REl - 0600004-39.2020.6.21.0019 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/12/2021 às 10:00

VOTO

Do exame do recurso verifica-se que o partido não se insurge quanto à caracterização das duas contribuições efetuadas por dois servidores da Prefeitura de Encruzilhada do Sul, no total de R$ 193,00, como procedentes de fontes vedadas, requerendo tão somente o afastamento das sanções cominadas na sentença.

De fato, a legenda recebeu recursos de R$ 43,00, procedentes de diretor de gestão, e R$ 150,00, oriundos de diretora de casa de passagem, os quais se enquadram no conceito de autoridade pública previsto no art. 12, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15, e estavam impedidos de realizar doações a partidos políticos.

Ocorre que a decisão recorrida determinou, corretamente, o recolhimento da quantia irregularmente recebida ao Tesouro Nacional, conforme prevê o § 1º do art. 14 da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 desta resolução sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º desta resolução, sendo vedada a devolução ao doador originário.

§ 1º O disposto no caput deste artigo também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, os quais devem, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Especificamente no tocante à devolução ao doador, ou ao recolhimento dos recursos de fontes vedadas ao Tesouro Nacional, o § 5º do art. 11 da Resolução TSE n. 23.464/15 prevê que “os partidos políticos podem recusar doação identificável que seja creditada em suas contas bancárias indevidamente, promovendo o estorno do valor para o doador identificado até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito, ressalvado o disposto no art. 13.”

Ao tratar das implicações decorrentes do recebimento ou uso de recursos de fonte vedada ou de origem não identificada, o art. 14, § 1º da Resolução TSE n. 23.464/15 dispõe que o recebimento direto ou indireto de tais contribuições sujeita o órgão partidário ao recolhimento do montante ao Tesouro Nacional até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias, caso não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, os quais devem, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Como se vê, cuida-se de direta consequência da omissão do partido em devolver os valores ao doador considerado como fonte vedada de arrecadação.

Ademais, o recolhimento de recursos para a conta única do Tesouro Nacional atende justamente aos interesses partidários, pois o art. 38 da Lei n. 9.096/95 estabelece que o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) é constituído, dentre outras fontes, por dotações orçamentárias da União (inc. V), o mesmo ocorrendo quanto ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), nos termos do art. 16-C da Lei n. 9.504/97.

Desse modo, se a irregularidade permanece, deve o valor de R$ 193,00 ser recolhido ao Tesouro Nacional.

Outrossim, o juízo de aprovação com ressalvas diante da baixa representação percentual das irregularidades, que correspondem a 5,5% de R$ 3.516,00, afasta a sanção de multa e a suspensão do Fundo Partidário, por aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ORIUNDOS DE FONTES VEDADAS. AUTORIDADES PÚBLICAS. IRRETROATIVIDADE DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI N. 13.488/17. MANTIDO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADAS A SANÇÃO DE MULTA E A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Desaprovação das contas da agremiaçâo em razão do recebimento de recursos de fonte vedada, oriundos de contribuições de ocupantes de cargos de chefia demissíveis ad nutum. Escorreita a aplicação, pelo juízo a quo, da legislação vigente à época do exercício financeiro a que se refere a prestação de contas, alinhando-se ao entendimento consolidado por esta Corte e na esteira da jurisprudência do TSE.

2. Irrelevante o argumento de o cargo ocupado por autoridade ser em governo administrado por integrante de partido adversário. Recebida a doação de servidor que se enquadre na categoria de autoridade pública, nos termos da Resolução TSE n. 23.464/2015, aplicável ao exercício em análise, incide o caráter objetivo da norma, sem espaço para eventual análise subjetiva.

3. Valores irregularmente recebidos que representam 2,83% do total de recursos arrecadados pela agremiação no exercício financeiro. Aplicados princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Mantido o recolhimento ao Tesouro Nacional. Afastadas a sanção de multa sobre a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional e a penalidade de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário. (grifado)

4. Parcial provimento.

(Recurso Eleitoral n 5482, ACÓRDÃO de 11.04.2019, Relator(aqwe) MARILENE BONZANINI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data 22.04.2019.).

Nessa hipótese, o recolhimento do valor indevidamente recebido ao Tesouro Nacional é mera consequência jurídica relacionada à vedação do enriquecimento ilícito e não possui natureza de penalidade. Segundo o TSE: “A aprovação das contas com ressalvas em função das irregularidades apuradas impõe sempre a devolução dos respectivos valores ao erário” (PC n. 978-22/DF, redator para o acórdão Min. Dias Toffoli, DJe de 14.11.2014).

Quanto às sanções, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela determinação de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de um mês.

Nesse ponto, é de ser considerado que os incs. I e II do art 36 da Lei n. 9.096/95 efetivamente dispõem que o recebimento de recursos de origem não mencionada ou elucidada sujeita o partido à sanção de suspensão da participação no Fundo Partidário até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral, e que o recebimento de recursos de fontes vedadas acarreta a suspensão do Fundo Partidário por um ano:

Art. 36. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, ficará o partido sujeito às seguintes sanções:

I - no caso de recursos de origem não mencionada ou esclarecida, fica suspenso o recebimento das quotas do fundo partidário até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral;

II - no caso de recebimento de recursos mencionados no art. 31, fica suspensa a participação no fundo partidário por um ano;

III - no caso de recebimento de doações cujo valor ultrapasse os limites previstos no art. 39, § 4º, fica suspensa por dois anos a participação no fundo partidário e será aplicada ao partido multa correspondente ao valor que exceder aos limites fixados.

