REl - 0601008-15.2020.6.21.0148 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2021 às 10:00

VOTO

 

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos, merece conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso contra decisão do juízo de origem que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral por alegada prática de abuso de poder proposta pela COLIGAÇÃO ALIANÇA NOVAS IDEIAS NOVO FUTURO (PP/PDT/PTB/MDB/PSB/PSD/PSDB) em desfavor de GUILHERME EUGÊNIO GRANZOTTO, IZELSO ZIN e MÁRCIO MARTINS MIRANDA.

Os fatos apontados pela recorrente versam sobre possíveis fraudes em dispensas de licitações que teriam beneficiado familiares do representado Márcio Martins Miranda, após a formação da Coligação Aratiba no Rumo Certo (composta partido de Márcio – PR, e pelo partido de Guilherme Eugênio Granzotto – PT), e após o ingresso de Izelso Zin no Partido Republicanos. Alega que o favorecimento de mais de R$ 100.000,00 teve como finalidade a obtenção de apoio político para as eleições 2020, caracterizando-se, assim, tanto o abuso de poder político como o abuso de poder econômico.

Antecipo que o recurso não merece provimento.

O abuso de poder possui repressão constitucional disposta no § 9º do art. 14 da CF, in verbis:

Art. 14. […]

§9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

O caput do art. 22 da LC 64/90 dispõe sobre a abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (Grifei.)

Trata-se de instituto aberto, não sendo definido por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir práticas e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A respeito do tema, trago a doutrina de Carlos Velloso e Walber Agra:

O abuso de poder econômico e político é de difícil conceituação e mais difícil ainda sua transplantação para a realidade fática. O primeiro é a exacerbação de recursos financeiros para cooptar votos para determinado(s) candidato(s), relegando a importância da mensagem política. Há uma exacerbação de meios materiais que apresentem conteúdo econômico para o voto de forma ilícita. O segundo configura-se na utilização das prerrogativas auferidas pelo exercício de uma função pública para a obtenção de votos, esquecendo-se do tratamento isonômico a que todos os cidadãos têm direito, geralmente com o emprego de desvio de finalidade. (Elementos de Direito Eleitoral, 5ªed., 2016, p. 422)

A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade da conduta capaz de alterar a simples normalidade das campanhas, sem a necessidade da demonstração de que sem a prática abusiva o resultado das urnas seria diferente.

É o que dispõe o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22.

(…)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

E nesse sentido bem esclarece a doutrina de José Jairo Gomes:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições. Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos. (Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663)

Quanto ao abuso de poder econômico, trago os ensinamentos de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral - 5ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. Páginas 541-542):

(…) Caracteriza-se o abuso de poder econômico, na esfera eleitoral, quando o uso de parcela do poder financeiro é utilizada indevidamente. com o intuito de obter vantagem, ainda que indireta ou reflexa, na disputa do pleito. Pode-se configurar o abuso de poder econômico, exemplificativamente, no caso de descumprimento das normas que disciplinam as regras de arrecadação e prestação de contas na campanha eleitoral (v.g., arts. 18 a 25 da LE). Em face à adoção da livre concorrência como um dos princípios basilares da ordem econômica (art. 170, inciso IV, da CF), tem-se que o abuso do poder econômico é o mais nefasto vício que assola os atos de campanha, distorcendo a vontade do eleitor e causando inegáveis prejuízos à normalidade e legitimidade do pleito. Para a caracterização do abuso do poder econômico desimporta a origem dos recursos, configurando-se o ilícito no aporte de recursos de caráter privado ou público.

(…)

Abuso de poder de autoridade é todo ato emanado de pessoa que exerce cargo, emprego ou função que excede aos limites da legalidade ou de competência. O ato de abuso de poder de autoridade pressupõe o exercício de parcela de poder, não podendo se cogitar da incidência desta espécie de abuso quando o ato é praticado por pessoa desvinculada da administração pública (lato sensu). O exemplo mais evidenciado de abuso de poder de autoridade se encontra nas condutas vedadas previstas nos artigos 73 a 77 da LE. Enquanto o abuso de poder de autoridade pressupõe a vinculação do agente do ilícito com a administração pública mediante investidura em cargo, emprego ou função pública, o abuso de poder político se caracteriza pela vinculação do agente do ilícito mediante mandato eletivo.

Feitas essas considerações, passo à análise do caso concreto.

Conforme se verifica nos autos, o recorrente não logrou êxito em demonstrar que os fatos narrados possuíram relação com o pleito de 2020.

Não há prova que as supostas dispensas ilegais de licitação, ou as próprias empresas pertencentes a familiares de um dos representados, beneficiaram as candidaturas do vereador Márcio Martins Miranda, do prefeito Guilherme Granzotto e do vice-prefeito Izelso Zin, ou dos partidos pertencentes à Coligação recorrida.

Também não há prova nos autos que houve algum tipo de influência aos eleitores.

Destaco que a chapa majoritária composta pelos representados Guilherme e Izelso obteve 2.274 votos (39,82%) nas eleições de 2020, contra 3.436 votos (60,18%) alcançados pela chapa vencedora da Coligação autora, situação que não fortalece a presunção de benefício eleitoral.

Também, restou demonstrado pela prova testemunhal que a “família Miranda” é conhecida por prestar serviços de construção civil, há muitas décadas, ao Município de Aratiba/RS, inexistindo ligação dessa prestação contínua de serviços com o benefício de candidaturas.

No intuito de evitar tautologia, valho-me da excelente fundamentação exarada pela magistrada na sentença recorrida:

(…) A parte representante, porém, não se desincumbiu desse ônus, não tendo ficado claro, a partir das provas produzidas nos autos, se as dispensas de licitação foram usadas para obter apoio político. E ao contrário do que pretende fazer crer a representante, a gravidade dos fatos narrados na inicial e sua ocorrência em período eleitoral não são suficientes para caracterizar abuso de poder político ou de poder econômico, necessários à procedência da ação de investigação judicial eleitoral.

O abuso de poder político “qualifica-se quando a estrutura da administração pública é utilizada em benefício de determinada candidatura ou como forma de prejudicar a campanha de eventuais adversários, incluindo neste conceito quando a própria relação de hierarquia na estrutura da administração pública é colocada como forma de coagir servidores a aderir a esta ou aquela candidatura” (Recurso Ordinário nº 265041, Acórdão, Relator(a) Min. Gilmar Mendes, Publicação: DJE Diário da justiça eletrônica, Tomo 88, Data 08/05/2017, Página 124). A representante não comprovou que as alegadas fraudes licitatórias foram realizadas para beneficiar as candidaturas dos representados ou para prejudicar as candidaturas de seus adversários, ou seja, não demonstrou que a administração municipal de Aratiba/RS foi posta, por seus agentes, por intermédio de contratos administrativos ilegais, a serviço das candidaturas de Guilherme Eugênio Granzotto, Izelso Zin e Márcio Martins Miranda.

Ao seu turno, o abuso de poder econômico se consuma com “a utilização de recursos patrimoniais em excesso, sejam eles públicos ou privados, sob poder ou gestão do candidato, em seu benefício eleitoral” (Recurso Ordinário nº 98090, Acórdão, Relator(a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Data 04/09/2017). Do mesmo modo, a representante não produziu provas que os representados usaram de recursos patrimoniais em excesso para seu benefício eleitoral. As alegadas fraudes, na verdade, teriam se prestado, segundo a representante, apenas para a formação de coligação para a campanha eleitoral, ou seja, os fatos pouca ou nenhuma relação possuem com abuso de poder econômico.

Os depoimentos prestados pelas testemunhas dão conta de que a “família Miranda”, que supostamente vendeu apoio político em troca de favores em contratos administrativos, é conhecida por prestar serviços de construção civil, há muitas décadas, ao Município de Aratiba/RS, sem terem estabelecido qualquer ligação dessa contínua prestação com o favorecimento das candidaturas dos representados.

Frise-se que se houve fraudes em licitações para favorecer compadres políticos – o que não é o objeto da presente decisão – isso não significa que os envolvidos o fizeram em benefício de suas candidaturas. A motivação e a finalidade pode ter sido, hipoteticamente falando, o enriquecimento ilícito às custas do erário municipal. A sua investigação ficará a cargo do Ministério Público, o qual já afirmou, em suas razões finais, que já extraiu cópia dos autos para apuração dos fatos narrados pela coligação representante. […]. (ID 41858433) (grifos no original)

Ainda, como bem pontuado na decisão transcrita e ressaltado pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer, se houve atos de improbidade administrativa, os mesmos, por si sós, não são suficientes para caracterizar o abuso de poder político e econômico na seara eleitoral, pois aos atos ímprobos tem de se agregar a gravidade para afetar a normalidade e legitimidade do pleito, consoante exige o art. 22, inc. XVI, da LC 64/90.

Por fim, ressalto que a Procuradoria Regional Eleitoral informou que o Ministério Público Eleitoral de Erechim já está investigando eventual crime ou improbidade administrativa nas contratações realizadas com dispensa de licitação em Aratiba-RS, sendo desnecessária qualquer comunicação ao parquet sobre os supostos ilícitos narrados pelo recorrente.

Assim, a sentença deve ser mantida.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo íntegra a sentença por seus próprios fundamentos.