REl - 0600418-62.2020.6.21.0043 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/12/2021 às 10:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O apelo é tempestivo nos termos do art. 258 do Código Eleitoral e, ademais, encontram-se presentes todos os pressupostos de admissibilidade, de forma que a irresignação merece conhecimento.

Ainda, sublinho que a presente demanda foi a mim redistribuída nos termos do art. 260 do Código Eleitoral.

Preliminares

Indeferimento de produção de prova testemunhal e cerceamento de defesa.

Quanto ao tópico, transcrevo parte da fundamentação do juízo de origem:

(...)

Com relação à eventual produção de prova testemunhal, pondero que a ação figura suficientemente instruída para apreciação da matéria fática invocada, não demandando a colheita da prova oral, requerida, aliás, apenas pelos Representados, até porque o rol de depoentes carreados pela parte autora prestava-se à elucidação de fato superado pelo instituto da decadência. As partes juntaram documentos que embasam as respectivas alegações e o julgamento do mérito demanda apenas interpretação jurídica do que já está nos autos, fundamento amparado pelo teor do art. 355 do Código de Processo Civil de 2015, que estabelece, no seu inciso I, que o juiz poderá julgar antecipadamente o pedido quando não houver a necessidade de produção de provas, como ocorreu no caso sob análise.

 

A parte recorrente alega a ocorrência de cerceamento de defesa tanto em relação ao indeferimento da produção da prova quanto à não concessão de oportunidade para a apresentação de réplica nos termos do art. 350 do Código de Processo Civil, o qual prevê que se o réu alegar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, este será ouvido no prazo de 15 (quinze) dias, permitindo-lhe o juiz a produção de prova.

De início, afasto os argumentos relativos à concessão de réplica porque não se trata de situação processual prevista no rito do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, notoriamente sumário e responsável em grande parte pela celeridade dos feitos da espécie. Além disso, conforme o art. 2º da Resolução TSE n. 23.478/16, os procedimentos constantes no CPC hão de ser aplicados nos feitos eleitorais de forma subsidiária e desde que haja compatibilidade sistêmica:

Art. 2º Em razão da especialidade da matéria, as ações, os procedimentos e os recursos eleitorais permanecem regidos pelas normas específicas previstas na legislação eleitoral e nas instruções do Tribunal Superior Eleitoral.

Parágrafo único.  A aplicação das regras do Novo Código de Processo Civil tem caráter supletivo e subsidiário em relação aos feitos que tramitam na Justiça Eleitoral, desde que haja compatibilidade sistêmica.

 

No caso, há um caminho de instrução descrito em lei complementar, o qual não prevê a oportunidade de réplica nas decisões relativas à instrução.

Igualmente não procede a alegação de cerceamento de defesa pelo indeferimento da produção da prova testemunhal, pois toda e qualquer produção probatória há de ser precedida por análise no que toca à utilidade e, no caso, as circunstâncias demonstram que a prova requerida não se prestaria à elucidação de qualquer questão relevante ao deslinde da demanda.

Senão, vejamos.

Perante o primeiro grau, a parte autora indicou o rol de testemunhas e justificou os fatos aos quais os depoimentos se reportariam, quais sejam: (1) as denúncias ao Ministério Público acerca de uso pessoal dos meios de comunicação oficiais da Prefeitura e (2) a instalação das placas de obras em meio ao período eleitoral.

Na sentença hostilizada houve o reconhecimento de tais fatos, além de restar incontroverso que tramitou perante o Ministério Público Estadual o Inquérito n. 01868.000.741/2018 para apurar acusações de promoção pessoal por meio de publicidade institucional de atos e notícias relativos à Prefeitura de Santa Vitória do Palmar no Facebook.

Destaco, ainda, a inovação argumentativa trazida nas razões de recurso, pois foram omitidos os motivos originais para o requerimento da prova testemunhal e trazidos outros, o que não pode merecer guarida, como bem indicado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, em trecho que expressamente adoto como razões de decidir:

(...)

Portanto, o que se tem são dois fatos, os quais se pretendiam ver comprovados pela prova testemunhal, e cuja existência foi expressamente reconhecida na sentença. Esta, por sua vez, apenas divergiu da inicial em questão totalmente jurídica, atinente ao enquadramento dos mesmos fatos nas hipóteses de condutas vedadas e de abuso do poder político ou econômico. É bem verdade que, mais adiante em seu raciocínio, o juízo de primeira instância alude “que o conjunto probatório trazido na exordial não é suficiente para provar a ocorrência de ilícito eleitoral, muito menos conduta vedada ou abuso de poder, em qualquer de suas espécies”. Contudo, tal se dá no contexto da análise da gravidade das circunstâncias das práticas noticiadas, análise que também compete ao magistrado. Aliás, na inicial, somente existe a descrição dos referidos fatos de maneira bruta, ou seja, revelando o seu cometimento, e, como prova, há a juntada de capturas de tela apontando a antiga existência de comunicação de atos da prefeitura por meio da página pessoal do prefeito, bem como de fotografias em que constam as placas de início das obras viárias no município.

Diante disso, não se entende, de fato, qual a utilidade da prova testemunhal, uma vez que todos os fatos que elas teriam o condão de comprovar já foram, em todos os seus elementos, narrados e comprovados na inicial, bem como reconhecidos na própria sentença. Em grau recursal, contudo, o autor inova, modificando a justificativa utilizada para a necessidade da prova testemunhal, alegando que por meio delas “pretendia-se COMPROVAR O IMPACTO ELEITORAL DAS OBRAS QUE CAPTANEARAM [sic] O ORÇAMENTO MUNICIPAL DE 2020 EM COMPORTAMENTO QUE FUGIU À REGRA E IMPACTOU O DESTINO DAS VERBAS DA SAÚDE”, e, mais adiante, que “O QUE SE PRETENDIA COM A PROVA ERA COMPROVAR O IMPACTO DAS OBRAS ELEITOREIRAS NO RESULTADO DA ELEIÇÃO!” Tais fatos, consubstanciados em direcionamento da máquina pública para fins eleitorais por meio da realização de obras e aumento de recursos para tanto em ano eleitoral, não possuem qualquer relação com aqueles aos quais se visava inicialmente vincular as testemunhas arroladas na inicial, atinentes à publicidade institucional em período vedado e à veiculação de publicidade oficial em rede social pessoal do prefeito.

Portanto, e afastada a justificativa inaugurada apenas em sede recursal, a inutilidade da prova postulada conduz à inviabilidade do reconhecimento do vício de cerceamento de defesa.

 

Em resumo, não havendo, sequer em tese, utilidade na produção da prova testemunhal, não há nulidade da sentença por cerceamento de defesa em razão do indeferimento da produção de prova oral, considerando que o magistrado motivou a negativa de produção de provas que entendeu desnecessária, como decidido por esta Corte recentemente em caso similar ao dos presentes autos (Recurso Eleitoral n. 0600485-10.2020.6.21.0081, relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 30.10.2021).

Afasto as preliminares.

Mérito

A presente AIJE por abuso de poder cumulada com representação por condutas vedadas versa sobre práticas ilícitas atribuídas a agentes públicos e, conforme o recorrente, o PSB de Santa Vitória do Palmar, teriam ocorrido em benefício de candidatos da chapa majoritária que representava a continuidade da administração então em curso.

À época dos fatos, WELLINGTON BACELO DOS SANTOS era Prefeito de Santa Vitória do Palmar e SIDNEY NUNES DAS NEVES ocupava o cargo de Vice-Prefeito. Lançaram candidatura à reeleição e lograram vitória nas urnas, de modo que os demandados compõem o polo passivo tanto na condição de agentes públicos quanto de candidatos supostamente beneficiários.

A sentença hostilizada entendeu pela decadência da questão atinente à irregularidade da propaganda (comícios com a utilização de show artístico) e pela improcedência da demanda quanto ao restante dos fatos narrados na inicial.

Trago, inicialmente, algumas diferenciações legais e conceituais entre o abuso de poder político e a prática de condutas vedadas que considero importantes para o caso sob exame.

O abuso de poder político está previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(...)

 

Por seu turno, a configuração do abuso de autoridade na seara eleitoral se extrai do art. 37, § 1º, da Constituição Federal, combinado com o art. 74 da Lei n. 9.504/97:

Art. 37 (…)

§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Art. 74. Configura abuso de autoridade, para os fins do disposto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, a infringência do disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, ficando o responsável, se candidato, sujeito ao cancelamento do registro ou do diploma.

 

Ainda, indico a redação legal das condutas vedadas previstas no art. 73, inc. VI, al. “b”, e § 10, da Lei n. 9.504/97:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...)

VI – nos três meses que antecedem o pleito:

(...)

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

(…)

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

 

Sob o ponto de vista doutrinário, ZILIO assevera que ao coibir o abuso de poder político a legislação visa proteger a normalidade ou legitimidade do pleito mediante conceitos abertos cuja constatação há de ser suportada pelas nuances do caso concreto, ao passo que as condutas vedadas têm o escopo de amparar bem jurídico diverso, a igualdade entre os candidatos, em um rol fechado de tipos previstos na legislação. As condutas vedadas são espécies tipificadas de abuso de poder, de antemão consideradas pelo legislador como "tendentes" a ferir a igualdade de candidatos, em subsunção dos fatos aos "elementos normativos descritos na norma legal" (Direito Eleitoral, 7ª ed., 2020. JusPodivm, ps. 661, 705 e 706).

Como se extrai da lição do insigne tratadista, o legislador estabeleceu amplitudes diversas de subsunção, pois o abuso de poder comporta necessária análise de todo, ao passo que as condutas vedadas exigem o enquadramento estrito da conduta no tipo descrito na norma.

E, como preconiza o inc. XVI do citado art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, para a configuração do ato abusivo não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas sim a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Nesse sentido é a lição de José Jairo Gomes:

(...)

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições. Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos. (Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663)." 

 

E Cavalcante Junior e Coêlho, fazendo referência a Canotilho, dizem que a gravidade das circunstâncias “bem se aproxima da definição de proporcionalidade e razoabilidade”, cabendo ao Judiciário a “verificação de adequação, necessidade e justa medida na aplicação da pena” (Cavalcante Junior, Ophir; Coêlho, Marcus Vinicius Furtado. Ficha limpa: a vitória da sociedade. Comentários à Lei Complementar 135/2010. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2010, p. 23. Disponível em: http://www.oab.org.br/pdf/FichaLimpa.pdf).

Transcrevo lição dos autores:

Não é possível a punição por fato insignificante, sem relevo, desprovido de repercussão social. Gravidade advém do adjetivo latim “gravis”, que significa pesado ou importante. As circunstâncias são os elementos que acompanham o fato, suas particularidades, incluindo as causas. Diz respeito a como o ato foi praticado. No direito penal, as circunstâncias podem constituir ou qualificar o crime, como também agravar a pena a ser aplicada. A reincidência e a prática do delito por uso do poder de autoridade são circunstâncias previstas no art. 61 do Código Penal. Tem a pena agravada, nos termos do art. 62 do CP, quem possui a função de direção, indução ou coação para a prática criminosa. Trata-se de normas do direito positivo que podem ser utilizadas como referência de interpretação por analogia, conhecida regra de integração da norma jurídica.

 

No que toca à proporcionalidade, alentado estudo de Humberto Ávila traz os seus possíveis significados daquilo que entende como um dever estatal, não conceitua a proporcionalidade como um princípio, mas sim como um “postulado normativo aplicativo” e, dentre as suas funções, indica a de proibição de excesso da lei e a de racionalidade da decisão judicial.

Sublinho:

(...)

É exatamente do modo de solução da colisão de princípios que se induz o dever de proporcionalidade. Quando ocorre uma colisão de princípios é preciso verificar qual deles possui maior peso diante das circunstâncias concretas. (...) No plano abstrato, não há uma ordem imóvel de primazia”, de forma que o dever de proporcionalidade deve ser definido como um “dever resultante de uma implicação lógica do caráter principal das normas”. (A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico. Ano I, Vol. I, n. 4, julho de 2001. Salvador).

 

Nesse norte, a aplicação da proporcionalidade deve surgir em momento primário para a identificação do abuso de poder, sopesando-se as circunstâncias relativas ao quem, ao como, ao onde, ao quanto, ao quando, aos motivos que dão, ou retiram, gravidade aos fatos.

De forma diversa, a constatação de conduta vedada depende apenas da demonstração da prática ilegal pelo agente público, e desnecessárias aferições outras, pois o legislador presumiu que o fato viola o bem jurídico tutelado, circunstância que transporta o juízo de proporcionalidade nas condutas vedadas para o momento de dosimetria das sanções previstas em lei.

À análise do caso concreto.

 

1. Abuso de poder econômico e prática de showmício

 

A parte recorrente sustenta ter ocorrido a prática de abuso de poder econômico mediante a presença de banda popularmente denominada “charanga” nos eventos de campanha eleitoral ocorridos nos dias 13.11.2020 e 14.11.2020. Na sentença hostilizada, houve a análise dos fatos sob o enfoque do art. 39, § 7º, da Lei n. 9.504/97, que veda a prática de showmício ou eventos assemelhados, com o reconhecimento de decadência, no que possui inteira razão.

Quanto ao ponto, o recurso não apresenta irresignação.

E sob a ótica do abuso de poder econômico igualmente não merecem guarida as alegações recursais, pois o que se vê nos autos é a mera participação de pequena banda (típica das festividades de carnaval ou dos estádios de futebol) nos “bandeiraços” dos recorridos, sem destaque aos músicos ou à estrutura voltada à apresentação musical, de forma que a situação não possui relevância do ponto de vista do abuso de poder econômico. Dado o nítido caráter coadjuvante dos músicos, que em momento algum exerceram protagonismo, entendo que se tratou de evento indiferente sob o ponto de vista da normalidade e da legitimidade do pleito, e do parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral colho trecho que adoto expressamente como razões de decidir, quer pelo detalhamento do contexto probatório, quer pelo sopesamento jurídico conferido aos fatos:

(...)

Nesse sentido, as únicas provas trazidas aos autos constituem capturas de tela consistentes em anúncio, no perfil pessoal do candidato investigado, de um bandeiraço final a ser realizado no dia 13.11 às 17h30min (ID 40907283), bem como em anúncios, no Facebook de uma simpatizante, de transmissão ao vivo do referido evento, em que o candidato está em um veículo aberto ou falando ao microfone e, em volta, uma série de apoiadores com bandeiras (IDs 40907333 e 40907383), sendo trazido, na inicial (fl. 27), detalhamentos das imagens em que aparecem os músicos e os instrumentos utilizados na passeata. Outrossim, os únicos elementos que dão conta da efetiva dimensão do evento são os vídeos disponíveis nos links informados na inicial (https://www.facebook.com/claudia.mena.3139/videos/4782564268531763/ e https://www.facebook.com/claudia.mena.3139/videos/4782590008529189/). No primeiro vídeo, de 43 segundos de duração, aparecem, na via pública, o candidato sobre um veículo aberto, seguido por diversos apoiadores, ouvindo-se, também, muito barulho produzido por instrumentos de percussão, bem como a menção, pela pessoa que realiza a gravação, entre outros dizeres, que se trata da “charanga do 15”. No outro vídeo, de duração de 2min1seg, o que se tem é um discurso do candidato investigado com o uso de microfone, algumas dezenas de apoiadores no seu entorno, bem como a utilização de instrumentos de percussão nas suas pausas. Ora, apesar da eventual irregularidade sob a ótica do § 7º do art. 39 da Lei das Eleições, matéria cuja decadência já foi pronunciada pelo juízo a quo, tem-se que a dimensão do evento não traduz gravidade suficiente para afetar a legitimidade e normalidade do pleito. Primeiro, porque não há qualquer informação de que os artistas trazidos sejam pessoas conhecidas ou de renome, ou seja, que possuam aptidão para atrair à passeata e ao comício um grande número de pessoas que não os próprios apoiadores do candidato. Este, aliás, sequer se utilizou, na divulgação do evento, da animação instrumental como chamariz para fins de atrair mais pessoas ao evento. Depois, porque o evento em tela, ao menos pelo que se extrai dos elementos dos autos, não adquiriu a proporção de um autêntico show, composto de equipamentos ou até estrutura para alcance de grande quantidade de pessoas. Conforme se percebe, não há palco, não há caixas de som para amplificação dos sons dos artistas, contexto que se aproxima muito mais de uma passeata política animada do que de um autêntico showmício. Assim, o evento em tela, seja pela pequena dimensão ou também pela frequência de um único episódio, não ostenta gravidade apta a ensejar abuso do poder econômico.

 

Em resumo, os fatos não são dotados de gravidade, de modo que não configuram prática de abuso de poder econômico. A sentença não merece reparos no tópico.

 

2. Abuso de poder político, publicidade institucional e redes sociais

 

As razões recursais trazem alegações no sentido de que houve ilegalidades na divulgação de atos da administração pública, com vinculação ao candidato à reeleição.

Ainda no ano de 2018 houve a instauração de inquérito civil pelo Ministério Público com a finalidade de apurar irregularidades concernentes à veiculação, no Facebook, de notícias oficiais da Prefeitura de Santa Vitória do Palmar em uma página intitulada “Bacelo Wellington”. O procedimento, de n. 01868.000.741/2018 e condizente com a esfera do direito administrativo, foi arquivado após o alinhamento dos inquiridos às exigências do Ministério Público.

Na sentença, o magistrado da origem descreveu a situação e teceu conclusões que não merecem reparo:

(...)

A análise sucinta de elementos do Inquérito Civil juntados pelas partes permite observar que, realizadas as diligências pelo Ministério Público ao longo da tramitação do expediente, as irregularidades previamente constatadas teriam sido satisfatoriamente sanadas, vez que o Executivo Municipal teria promovido os ajustes necessários para cumprir com a recomendação do Órgão Ministerial ao criar página oficial específica com a nomenclatura “Prefeitura de Santa Vitória do Palmar” e ao desativar o perfil outrora denominado “Bacelo Wellington”. Uma vez atendida a orientação/advertência, não houve a propositura de ação e o expediente restou arquivado.

Requereu a parte autora a remessa, por este Juízo, de Ofício endereçado ao Ministério Público para fins de solicitar cópia integral do Inquérito Civil mencionado. Pondero, outrossim, a desnecessidade da medida suscitada. Trata-se de procedimento arquivado, cujo escopo restou atingido pelo órgão fiscalizador, motivo pelo qual, inclusive, não houve o ajuizamento da ação cabível ao fato. Dispensável, assim, para formação do convencimento e devida apreciação da matéria, portar aos autos referências há muito superadas, posto que o Representado cumpriu prontamente com as determinações impostas e não houve a necessidade de prosseguimento da contenda.

(...)

 

Ou seja, tendo ocorrido a adequação de conduta no ano de 2018 com a criação de uma página oficial da Prefeitura no Facebook, como admitido pelo próprio recorrente na petição inicial, os fatos do inquérito não podem ser enquadrados como ilícitos eleitorais. A distância temporal é demasiada para repercutir nas eleições de 2020, sob pena de que se estabeleça um período eleitoral permanente ao arrepio da legislação de regência.

A seara eleitoral é especialíssima e suas sanções devem incidir de forma estrita, e lembro que a redação do art. 74 da Lei n. 9.504/97, não por acaso também chamada de “Lei das Eleições”, traz a condição de “candidato” como requisito para que se entenda praticado abuso de autoridade conforme o art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, não sendo possível empreender o alargamento interpretativo postulado pelo recorrente. Sequer havia candidato à época da apuração dos fatos pelo inquérito instaurado no Ministério Público Estadual.

