REl - 0600502-64.2020.6.21.0075 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/12/2021 às 10:00

VOTO

Eminentes colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha ao cargo de vereador nas eleições 2020. A irregularidade que ensejou a desaprovação das contas diz respeito à utilização de recursos próprios acima do limite de 10% previsto para os gastos de campanha no cargo de vereador no Município de Nova Prata, tendo a decisão hostilizada aplicado multa no valor de R$ 3.129,72 a ser destinada ao Tesouro Nacional.

Aponto que o teto de gastos para o cargo em questão foi de R$ 21.102,77, conforme informação do Tribunal Superior Eleitoral no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, sendo imperativa a obediência ao limite equivalente a 10% deste valor pelo candidato ao utilizar-se de recursos próprios, ou seja, R$ 2.110,28. No entanto, o recorrente empregou a quantia de R$ 357,03, além de ter realizado cessão de veículo de sua propriedade estimada em R$ 5.240,00, de modo que o total alcançou R$ 5.597,03 e excedeu o limite em R$ 3.486,75. Ademais, o juízo de origem procedeu à dedução do valor do gasto com combustível, ainda que este tenha sido pago com recursos próprios, ao aplicar a multa no valor de R$ 3.129,72 ( R$ 3.486,75 - R$ 357,03).

No ponto, o art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

(...)

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

(…)

 

Em sua defesa, o candidato alega que houve falha técnica ao incluir a cessão de veículo próprio entre os recursos estimáveis em dinheiro, pois, no seu entendimento, a legislação de regência deixou de considerar as despesas com veículo utilizado pelo candidato como gasto eleitoral.

Antecipo que não há reparos a fazer na decisão hostilizada no que diz respeito à identificação da irregularidade.

Observo que o dispositivo invocado pelo prestador, art. 26, § 3º, da Lei n. 9.504/97, reproduzido no art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19, não considera gasto eleitoral “combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha”, impedindo inclusive a utilização de recursos da campanha para sua quitação.

No entanto, há uma ressalva no § 11 do mesmo art. 35:

Art. 35 (...)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim;

 

Nesse norte, tendo o prestador incluído na contabilidade a cessão do veículo próprio e apresentado documento fiscal referente à compra de combustível emitido contra o CNPJ da campanha, não procede o argumento trazido no recurso. Sublinho, ademais, que a cessão de veículo próprio deve ser contabilizada na aferição do limite de gastos, nos claros termos do art. 5º, inc. III, e do art. 7º, §§ 6º, c/c 10, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 5º Os limites de gastos para cada eleição compreendem os gastos realizados pelo candidato e os efetuados por partido político que possam ser individualizados, na forma do art. 20, II, desta Resolução, e incluirão:

I - o total dos gastos de campanha contratados pelos candidatos;

II - as transferências financeiras efetuadas para outros partidos políticos ou outros candidatos; e

III - as doações estimáveis em dinheiro recebidas.

(Grifei.)

 

Art. 7º (...)

§ 6º É facultativa a emissão do recibo eleitoral previsto no caput nas seguintes hipóteses:

I - cessão de bens móveis, limitada ao valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por cedente;

II - doações estimáveis em dinheiro entre candidatos e partidos políticos decorrentes do uso comum tanto de sedes quanto de materiais de propaganda eleitoral, cujo gasto deverá ser registrado na prestação de contas do responsável pelo pagamento da despesa; e

III - cessão de automóvel de propriedade do candidato, do cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha.

(...)

§ 10. A dispensa de emissão de recibo eleitoral prevista no § 6º deste artigo não afasta a obrigatoriedade de serem registrados na prestação de contas dos doadores e na de seus beneficiários os valores das operações constantes dos incisos I a III do referido parágrafo, observado o disposto no art. 38, § 2º, da Lei nº 9.504/1997.

 

Verifico, ainda, confusão conceitual entre os institutos da doação e da cessão, especialmente na passagem em que o recorrente aduz ser evidente "(...) que se o candidato possui carro, ele não precisa “doar” seu veículo para a campanha. (...). Não houve “doação” de veículo à campanha. Assim fosse teria que haver a transferência da propriedade do bem para o CNPJ da campanha, o que levar-se-ia a correção do entendimento magistrado”.

Explico.

Aparentemente, o prestador registrou o valor integral do bem na doação estimada em dinheiro, um Fiat Uno Mille 2005, pois a quantia indicada fora de R$ 5.240,00, quando na realidade deveria ter apontado o valor de locação do veículo. A situação seria diversa, obviamente, e muito provavelmente a cessão de uso se mantivesse dentro dos limites financeiros fixados pela legislação. Contudo, a despeito do possível equívoco, não cabe à Justiça Eleitoral alterar as avaliações informadas pelos candidatos na prestação de contas, sobremodo quando não esclarecidas as circunstâncias pela parte interessada.

Indico que a multa aplicada, R$ 3.129,72,  se  mostra adequada e razoável à falha verificada e às peculiaridades do caso, devendo apenas ser corrigido erro material contido na sentença no que toca à destinação do valor, que deve ser endereçado ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos (Fundo Partidário), conforme disposição do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95, e não ao Tesouro Nacional.

Aponto, por fim, que a irregularidade representa o equivalente a 52,29% do total de receitas declaradas, R$ 6.667,03, e seu valor nominal, R$ 3.486,75, é superior ao parâmetro de R$ 1.064,10  visto como modesto pela jurisprudência. Afastada a possibilidade de aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a manutenção da desaprovação é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso e, de ofício, destinar a multa, no valor de R$ 3.129,72, ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos.