despesa com combustíveis, mantém-se configurada a falha.

Igualmente ocorre com o cheque descontado no valor de R$ 424,00, sobre o qual o recorrente alegou se tratar de pagamento efetuado à empresa ALEGRAF GRAFICA LTDA. em nota fiscal tratada no item anterior; no entanto, enfatizo que não há nos autos comprovação do pagamento indicado, e o extrato eletrônico omite a contraparte beneficiária do saque, em estampada irregularidade.

No ponto, pertinente à ressalva da Procuradoria Regional Eleitoral “de que a despesa referente à Nota Fiscal emitida por Alegraf Gráfica Ltda (R$ 424,00), por se tratar comprovadamente de uso de recursos do FEFC, não pode ser tida como RONI. Não obstante, isso não deve implicar alteração no dispositivo da sentença, porquanto a referida irregularidade foi considerada apenas uma vez para fins de determinação do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional”.

De outra senda, entendo sanada a irregularidade atinente ao gasto realizado no valor de R$ 500,00, pois a despesa foi registrada na prestação de contas final e comprovada mediante apresentação do contrato de serviços de militância firmado com Kathiele de Souza Reinheimer, recibo e cheque nominal e cruzado em nome da contratada.

4. Não comprovação do recolhimento das sobras de verbas públicas e privadas da campanha

No tópico, a sentença adotou o entendimento da análise técnica, no sentido de que “não houve a comprovação de recolhimento ao Tesouro Nacional, do valor teoricamente declarado como sobra, proveniente do Fundo Especial de Financiamento de Campanha”. No ponto, a irresignação (em sua parte conhecida) silencia, impondo-se a manutenção da falha.

Em resumo, o recolhimento deve ser reduzido em R$ 500,00, gasto com militância que entendo comprovado, restando irregularidades da monta de R$ 763,80, valor inferior ao parâmetro legal de R$ 1.064,10 admitido pela jurisprudência “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe 0601473–67, Rel. Ministro Edson Fachin, de 5.11.2019), cabendo a aplicação do postulado da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento do recurso, aprovar as contas com ressalvas e reduzir o recolhimento para a quantia de R$ 763,80.