Na sequência, o recorrente aduz ter havido práticas ilícitas exatamente na página oficial criada após o inquérito civil. De forma resumida, entende que o perfil da Prefeitura no Facebook teria abusivamente vinculado notícias e boletins informativos de atos e programas da administração então em curso ao Prefeito WELLINGTON BACELO DOS SANTOS, em excessiva personalização.

Não procede.

Há predomínio absoluto de conteúdo informativo nas 47 notícias postadas na página da Prefeitura de Santa Vitória do Palmar no Facebook nos anos de 2019 e 2020 e apresentadas nos autos pela parte autora. Mesmo naquelas divulgações em que o nome do Prefeito WELLIGTON é expressamente citado, ou são apresentadas imagens do mandatário, o que se percebe é o trato de assuntos relacionados ao cotidiano da municipalidade, de interesse coletivo e sem abordagem de viés eleitoral – aliás, destas que envolvem o nome ou a imagem do prefeito nenhuma ocorreu no período vedado a que se refere o art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97, compreendido entre os dias 15.8.2020 e 15.11.2020, conforme as disposições da Emenda Constitucional n. 107/20, devido à Pandemia causada pela COVID-19, circunstância que por si só já afasta de forma objetiva o enquadramento como publicidade institucional.

Integro ao presente voto trecho do parecer da r. Procuradoria Regional Eleitoral:

(...)

Em análise das notícias trazidas, percebe-se que, em muitas delas, há a descrição de atos oficiais e de agenda do Prefeito, como a emissão de decreto de suspensão das aulas na rede municipal (28.5.2020), determinação de fechamento da orla (06.8.2020), envio de projeto de lei que torna o uso da máscara obrigatório (06.7.2020), decretação de calamidade pública (23.3.2020), retorno do prefeito ao trabalho após sofrer infarto (03.04.2020), comparecimento em formatura em escola pública municipal (03.12.2019), bem como notícia do recebimento de autoridades, servidores e cidadãos em geral (14.8.2020, 23.7.2020, 26.3.2020, 23.12.2019, 29.11.2019, 25.11.2019, 12.11.2019, 24.10.2019).

Há, ainda, vídeos com o prefeito relacionados à pandemia (20.3.2020 e 05.7.2020) Em outros casos há, de fato, uma aparente mescla entre a divulgação de atos oficiais e o comparecimento em atos de agenda cuja atribuição se dá à própria pessoa do prefeito, de um lado, e o alcance de bens, obras ou benefícios à população, de outro.

Nesse sentido, colhem-se as seguintes notícias:

“PREFEITO ASSINA ORDEM DE SERVIÇO DE INÍCIO DAS OBRAS DE MODERNIZAÇÃO DO CENTRO CULTURAL CAIXEIRAL” (14.8.2020); “PREFEITO ASSINA ORDEM DE SERVIÇO DE INÍCIO DAS OBRAS DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO E PLUVIAL DA RUA SÃO MIGUEL E RUA DOS ESTUDANTES Essa obra é a realização de um sonho, aguardado por décadas pela comunidade local.” (10.8.2020); “PREFEITO LANÇA PROCESSO LICITATÓRIO PARA PAVIMENTAÇÃO DAS RUAS DOM DIOGO, GERIBATUBA, MANOEL VICENTE E GENERAL CANABARRO. O recurso é de financiamento junto ao BRDE.” (14.7.2020); “PREFEITO VISTORIA OBRAS” (13.5.2020, com fotos do prefeito em diversas obras na cidade); “PREFEITO LANÇA PROGRAMA 72 HORAS A partir de segunda-feira, as demandas de serviços essenciais, como por exemplo, iluminação pública e coleta de lixo, deverão ser realizadas diretamente na Secretaria de Obras ou pelo telefone 3263-3210. SUA DEMANDA ATENDIDA EM ATÉ 72h”; PREFEITO ANTECIPA SALÁRIO DOS FUNCIONÁRIOS EM 14 DIAS Amanhã o Prefeito Wellington Bacelo efetua o pagamento do funcionalismo público municipal. Além dos servidores terem a possibilidade de receber seus salários 14 dias antes do prazo, a medida visa injetar cerca de 5 milhões e meio na economia do município, contribuindo significativamente com o aquecimento do comércio local.” (23.04.2020); “NOVA ILUMINAÇÃO Prefeito Wellington Bacelo e Secretário de Obras Leonir Fonseca anunciaram na tarde de hoje a nova iluminação dos Bairros Santa Júlia e Vila Nova.” (02.3.2020); “O Prefeito Wellington Bacelo, na tarde de hoje, entregou mais uma máquina para a Secretaria de Obras.” (03.02.2020); “PREFEITO WELLINGTON BACELO CONVOCA MAIS 19 CANDIDATOS APROVADOS NO CONCURSO PÚBLICO. Confira a relação nas imagens abaixo:” (19.12.2019); “NUTRINDO SANTA VITÓRIA: o Prefeito e Secretária da Assistência Social, Tailerise Bacelo, acompanham a distribuição das sacolas de legumes, frutas e produtos para a ceia de Natal.” (18.12.2019); “Prefeito Wellington Bacelo e Secretário da Fazenda, Vanderlei Correa, divulgam data do pagamento do décimo terceiro salário. Os servidores da Prefeitura de Santa Vitória do Palmar receberão o décimo terceiro no dia 19 de dezembro, dia do aniversário da cidade.” (13.12.2019); “Prefeito Wellington Bacelo acompanha entrega de próteses dentárias e também escuta pacientes no Postão, a união vai dando novos rumos para saúde municipal. #MaisSorriso #MaisSaúde” (03.12.2019); “Prefeito Wellington Bacelo assinou, na tarde de hoje,11 contratos em contra partida social com as Eólicas do Sul.” (21.11.2019); “PREFEITO ANUNCIA EDITAL DO CONCURSO PÚBLICO Site da banca: https://fundacaolasalle.org.br/” (29.5.2019); “POÇO ARTESIANO NO ESPINILHO! Prefeito vistoria obra acompanhado do secretário de agricultura e do vereador Eder Nero.” (10.4.2019); “PREFEITO INCENTIVA A EDUCAÇÃO FISCAL!” (19.3.2019).

Verificam-se, também, vídeos postados em 05.04.2019 com o título “Prefeito Wellington Bacelo ao vivo”, em que o Prefeito aparece ao lado de Secretários anunciando a reposição salarial dos servidores; em 25.11.2019 com o título “Com a palavra o prefeito Wellington Bacelo – OBRAS NA CIDADE”, em que o prefeito aparece em frente a uma obra, informando a sua retomada e que estava lá com sua equipe; em 07.9.2019, com título “Com a palavra o nosso prefeito, Wellington Bacelo.”, em que o prefeito aparece divulgando programa de distribuição de brindes às escolas por meio de entrega de notas fiscais.

Em outros casos, há veiculação, pura e simples, da imagem do prefeito, como em postagem do dia 06.05.2019, com o título “Prefeito de Santa Vitória do Palmar, Wellington Bacelo.”, acompanhado apenas da fotografia do mandatário, bem como postagem do dia 08.12.2019, com o título “Prefeito e Assessor de Esportes Claunir Balaio”, em que consta apenas fotografia dos dois juntos. Apesar de se afigurar de certa forma censurável a forma de publicidade utilizada, vinculando a entrega de bens, pagamento de salários e início de obras ao prefeito, tem-se que os fatos não caracterizam gravidade suficiente para a caracterização do abuso do poder de autoridade a que se refere o art. 74 da Lei n. 9.504/97.

Primeiro, porque, na quase totalidade das postagens, a promoção pessoal da imagem ou do nome do prefeito não está de todo evidente, traduzindo, como referido, uma associação com a agenda e com atos e compromissos oficiais do mandatário, tais como assinatura de projetos, fiscalização e acompanhamento da execução de obras e programas, bem como abertura oficial de programas e atos de governo, havendo, portanto, caráter informativo das ações da prefeitura, ainda que vinculadas a atos da sua autoridade máxima, o prefeito municipal. Depois, porque a amostragem trazida refere uma média de aproximadamente apenas uma notícia com a referida mescla ou confusão entre atos de governo e o nome do prefeito por mês.

Ora, analisando a página oficial da Prefeitura de Santa Vitória do Palmar no Facebook, pelo link https://www.facebook.com/PrefeituraDeSantaVitoriaDoPalmar, percebe-se que tais notícias não indicam uma polarização ou uso excessivo da imagem ou nome do prefeito municipal, uma vez que elas dividem espaço com uma série de outras postagens mencionando os mais variados assuntos de utilidade pública. Assim, também inviável atribuir-se a prática de abuso de poder de autoridade em razão dos referidos fatos.

 

E destaco a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, nesse mesmo sentido:

RECURSO ESPECIAL. CONHECIMENTO. RECURSO ORDINÁRIO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. ELEIÇÃO 2010. LEI Nº 9.504/97, ART. 73, I e II. ABUSO DO PODER POLÍTICO. DESCARACTERIZAÇÃO. PROPAGANDA INSTITUCIONAL. DESPROVIMENTO. 1. É cabível o recurso ordinário quando a decisão recorrida versar sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas nas eleições federais ou estaduais. Precedentes. 2. A publicidade institucional de caráter meramente informativo acerca de obras, serviços e projetos governamentais, sem qualquer menção a eleição futura, pedido de voto ou promoção pessoal de agentes públicos, não configura conduta vedada ou abuso do poder político. 3. Recurso especial conhecido como ordinário e desprovido. (RESPE - Recurso Especial Eleitoral n. 504871/AM, Ac de 26.11.2013, Relator Min. Dias Toffoli. DJE de 26.02.2014, Página 38. Grifado.)

 

Ainda conforme o Superior, "[...] não há falar em conduta vedada (art. 73 da Lei das Eleições) na hipótese em que a notícia veiculada no portal de órgão da Administração Pública possui conteúdo meramente informativo" (Rp n. 160062, de 17.12.2015, Relatora Ministra Maria Thereza Assis Moura).

Em resumo, o eleitor não foi exposto a circunstâncias graves, assim como no relativo às manifestações em perfil pessoal do Facebook do então prefeito e candidato à reeleição, situação sem a ilicitude que o recorrente pretende fazer incidir, pois WELLINGTON BACELO DOS SANTOS pode, em atos pessoais de campanha descolados da estrutura pública, lembrar ao eleitor de sua condição de prefeito. Não é possível que se limite o exercício de direitos políticos à míngua de regramento expresso, até mesmo porque o abuso do poder político se qualifica quando a estrutura da administração pública é utilizada em benefício de determinada candidatura ou como forma de prejudicar a campanha de eventuais adversários (RO n. 265041, Relator Ministro Gilmar Mendes, ac. de 05.4.2017).

Lembro que o ocupante de cargo, o candidato, é também eleitor, e suas manifestações particulares integram o direito de liberdade de expressão como decidiu este Plenário em processo de minha relatoria, o Recurso Eleitoral n. 0600907-10.2020.6.21.0008, julgado em 25.8.2021. Além disso, trata-se de situação com dupla face, pois manifestações do político em perfil pessoal podem surtir efeito contrário naqueles eleitores insatisfeitos com a gestão em curso, como ocorre em uma administração mal avaliada pelos eleitores.

Reproduzo trecho da fundamentação da sentença, para demonstrar o alinhamento com as posições do Tribunal Superior Eleitoral e, também, desta Corte Regional:

(...)

Com efeito, as imagens objeto da discussão foram produzidas e publicadas em página pessoal do candidato em rede social, meio legal de divulgação de propostas, características pessoais e profissionais e, obviamente, de obtenção de votos. Diante disso, utilizando-se de mídia privada, o candidato Wellington Bacelo relatou aos possíveis eleitores uma conquista, conteúdo meramente informativo, sem qualquer argumento de autoridade que pudesse configurar ilícito eleitoral. O Prefeito pode, como qualquer cidadão, participar ativamente da eleição, desde que, no caso particular, não confunda as prerrogativas pessoais atinentes à função pública exercida, sendo lícito, nessa condição, até mesmo divulgar e exaltar aquilo que, na sua ótica, foi feito de forma satisfatória pela administração. Ainda, consigno, não houve nenhuma prova de que a publicidade tenha sido feita na página oficial da Prefeitura de Santa Vitória do Palmar.

 

Também é irretocável a sentença quanto à fixação de placas em obras de pavimentação em vias de Santa Vitória do Palmar, cujo caráter informativo se extrai da ausência de nomes ou alusão a candidato, à agremiação, à eleição ou voto. Não foram inseridos símbolos, imagens ou brasões da administração, de modo que o teor da sinalização não extrapola os limites legais e apenas informou à população a ocorrência de obra.

Nessa linha, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

(...)

Conduta vedada aos agentes públicos em campanha. Art. 73, VI, b, da Lei 9.504/97. Publicidade institucional. Afixação de placa de obra pública no período vedado. Obra realizada em parceria entre o governo do estado e a prefeitura municipal. [...] 1. A jurisprudência deste Tribunal é uníssona no sentido de que é permitida a manutenção das placas de obras públicas, desde que não seja possível identificar a administração do concorrente ao cargo eletivo. 2. O Tribunal de origem reconheceu a prática de publicidade institucional em período vedado, nos termos do art. 73, VI, b, da Lei 9.504/97, em razão da veiculação de placas que, além do brasão da prefeitura, constava a informação de que as obras eram realizadas em associação do Município com o Estado. 3. Ainda que a publicidade institucional tenha sido objeto de uma parceria entre dois entes da Federação e mesmo que fosse ela responsabilidade do Governo do Estado, cabe à municipalidade diligenciar para que as placas não fossem mantidas, segundo as características apuradas, a fim de se obedecer ao comando proibitivo do art. 73, VI, b, da Lei 9.504/97, em virtude do período eleitoral alusivo ao pleito municipal. [...]” (AgR-AI n. 8542, Relator Ministro Admar Gonzaga. Acórdão de 5.12.2017).

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2018. GOVERNADOR. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. ART. 73, VI, b, DA LEI 9.504/97. PLACAS EM OBRAS PÚBLICAS. DESPROVIMENTO.1. O ilícito do art. 73, VI, b, da Lei 9.504/97 é de natureza objetiva e independe da finalidade eleitoral do ato para configuração, bastando a mera prática para atrair as sanções legais. Precedentes.2. Não há falar em inconstitucionalidade dessa regra por afronta aos arts. 1º, caput, e 37, caput e § 1º, da CF/88, pois a vedação de propaganda institucional imposta nos três meses que antecedem o pleito objetiva resguardar os princípios que norteiam as eleições, especialmente o da igualdade entre os candidatos. Precedentes.3. Esta Corte já decidiu, em caso similar, que a presença de termos como "mais uma obra do governo" em placas é o bastante para caracterizar a publicidade institucional vedada (AI 85–42/PR, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 2/2/2018). 4. A teor da moldura fática do aresto a quo, as quatro placas de obras públicas na sede da Central de Abastecimento do Paraná S.A. (CEASA/PR), nos três meses que antecederam o pleito, continham não apenas dados técnicos como também as expressões "mais uma obra"; "Paraná Governo do Estado", a bandeira do Estado e o respectivo brasão, o que configura conduta vedada e, por conseguinte, autoriza impor multa. 5. Agravo regimental desprovido. (REspe n. 060229748, Relator Ministro Jorge Mussi, DJE de 18.9.2019.)

 

3. Abuso de poder e incremento de aplicação de verbas públicas em ano eleitoral

 

O presente item, de razoável complexidade, impõe algumas considerações iniciais.

As alegações da parte autora constaram nas páginas 13 a 18 da petição inicial com a apresentação de uma série de 6 planilhas obtidas via acesso ao portal digital Transparência, colacionando um volume considerável de dados dos valores e das rubricas relativos aos atos e programas da Prefeitura de Santa Vitória do Palmar ao longo da primeira gestão de WELLINGTON BACELO DOS SANTOS à frente daquele Poder Executivo.

Na sentença, o juízo de origem apresentou detida, rigorosa, técnica e exauriente análise do tema.

Nas razões de recurso, no entanto, a parte apenas reapresenta aqueles mesmos dados, inclusive a compor as páginas 13 a 18 do recurso com idênticas alegações da inicial. Não contrapõe qualquer fundamento da sentença, não estabelece dialética entre aquilo que foi apresentado pelo magistrado como razões de decidir e o que afinal de contas estaria a lhe trazer irresignação, motivando a recorrer no ponto.

A Procuradoria Regional Eleitoral bem identificou a questão ao fazer consignar em seu parecer que “(...) as próprias razões recursais não passam, no mérito, de uma grande repetição dos fatos descritos na petição inicial, sem qualquer alusão específica aos fatos e documentos trazidos na contestação”.

Trago trechos das alegações constantes entre a aposição de planilhas, a demonstrar a repetição.

Petição Inicial

(...)

É verdade que houve incremento no gasto municipal de cerca de vinte milhões de reais no ano de 2020 em relação ao ano de 2019. De qualquer forma, o valor investido em 2019 em obras de impacto público correspondeu a cerca de 6,8% do orçamento municipal, enquanto que em 2020, tal investimento alcançou a proporção de 12,6% do orçamento municipal – DEMONSTRANDO-SE QUE, NESTE ANO ELEITORAL, MESMO PROPOCIONALMENTE, O INVESTIMENTO É FLAGRANTEMENTE SUPERIOR! Apenas para complementar o exercício, nos anos de 2018, o investimento nas mesmas rubricas foi de 8 MILHÕES, equivalendo a 5,4% do orçamento total, e no ano de 2017, esse investimento foi de 9 milhões de reais, que equivale a 6,8% do orçamento total. Ou seja, nos três anos subsequentes do mandato do atual perfeito, o investimento nas políticas de obras públicas e saneamento girou em torno de 6% do orçamento total do Município. Já no ano de 2020, o investimento dobrou, alcançando 12,6%!

Veja-se que a campanha de amplo direcionamento da verba pública em 2020 para as obras de impacto eleitoral comprometeu, inclusive, os investimentos em saúde pública, que não alcançou o mínimo exigido por lei, resumindo-se a cerca de 10% do orçamento total, sem sequer aplicar toda a receita vinculada recebida para a saúde, na rubrica, conforme se vê das planilhas de arrecadação e gasto, deste ano, retiradas do portal da transparência, em anexo. Segundo a planilha de arrecadação por fonte de recurso, em anexo, a soma dos itens relacionados à saúde alcança o montante de R$ 26.975.685,54. Por outro lado, da planilha de orçamento executado, percebe-se o investimento do total de R$ 17.584.384,20 em custeio de saúde.

 

Recurso

(...)

É verdade que houve incremento no gasto municipal de cerca de vinte milhões de reais no ano de 2020 em relação ao ano de 2019. De qualquer forma, o valor investido em 2019 em obras de impacto público correspondeu a cerca de 6,8% do orçamento municipal, enquanto que em 2020, tal investimento alcançou a proporção de 12,6% do orçamento municipal – DEMONSTRANDO-SE QUE, NESTE ANO ELEITORAL, MESMO PROPOCIONALMENTE, O INVESTIMENTO É FLAGRANTEMENTE SUPERIOR! Apenas para complementar o exercício, nos anos de 2018, o investimento nas mesmas rubricas foi de 8 MILHÕES, equivalendo a 5,4% do orçamento total, e no ano de 2017, esse investimento foi de 9 milhões de reais, que equivale a 6,8% do orçamento total. Ou seja, nos três anos subsequentes do mandato do atual perfeito, o investimento nas políticas de obras públicas e saneamento girou em torno de 6% do orçamento total do Município. Já no ano de 2020, o investimento dobrou, alcançando 12,6%!

Veja-se que a campanha de amplo direcionamento da verba pública em 2020 para as obras de impacto eleitoral comprometeu, inclusive, os investimentos em saúde pública, onde não foi aplicada toda a receita vinculada recebida para a saúde, na rubrica, conforme se vê das planilhas de arrecadação e gasto, deste ano, retiradas do portal da transparência, em anexo. Segundo a planilha de arrecadação por fonte de recurso, em anexo, a soma dos itens relacionados à saúde alcança o montante de R$ 26.975.685,54. Por outro lado, da planilha de orçamento executado, percebe-se o investimento do total de R$ 17.584.384,20 em custeio de saúde.

(...)

 

A necessidade do estabelecimento da dialética processual no curso da ação, desde 2015 positivada na legislação processual pátria, serve sobretudo como instrumento de colaboração entre as partes para a resolução da contenda. Ao não estabelecer debate específico contra a fundamentação construída pelo juízo sentenciante no relativo aos dados orçamentários, mas sim apenas repetir perante o grau recursal a apresentação das planilhas e as considerações já tecidas, a parte recorrente devolve a matéria ao Tribunal em ponto idêntico àquele já apresentado pelo primeiro grau de jurisdição.

E, daí, havendo a constatação de acerto da decisão recorrida, como é o caso presente, a conclusão é a de que a sentença merece ser mantida pelos próprios fundamentos, posição aliás também externada pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer.

Nesse norte, a destinação de recursos públicos foi igualmente tratada com minúcias no parecer ministerial. Transcrevo para que componham a presente fundamentação:

(...)

Nesse sentido, o orçamento para 2020 com “Cidade Pavimentada”, cuja dotação inicial era de R$ 3.989.000,00, pulou, mediante a inclusão de créditos adicionais, para R$ 9.322.823,87, alcançando um total empenhado de R$ 4.273.697,85 ao final do exercício. Para se ter uma ideia, em 2019, foram empenhados R$ 796.422,70; em 2018, R$ 1.389.384,67; e em 2017, R$ 291.808,24. Ou seja, o total empenhado foi, em 2020, cerca de três vezes superior ao maior valor atingido nos anos anteriores e cinco vezes superior à média dos anos anteriores. Já o orçamento para 2020 com “Iluminação Pública”, cuja dotação inicial era de R$ 554.000,00, saltou, mediante a inclusão de créditos adicionais, para R$ 1.825,984,62, alcançando um total empenhado de R$ 1.524.174,38 ao final do exercício. Em 2019, os valores empenhados para a mesma finalidade eram de R$ 165.633,09; em 2018, de R$ 118.259,28; e em 2017, de R$ 124.891,47.

Portanto, o valor empenhado em 2020 foi cerca de nove vezes superior ao do maior valor dos anos anteriores e cerca de onze vezes superior à média dos três anos anteriores. Por fim, no que se refere ao orçamento para 2020 com “Vias Urbanas”, cuja dotação inicial era de R$ 1.237.500,00, tal atingiu, mediante a inclusão de créditos adicionais, o montante acumulado de R$ 6.258.643,44, alcançando um total empenhado de R$ 3.092.771,48 ao final do exercício. Em 2019, os valores empenhados com a mesma finalidade eram de R$ 1.779.939,19; em 2018, de R$ 995.505,18; em 2017, de R$ 1.040.769,35.

Tais montantes, se se quiser somar àqueles com dotação para “Revitalização, Pavimentação de Vias Urbanas”, alcançaram um total empenhado de R$ 1.376.634,10 em 2017, R$ 1.647.512,56 em 2018, R$ 2.448.822,61 em 2019 e R$ 3.507.216,39 em 2020. Portanto, o aumento de gastos públicos com obras em tese visíveis para o conjunto da população observou, de fato, um grande salto no ano de 2020.

Esse contexto, aliás, não foi impugnado pela defesa, a qual apontou que esse gasto maior com obras de infraestrutura urbana decorreu sobretudo da liberação de valores de financiamentos no final de 2019 e 2020, os quais já observavam tratativas desde 2018 e 2019, porém sem consecução anterior em decorrência de entraves burocráticos por conta da situação caótica das contas públicas municipais herdada da gestão anterior.

Tal situação de dificuldade nas contas públicas é, aliás, reconhecida como notória pela própria sentença, a qual chega a referir que, no âmbito do Município de Santa Vitória do Palmar, o “contexto de endividamento e atrasos no pagamento de Precatórios e fornecedores revela-se amplamente conhecido”.

Ademais, apesar de a defesa não comprovar o eventual saneamento das contas públicas entre os anos de 2019 e 2020 para fins de justificar tamanho incremento na obtenção de financiamentos e de gastos em infraestrutura urbana, tem-se que, consoante contratos de financiamento juntados, era exigida, para fins de eficácia, a “adoção ou não do Regime Especial de Pagamento de Precatórios e seu adimplemento pelo Financiado” (ID 40908333, fls. 4 e 39).

Outrossim, os representados também trouxeram trocas de mensagens que comprovam o extenso rol de documentação exigida no processo de concessão dos financiamentos, bem como, com relação a diversos deles, o início de tratativas já desde os anos de 2017 e 2018. Por outro lado, no que se refere à caracterização de publicidade institucional em período vedado pela afixação de tais placas, percebe-se claramente que o espaço da publicidade na placa é quase que totalmente ocupado pelo agente financiador e pela construtora, havendo uma pequena menção à Prefeitura de Santa Vitória do Palmar no campo “agente participante”.

 

Em resumo, os recorridos apresentaram justificativas bastante críveis para o incremento de aplicação de recursos públicos em obras de infraestrutura urbana ao longo do ano de 2020, ao descreverem e demonstrarem os caminhos burocráticos próprios do trato estatal para a obtenção das verbas viabilizadoras das obras e dos programas da administração.

Por seu turno, o recorrente não logrou comprovar a finalidade eleitoral dos feitos, aliás gizo que sequer há demonstração de conclusão das obras em período próximo às eleições, de forma que tenho como não configuradas as práticas de abuso do poder político e publicidade institucional em período vedado pela afixação de placas em obras públicas, pois, como já asseverado em item anterior, os elementos evidenciam ausência de promoção ilícita.

Repito, a sentença merece ser mantida pelos próprios fundamentos no presente item de análise, de maneira que igualmente colaciono trecho da decisão de origem ao presente voto expressamente adotando-o como fundamentação, pois, como já apontado, tudo o que se refere à petição inicial cabe igualmente às razões recursais:

(...)

Com o objetivo de reafirmar a prática da manipulação da máquina pública com finalidade estritamente eleitoreira, denuncia a parte autora, ainda, a ampla canalização de recursos públicos às obras de pavimentação, manutenção de vias públicas e melhorias na iluminação coletiva, que teriam fundamentado toda a campanha eleitoral dos acusados, caracterizando o abuso de poder político e econômico, a teor do art. 22 da Lei Complementar 64/1990:

“Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político”.

No caso em tela, argumenta o deslocamento, mediante abertura de créditos extraordinários, do montante aproximado de 10 (dez) milhões de reais para a execução e conclusão de obras públicas nos 5 (meses) que teriam antecedido o Pleito de 2020, que, somados ao valor ordinariamente destinado às dotações de obras públicas alcançariam o investimento de 22 (vinte e dois) milhões de reais no domínio. Exemplifica a tese defendida com os valores aplicados em Iluminação Pública e Vias Urbanas que, conforme as planilhas juntadas, teriam quase que quintuplicado o capital disponível nos meses que antecederam o Pleito Municipal.

Argumenta, ainda, que no exercício de 2019, o investimento total em obras de pavimentação, iluminação e saneamento, entre outros, teria correspondido à metade do que foi aplicado no ano eleitoral, de forma a denotar conduta exorbitante dos padrões de normalidade observados nos anos anteriores.

(...)

De modo a reiterar a disparidade e incongruência da aplicação orçamentária no ano eleitoral, visando exclusivamente à realização de “obras eleitoreiras”, junta planilhas extraídas do Portal da Transparência e corrobora o propósito desvirtuado da conduta na propaganda eleitoral dos denunciados, pois ter-se-iam valido de inaugurações virtuais de conclusão das obras durante todo o período da campanha.

Em contrapartida, a parte reclamada consigna a apresentação de dados distorcidos e destoantes da realidade por parte do Partido Socialista Brasileiro. Observa, primeiramente, que todo orçamento público é submetido à apreciação e aprovação do Poder Legislativo, não dispondo o Chefe do Poder Executivo de autonomia absoluta para a sua execução sem que este seja devidamente analisado e autorizado pela Câmara de Vereadores. Afirmam, igualmente, que a pauta de divulgação da campanha eleitoral dos representados não se resumiu aos feitos empreendidos em 2020, ao contrário, restou amparada na plenitude de seu mandato, desde 2017.

Aduzem, por conseguinte, que causas alheias às alegações da parte autora teriam inviabilizado as obras de infraestrutura em período anterior ao efetivamente ocorrido. Atribuem a concentração de investimentos em obras de pavimentação, iluminação pública e saneamento no ano final do mandato a entraves de ordem burocrática na análise de financiamentos requeridos junto às principais Instituições Financeiras. Somados a isso, a situação de endividamento do Município no início de sua gestão, atrasos de Precatórios e dívidas com fornecedores obstaculizaram maiores investimentos na área de infraestrutura à época. Neste ponto, fazem referência à Ação de Improbidade Administrativa n. 5002751-30.2018.4.04.7101/RS, julgada improcedente, movida contra um dos réus da presente, em que há o reconhecimento da situação de extrema dificuldade pela qual passou no início de seu mandato.

Objetivando comprovar tais arguições, anexam ao feito as Leis Autorizativas dos financiamentos, aprovadas pela Câmara de Vereadores, demonstrando que as operações financeiras realizadas pelo Município decorrem de longas tratativas para a sua consecução. Alegam que o aumento de investimentos no ano de 2020, conforme suscitado pela parte autora, é resultado dos financiamentos assumidos junto ao Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES e Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul – BRDE que, embora em planejamento desde 2018/2019, tiveram a sua grande parte liberada tão somente ao final de 2019/2020, não se vislumbrando a convergência de recursos financeiros de forma intencional com vistas à Eleição.

Ao feito, anexam vasta documentação expondo as comunicações entre as Instituições Financeiras supracitadas e Secretarias da Prefeitura de Santa Vitória do Palmar, projetos de engenharia e infraestrutura, contratos de financiamento, publicações em jornais locais, Ofícios expedidos, e-mails enviados e recebidos, Leis Municipais Autorizativas, Edital de Tomada de Preço, propostas de financiamento de projetos e posterior análise pelas Instituições Bancárias, entre outros. Observam, por fim, conforme detalhado pelo Secretário de Planejamento e Orçamento do Município, que eventual atraso na liberação dos recursos pleiteados junto às Instituições de Crédito advém do necessário cumprimento de normas legais e regulamentares, políticas e diretrizes próprias estabelecidas para a contratação de financiamentos, com o fito de evitar e/ou ajustar quaisquer desvios ou inconformidades que possam ocorrer durante a sua execução, prejudicando muitas vezes a celeridade nas operações contratadas.

Finalmente, apontam que os investimentos amparados em recursos livres obtiveram percentual similar ao longo dos quatro anos de gestão dos Requeridos, afastando a alegada centralização de recursos em obras como insinuado. Em tempo, juntam tabela informando os percentuais referentes à aplicação de recursos próprios da Prefeitura nas Secretarias de obras, Educação e Saúde durante o período de 2017 a 2020, disponibilizada no Ofício n. 022/2021.

(...)

Ao contemplar o caso concreto, não se afigura incontroverso que houve a utilização da máquina administrativa ou uso de recursos patrimoniais de forma desproporcional especificamente vinculados a uma finalidade eleitoreira. A parte demandada expõe quadro probatório apto a justificar a alegada centralização de recursos destinados a obras de pavimentação, iluminação pública, aquisição de maquinário, entre outros, no ano de 2020, desconstituindo a alegada canalização intencional de recursos financeiros no ano eleitoral.

O conteúdo argumentativo abarcado pelos réus, na forma da vasta documentação juntada, permite raciocínio lógico acerca das circunstâncias fáticas que teriam determinado a concentração dos aportes financeiros no ano de 2020.

A meu ver, foram empreendidas longas tratativas junto a Instituições Financeiras que prezam pelo exame minucioso de toda a documentação correlata para a consecução de eventual financiamento. É notória a existência de extenso trâmite burocrático que pode retardar e até criar obstáculos para a aprovação do pedido e obtenção do crédito requerido, conforme se pôde inferir da própria condição da Prefeitura de Santa Vitória do Palmar, cujo contexto de endividamento e atrasos no pagamento de Precatórios e fornecedores revela-se amplamente conhecido e apto a inspirar maiores cautelas por parte das agências de crédito.

Evidenciou-se, portanto, que o processo de formalização de financiamentos para investimentos na infraestrutura municipal, além de moroso e rígido, restava inserido na rotina administrativa do governo desde o início do mandato dos investigados, atos, portanto, corriqueiros no âmbito da municipalidade.

 

4. Abuso de poder, condutas vedadas, distribuição de próteses dentárias e regularizações imobiliárias

 

O derradeiro conjunto de fatos a serem analisados se refere à distribuição de bens e benefícios durante o ano eleitoral no “Programa Mais Sorriso”, consistente na distribuição de próteses dentárias aos cidadãos e no programa “Agora é Meu!”, de distribuição de 46 terrenos a munícipes em programa de regularização fundiária, alegadamente sem autorização legislativa, e execução orçamentária no exercício anterior e em desacordo com a legislação de regência tanto por configurar abuso de poder político quanto por caracterizar a prática da conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei das Eleições.

No condizente ao “Programa Mais Sorriso”, indico que o conjunto de prova demonstra a execução da iniciativa governamental ainda no ano de 2019, de modo que o recurso não merece provimento.

A parte recorrente apresentou junto à petição inicial a Lei Complementar Municipal n. 87, de 15.01.2020, de criação de vaga temporária e autorização de contratação emergencial por tempo determinado de odontólogo especializado em prótese dentária, e a Lei Municipal n. 6.335, de 16.9.2020, a autorizar crédito especial no valor de R$ 7.960,00, dos quais R$ 800,00 destinados a “Material de Consumo” para laboratórios de próteses dentárias e R$ 7.160,00 endereçados a “Material, Bem ou Serviço para Dist Gratuita” dos laboratórios, recursos que, nos termos do art. 2º da mesma lei, teriam origem em “(…) igual valor resultante de repasse do Fundo Estadual de Saúde, conforme Portaria 562/09, Decreto 47.429/10 para aquisição de Próteses Dentárias”.

Por sua vez os representados, na contestação, indicaram a Portaria do Ministro da Saúde n. 1.670, de 01.07.2019, a qual transcrevo no que importa de momento:

Art. 1º Ficam credenciados os municípios descritos no Anexo a esta Portaria a receberem o incentivo de custeio referente a Laboratório Regional de Prótese Dentária (LRPD), com periodicidade da transferência mensal, caso não exista nenhuma irregularidade que motive a suspensão. Parágrafo único. Os recursos orçamentários, objeto desta Portaria, correrão por conta do orçamento do Ministério da Saúde, devendo onerar a Funcional Programática 10.301.2015.219A - Piso de Atenção Básica em Saúde-Plano Orçamentário PO - 0003 - Atenção à Saúde Bucal.

Art. 2º O Fundo Nacional de Saúde (FNS) adotará as medidas necessárias para as transferências de recursos estabelecidos nesta Portaria ao respectivo Fundo de Saúde, em conformidade com os processos de pagamento instruídos.

Art. 3º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

 

Indico que Santa Vitória do Palmar efetivamente consta no rol de municípios credenciados do programa assistencial, inclusive com a quota mensal de próteses definida entre 20 a 50 ao valor também mensal de R$ 7.500,00, e a dotação orçamentária de tais recursos da União já fora prevista para o ano de 2019, fundamental para que a situação seja albergada pela exceção prevista na legislação de regência.

Ademais, consta nos autos o contrato da Prefeitura de Santa Vitória do Palmar com a clínica Paulete Rodrigues Pozada, firmado em 10.11.2019 e com vigência entre 01.10.2019 e 01.12.2019, para que a contratada fornecesse 64 próteses dentárias para a Secretaria da Saúde do Município ao valor total de R$ 14.720,00, em número limite de 32 mensais, em parâmetros alinhados ao normativo do Ministério da Saúde.

Portanto, a linha temporal dos fatos é clara, o Município de Santa Vitória do Palmar foi credenciado no mês de julho de 2019, a implementação do Programa Mais Sorriso passou a ocorrer em outubro de 2019 e a efetiva entrega das próteses é incontroversa, pois na própria petição inicial são referidas notícias do ano de 2019 descrevendo tais acontecimentos, em tópico que a parte recorrente pretendia comprovar promoção pessoal em publicidade institucional:

“MAIS SORRISO Mais sorriso é o novo programa da prefeitura, assista o vídeo e entenda.” (03.10.2019) (Postagem acompanhada de vídeo em que o prefeito divulga o programa de concessão de até trinta próteses por mês e como deve proceder quem tiver interesse em participar)

“Prefeito Wellington Bacelo acompanha entrega de próteses dentárias e também escuta pacientes no Postão, a união vai dando novos rumos para saúde municipal. #MaisSorriso #MaisSaúde“ (03.12.2019)

 

Com efeito, não há dúvidas que o programa Mais Sorriso já se encontrava em execução orçamentária no ano anterior, enquadrando-se na exceção a que se refere o § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, e as próprias características do Programa, como a quantidade de próteses, a distribuição mensal linear e os valores do contrato afastam por si quaisquer características de abuso de poder.

Outra conclusão, todavia, é a relativa à distribuição de lotes em programa de regularização fundiária do município, denominado “Agora é Meu!”. Transcrevo notícia veiculada no Facebook da Prefeitura de Santa Vitória do Palmar em 01.11.2019, apresentada na petição inicial:

AGORA É MEU! O Prefeito Wellington Bacelo enviou para a Câmara de Vereadores o projeto de lei 163/2019 que tem por objetivo viabilizar a Regularização Fundiária, este vem sendo coordenado pela Procuradoria Geral do Município e seu Setor de Habitação e Regularização Fundiária. O projeto tem o intuito de corrigir um problema histórico desta municipalidade, já que o município de Santa Vitória do Palmar omitiu-se ao longo de quase 30 anos da obrigação de ceder a titularidade de áreas concedidas na década de 90 para formação de loteamento urbano, localizado no Mutirão da Brasiliano. Durante esse período, o município promoveu políticas urbanas de habitação mas relegou a regularização efetiva dessas propriedades. Distorção que a administração atual busca regularizar por meio do projeto “Agora é Meu”, que consolidará uma política permanente de organização cadastral e jurídica dos imóveis hoje ocupados.

Na primeira etapa o projeto prevê a regularização de 46 lotes de um total de 158 que encontram-se nessa situação, em breve novos Projetos de Lei serão encaminhados com o objetivo de regularizar também os demais lotes. (sic)

 

A publicação é composta por imagem da exposição de motivos do projeto de lei, cuja iniciativa foi do Poder Executivo com remessa à Câmara de Vereadores, na qual é possível identificar a finalidade de efetivar a doação de bem imóvel de propriedade do município “aos moradores da localidade do Mutirão da Brasiliano”, em ato vinculado ao “Novo Programa de Regularização Fundiária de Habitações Populares no Município de Santa Vitória do Palmar”.

Outra notícia no perfil oficial da Prefeitura no Facebook dá conta de que em 24.4.2020 houve o início da regularização fundiária no bairro Pinhos, no qual os moradores aguardariam os documentos há cerca de vinte anos. A postagem é acompanhada por fotografia em que o Prefeito WELLINGTON aparece segurando uma placa do programa “Agora é Meu”.

Ressalto que, acaso não tenha sido executada orçamentariamente no exercício anterior, a distribuição de bens ou benefícios por parte da Administração Pública é considerada conduta vedada, pois a instituição mediante lei não equivale à entrega do benefício. A legislação de regência é clara no sentido de exigir a execução orçamentária do programa social no exercício anterior ao do ano da eleição, e não consubstancia a execução a mera existência da legislação autorizadora, ou a pré-seleção mediante sorteio público dos eventuais e, portanto, futuros beneficiários dos direitos reais de uso, em atos eminentemente preparatórios. É lição consabida do direito administrativo que a execução orçamentária é a efetivação dos recursos previstos, não sendo suficiente a aprovação do orçamento ou a previsão orçamentária.

Antecipo que entendo configurada a prática de conduta vedada e, aqui, afasto expressamente a utilidade como prova da documentação apresentada pelos recorridos no intuito de comprovar a execução do Programa “Agora é Meu!” no ano de 2019, pois os documentos são, para dizer o mínimo, contraditórios, em tema que merecerá destaque em separado ao final do presente voto.

Ou seja, os recorridos não se desincumbiram do ônus de demonstrar a execução orçamentária em exercício anterior ao pleito. Foram apresentados (1) um “termo de certificação dos pré-selecionados no sorteio público para concessão de lotes urbanos do ‘Programa Agora é meu”, efetivado em 20.12.2019, consistindo em listagem de 55 nomes cuja própria denominação demonstra se tratar de mera triagem, e (2) dois contratos de concessão de direito real de uso, ambos com a alegada data de 20.12.2019, que contemplariam duas daquelas pessoas constantes no rol de pré-selecionados.

Como bem asseverado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, tais documentos até poderiam demonstrar o início da execução do programa em 2019, ainda que de forma modesta.

Ocorre que as contradições entre os dados constantes nos documentos retiram deles qualquer credibilidade, pois embora nas assinaturas conste o ano de 2019, a numeração oficial indica confecção no ano de 2020, CONTRATO DE CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO (Loteamento Antônio Borges) Nº 13/2020”, beneficiária Delma Almeida Soares, e “CONTRATO DE CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO (Loteamento Pinhos) Nº 042/2020”, beneficiária Bruna Pereira da Silva.

Tal disparidade poderia ser considerada como equívoco e a dúvida haveria de militar em favor da presunção de inocência, mas tal interpretação não é possível, pois há outros elementos a sinalizar que as regularizações ocorreram somente em 2020, como os “PROJETOS DE RESIDÊNCIA UNIFAMILIAR PARA HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL”, produzidos em junho de 2020 e contendo plantas de localização dos imóveis Delma e Bruna e, sublinho, mencionados nos contratos de concessão de direito real de uso.

Ora, obviamente não é possível que um projeto de residência, uma planta de localização produzida em junho de 2020 integre a documentação oficial de entrega de imóvel ocorrida em 2019, e tais fatos hão de merecer trato adequado perante o Poder Judiciário.

Transcrevo trechos dos contratos.

 – Delma Almeida: “O Município de Santa Vitória do Palmar na condição de senhor possuidor de um imóvel (D10 S01 Q06 L696) situado na Rua S/D CL 1220 nº 594, Loteamento Antônio Borges, concede o direito real de uso em favor da CESSIONÁRIA, Sra. Delma Almeida Soares, o lote constante no mapa em anexo, com suas metragens e localizações”;

 – Bruna Pereira da Silva: “O Município de Santa Vitória do Palmar na condição de senhor possuidor de um imóvel D10 S02 Q43 L070 U02, localizado na Rua Adelfa Lourença Martins nº 174, conforme mapa anexo, situado no Loteamento Pinhos, neste Município concede o direito real de uso deste em favor da CESSIONÁRIA, Sra. Bruna Pereira da Silva”.

Nesse norte, entendo pelo parcial provimento do apelo, pois o programa “Agora é Meu” não foi executado no orçamento do ano de 2019, e os termos legais que julgo aplicáveis são os seguintes:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...)

IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

(...)

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

 

As normas são de inafastável aplicação, pois como já visto a presunção de desigualdade é trazida pela própria redação do caput do art. 73 da Lei n. 9.504/97, que ao utilizar o termo "tendentes" indica a suficiência para a reprimenda da conduta uma vez verificada a sua ocorrência.

Nesse sentido já se manifestou o Tribunal Superior Eleitoral:

 

ELEIÇÕES 2016. RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS COM AGRAVO. DIREITO ELEITORAL. PREFEITO E VICE-PREFEITO ELEITOS. PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA E ABUSO DO PODER POLÍTICO. PRELIMINARES REJEITADAS. PARCIAL PROVIMENTO. CASSAÇÃO MANTIDA. AÇÕES CAUTELARES PREJUDICADAS. NOVAS ELEIÇÕES. HIPÓTESE 1. Agravos nos próprios autos contra decisão que inadmitiu recursos especiais eleitorais que têm por objeto acórdão do TRE-RJ que determinou a cassação dos diplomas dos candidatos eleitos aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Paraty/RJ no pleito de 2016, em razão da prática de condutas vedadas previstas no art. 73, IV, V e § 10, da Lei nº 9.504/1997 e de abuso do poder político. (...)2. Hipótese em que prefeito candidato à reeleição e presidente da Câmara dos Vereadores candidato ao cargo de vice promoveram: (i) (...); e (ii) a intensificação do programa de regularização fundiária nos meses anteriores à eleição, com a concessão de direito real de uso de áreas de propriedade do município, sem comprovação de dotação orçamentária específica nos exercícios anteriores. 3. Agravos providos para exame dos recursos especiais. PRELIMINARES 4. (…) MÉRITO (…) INTENSIFICAÇÃO DE PROGRAMA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA 12. O acórdão concluiu pela prática das condutas vedadas previstas no art. 73, IV e § 10, da Lei nº 9.504/1997, ao verificar que houve a efetiva entrega gratuita dos títulos de direito real de uso durante o ano eleitoral e que, embora o programa de regularização fundiária estivesse autorizado em lei, não houve comprovação de dotação orçamentária específica relativa ao programa nos exercícios anteriores. A modificação dessas conclusões para entender que o programa de regularização fundiária se enquadra na exceção "de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior" exigiria o reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado nesta instância especial (Súmula nº 24/TSE).13. Deve ser mantido o valor da sanção pecuniária imposta com fundamento no art. 73, IV, na medida em que foi arbitrado em consonância com os limites previstos no art. 73, § 4º, da Lei nº 9.504/1997 e sua fixação foi devidamente fundamentada pelo Tribunal de origem. Precedentes. (...) (Ação Cautelar nº 060223586, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 102, Data 31.5.2019, Página 41/42)

 

Ademais, o caso dos autos é bastante similar a processo de minha relatoria julgado recentemente por esta Corte, no qual a autorização legislativa para regularização fundiária ocorreu ao final do ano de 2019, merecendo no ponto idêntica solução jurídica:

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. AIJE. ABUSO DE PODER POLÍTICO E REPRESENTAÇÃO POR CONDUTA VEDADA. PROGRAMA SOCIAL. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE BENEFÍCIOS. USO PROMOCIONAL. DIVULGAÇÃO EM REDES SOCIAIS. EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA EM ANO ELEITORAL. PRÁTICAS TENDENTES A AFETAR A IGUALDADE ENTRE CANDIDATOS. ABUSO DE PODER. NÃO CARACTERIZADO. CONDUTAS VEDADAS CONFIGURADAS. ART. 73 DA LEI N. 9.504/97. APLICAÇÃO DE MULTA INDIVIDUAL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. REPRESENTAÇÃO POR CONDUTAS VEDADAS. PARCIALMENTE PROCEDENTE.

1. Recurso contra sentença que julgou improcedente a representação por condutas vedadas cumulada com Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE em desfavor do Prefeito, das Secretárias Municipais de Administração, de Saúde, de Assistência Social e dos candidatos ao cargo de Prefeito e Vice-Prefeito.

2. O abuso de poder político está previsto no art. 22 da LC n. 64/90 e preconiza, no inc. XVI, que, para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas sim a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. No caso concreto, entende-se inviável a conclusão pela prática de abuso de poder, pois o contexto probatório não alcança o patamar semântico utilizado pela legislação de regência.

3. A presunção de desigualdade é trazida pela própria redação do caput do art. 73 da Lei n. 9.504/97, ao indicar serem proibidas as condutas tendentes a afetar a igualdade entre os candidatos nos pleitos eleitorais. O termo "tendentes" indica, nesse sentido, a suficiência para a reprimenda da conduta, uma vez verificada a sua ocorrência.

4. A execução orçamentária do programa de regularização fundiária ocorreu somente no ano de 2020, e é exatamente essa a situação que a legislação coíbe no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504: que a gestão em curso prepare, nos anos anteriores (do ponto de vista administrativo e legislativo), ações com impacto eleitoral para colocá-las em prática tão somente no ano da eleição. Desse modo, a legitimação de posses ocorrida apenas no ano eleitoral deve ser caracterizada, ao contrário do concluído pela sentença, como distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios, em fatos que se subsomem à norma do art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97 e irregularmente objeto de uso promocional para fins eleitorais, nos termos do art. 73, inc. IV, da mesma lei, de maneira que se impõe o sancionamento previsto nos §§ 4º e 8º do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

5. A Corte Superior há muito sinaliza a necessidade da adoção do princípio da proporcionalidade como vetor para a gradação e fixação das sanções nas condutas vedadas, evitando reprovável impunidade, ao mesmo tempo que confere caráter pedagógico à pena. No caso, foram realizadas condutas desobedientes ao art. 73, inc. IV, c/c o § 10, por todos os representados, portanto, aplicável a pena de multa a todos os recorridos.

6. O tamanho do eleitorado municipal e o número de matrículas efetivamente distribuídas à época dos fatos serve como critério aferidor da sanção a ser imposta, de modo que não se vislumbra possível aplicar patamar mínimo legal a qualquer dos representados que participaram dos atos públicos de entrega de matrículas e as repercutiram nas redes sociais.

7. Parcial provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral, para julgar parcialmente procedente a representação por conduta vedada e condenar todos os representados, aplicando-lhes multa de forma individualizada, por desobediência ao art. 73, inc. IV, c/c § 10, da Lei n. 9.504/97. (Recurso Eleitoral n. 0600525-47.2020.6.21.0095, julgado em 26.11.2021.)

 

Portanto, na hipótese, a legitimação de posses ocorrida apenas no ano eleitoral deve ser caracterizada como distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios, em fatos subsumíveis à norma do art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97 e irregularmente objeto de uso promocional para fins eleitorais, nos termos do art. 73, inc. IV da mesma lei, de maneira que se impõe o sancionamento previsto nos §§ 4º e 8º do art. 73 da Lei n. 9.504/97:

 

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: 

(…)

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

(…)

§ 8º Aplicam-se as sanções do § 4º aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem."

 

Entendo, todavia, inviável a conclusão pela prática de abuso de poder, pois o contexto probatório não alcança o patamar semântico utilizado pela legislação de regência. Veja-se: “abuso de poder”, “gravidade das circunstâncias”, “normalidade e legitimidade do pleito”. Lembro que o sancionamento relativo às hipóteses de abuso se dá da forma “tudo ou nada”. Não há multa, como, por exemplo, nas hipóteses de condutas vedadas.

Há fatores que retiram a extrema gravidade das condutas dos recorridos. Indico nesse norte a promulgação da Lei Municipal n. 6.180, de 06.11.2019, autorizando o município a realizar a doação de bem imóvel de sua propriedade aos moradores da localidade Mutirão da Brasiliano, obviamente com a participação da Câmara de Vereadores de Santa Vitória do Palmar no processo legislativo.

Ora, bem se sabe que a edição de qualquer lei é precedida de atos de negociação, de arranjo político entre os diversos interesses presentes em uma casa legislativa, e tal mecanismo não pode ser atribuído apenas ao Poder Executivo de Santa Vitória do Palmar. A edição da lei ao final do ano anterior às eleições, portanto, não é responsabilidade exclusiva dos recorridos e, ao que tudo indica, o Poder Executivo acompanhou a regulamentação legislativa local para colocar o programa em prática.

E igualmente retira gravidade das circunstâncias a baixa propagação dos atos de regularização fundiária, quer nas redes sociais, quer sob a forma presencial. As postagens no perfil oficial na rede social Facebook inegavelmente são poucas, tópicas, e de baixa repercussão. De fato, são reprováveis por caracterizarem divulgação de conduta vedada, mas o conjunto de publicações não pode ser entendido como abuso de poder. Não houve exagero de propagação ou grande repercussão, ou ao menos não há prova nos autos de tal efeito.

E é aqui que entendo também ausente a gravidade no que diz ao aspecto quantitativo da “gratidão” dos contemplados. Explico.

Ainda que efetivadas 46 concessões, com a inegável gratidão dos cidadãos beneficiados, é certo que a espera do benefício sem o respectivo recebimento poderia gerar efeito contrário em relação aos beneficiários pré-aprovados que ainda aguardavam a concessão de direito real de uso, o que faz ponderar sobre a verdadeira dimensão dos efeitos dos fatos.

Nesse norte, as circunstâncias indicadas pelo Ministério Público Eleitoral para configurar o abuso de poder hão de se prestar para a dosimetria das sanções, pois se no abuso de poder a gravidade é condição de constatação do ilícito, nas condutas vedadas tal elemento - gravidade - surge no momento sancionador (lembremos que as condutas vedadas se caracterizam como tipos restritos, descritos com minúcias no art. 73 da Lei n. 9.504/97), e entendo que a ausência de gravidade que afastou o abuso de poder político também impede a aplicação das mais severas penas na prática de conduta vedada, pois os fatos são os mesmos e porque o TSE historicamente se posiciona pela necessidade de que elementos concretos devem estar lastreados na prova dos autos (RESPE n. 01-48/MG, AC. De 26.11.2019). Ainda, a Corte Superior há muito sinaliza a necessidade da adoção do princípio da proporcionalidade como vetor para a gradação e a fixação das sanções nas condutas vedadas (AgRG-AI n. 11.488/PR, j. 22.10.2009.).

Em suma, muito embora a legislação imponha a responsabilização do agente público e dos candidatos beneficiários, as condutas vedadas sob exame não possuem o condão de tolher direitos políticos de caráter constitucional. Essa a proporcionalidade, ao mesmo tempo evitando reprovável impunidade e conferindo caráter pedagógico à pena, em situação que certamente será de ciência do eleitorado de Santa Vitória do Palmar em eleições vindouras.

Entendo, portanto, por aplicar pena de multa aos recorridos WELLINGTON BACELO DOS SANTOS e SIDNEY NUNES DAS NEVES, na medida de suas posições de agentes públicos e, ao mesmo tempo, candidatos beneficiários.

Retomo que foram realizadas condutas desobedientes ao art. 73, inc. IV, c/c o § 10, de parte dos representados então ocupantes de cargos públicos, ao entregarem concessões de direito real de uso somente no ano da eleição e ao divulgarem o programa e os acontecimentos na rede social Facebook, com indiscutível maior responsabilidade do representado WELLINGTON BACELO DOS SANTOS, Prefeito à época dos fatos, agente público sobre o qual recaía o comando municipal com o "poder-dever constitucional de fiscalizar todos os atos de seus subordinados, inclusive aqueles praticados por delegação de competência, motivo pelo qual se reconhece o seu prévio conhecimento na prática de conduta vedada" (AgR-RESpe n. 53-82/PB, DJe de 22.9.2017. Rel. Ministro Admar Gonzaga).

Acrescento, ainda, ser claro o prévio conhecimento dos então candidatos pelas posições de agentes públicos que ocupavam WELLINGTON BACELO DOS SANTOS (Prefeito) e SIDNEY NUNES DAS NEVES (Vice-Prefeito) na administração do Município de Santa Vitória do Palmar e, também, pela divulgação dos fatos em postagens pessoais nas redes sociais, circunstâncias que atraem a responsabilização (AgR-AI n. 27.777/GO, AC. de 15.8.2019).

Igualmente aqui é que os aspectos do tamanho do eleitorado municipal (cerca de 24.000 eleitores) e número de concessões efetivamente ocorridas à época dos fatos (46, ao que indica a prova dos autos) é que pode se prestar como critério aferidor da sanção a ser aplicada, de modo que não vislumbro ser possível aplicar patamar mínimo legal a qualquer dos representados que participaram dos atos públicos de entrega de matrículas e as repercutiram nas redes sociais.

Os recorridos cometeram, no seio da administração pública, ilicitudes cuja sanção pecuniária pode variar entre 5.000 a 100.000 UFIRs, conforme a legislação.

Assim, entendo pela aplicação da pena de multa nos seguintes termos, sempre de forma individualizada (Rp n. 119.878, rel. Min. Luís Roberto Barroso, AC. de 13.8.2020):

 – WELLINGTON BACELO DOS SANTOS: 10.000 UFIRs na condição de Prefeito à época dos fatos, somadas a 10.000 UFIRs na condição de candidato à reeleição beneficiário, no total de 20.000 UFIRs, convertidas em R$ 21.280,00;

 – SIDNEY NUNES DAS NEVES: 5.000 UFIRs na condição de Vice-Prefeito à época dos fatos, somadas a 5.000 UFIRs na condição de candidato à reeleição beneficiário, no total de 10.000 UFIRs, convertidas em R$ 10.640,00.

Por fim, quanto às considerações trazidas pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, no sentido da ocorrência de adulteração de documentos trazidos aos autos pelos recorridos, notadamente nas datas de assinatura dos contratos de concessão de direito real de uso, diante da impossibilidade de ser proporcionado, na presente demanda, o devido processo legal relativamente à elucidação de fatos, que podem inclusive em tese substanciar o crime previsto no art. 297 do Código Penal, entendo desde já por disponibilizar ao Ministério Público Eleitoral o conteúdo dos autos para as providências que entender cabíveis.

 

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento ao recurso, julgar parcialmente procedente a representação por conduta vedada e condenar, de modo individual, por desobediência ao art. 73, inc. IV, c/c o § 10, da Lei n. 9.504/97:

 – WELLINGTON BACELO DOS SANTOS: ao pagamento de multa de 10.000 UFIRs na condição de Prefeito à época dos fatos, e de multa de 10.000 UFIRs na condição de candidato à reeleição beneficiário, no total de 20.000 UFIRs, convertidas em R$ 21.280,00;

 – SIDNEY NUNES DAS NEVES: ao pagamento de multa de 5.000 UFIRs na condição de Vice-Prefeito à época dos fatos, e de multa de 5.000 UFIRs na condição de candidato à reeleição beneficiário, no total de 10.000 UFIRs, convertidas em R$ 10.640,00.