Esse dispositivo vige até os dias atuais com a mesma redação da data da promulgação e nunca sofreu alterações, nada obstante o caput do art. 37 da Lei n. 9.096/95 tenha sido sucessivamente modificado pelo Congresso Nacional pelas Leis n. 9.693/98 e n. 13.165/15:

Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial, implica a suspensão de novas quotas do fundo partidário e sujeita os responsáveis às penas da lei, cabíveis na espécie, aplicado também o disposto no art. 28.

Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário e sujeita os responsáveis ás penas da lei. (Redação dada pela Lei nº 9.693, de 1998)

Art. 37. A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento). (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

O art. 37 da Lei dos Partidos estabeleceu, inicialmente, que a falta de contas ou sua desaprovação implicaria suspensão de novas quotas do Fundo Partidário, mas, após duas modificações legislativas, atualmente, prevê que em caso de desaprovação a penalidade a ser aplicada pela Justiça Eleitoral restringe-se à devolução da importância apontada como irregular acrescida de multa de até 20%.

Como se vê, os arts. 36 e 37 da Lei n. 9.096/95 são normas distintas, independentes entre si, e que não se confundem.

Ocorre que, desde a edição da Lei dos Partidos Políticos, ao interpretar o seu art. 36, o TRE-RS assentou que, em se tratando de aprovação com ressalvas, não há fixação da pena de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário aos partidos políticos, nada obstante a previsão legal disponha sobre a cominação dessa sanção.

Essa penalidade, assim como a sanção de multa, também é afastada por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que o apontamento de ressalva não descaracteriza o fato de que a contabilidade foi aprovada, ainda que não integralmente.

Apesar do conteúdo dos incisos do art. 36 da Lei dos Partidos Políticos, o raciocínio é o de que a suspensão do recebimento de quotas não atende ao princípio da proporcionalidade em relação aos seus subprincípios de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; este último tomado como máxima da necessidade, exigibilidade e adequação (vide Exames inerentes à proporcionalidade, em: ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11 ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 167-169).

Cito, a propósito, o seguinte precedente, da minha relatoria:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTAÇÃO INCOMPLETA. UTILIZAÇÃO INCORRETA DO SISTEMA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. RECEBIMENTO DE RECURSOS ADVINDOS DE FONTES VEDADAS. PERCEPÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. FALHA EQUIVALENTE A 9,08% DO TOTAL DE RECURSOS AUFERIDOS NO PERÍODO EM EXAME. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO DE MULTA E DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO.

(...)

7. O art. 36 da Lei n. 9.096/95 trata das sanções aplicadas aos partidos quando constatada a violação de normas legais ou estatutárias, enquanto o art. 37 da mesma lei estabelece o regramento para o caso de desaprovação das contas. Trata-se de normas distintas, independentes entre si e que não se confundem. O primeiro artigo vige até os dias atuais com a mesma redação da data da promulgação e nunca sofreu alterações, ao contrário do segundo, que foi sucessivamente modificado pelo Congresso Nacional por meio das Leis n. 9.693/98 e n. 13.165/15. A nova redação do art. 37 da Lei n. 9.096/95 dispõe que a desaprovação das contas enseja, como única penalidade, a devolução da quantia apontada como irregular acrescida de multa, circunstância que prejudica eventual interpretação de que, no caso de aprovação das contas, mesmo com ressalvas, poder-se-ia aplicar pena mais severa. Desde a edição da Lei dos Partidos Políticos, ao interpretar o art. 36, o TRE-RS assentou que, em se tratando de aprovação com ressalvas, não há fixação da pena de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário aos partidos políticos, nada obstante a previsão legal disponha a cominação dessa sanção. Diretriz alinhada ao entendimento do TSE no mesmo sentido. A sanção é desconsiderada por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que o apontamento de ressalva não descaracteriza o fato de que a contabilidade foi aprovada, ainda que não integralmente, situação incompatível com a fixação de penalidade.

8. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC 0600288-75, da minha relatoria, julgado em 15.06.2020, DJE de 23.06.2020.) (Grifei.)

Nos casos de aprovação com ressalvas, não se aplica a sanção de suspensão das quotas, e essa conclusão não foi afetada pelas alterações legislativas implementadas no caput do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos, pois, conforme já referido, o afastamento decorre da conclusão de que a aprovação das contas com ressalvas é incompatível com a fixação de penalidade aos partidos políticos.

De igual modo, o Tribunal Superior Eleitoral, em sucessivas decisões, afastou a penalidade de suspensão de quotas do Fundo Partidário nos casos em que houve recebimento de recursos de fontes vedadas de pequena monta, seguindo a diretriz jurisprudencial de que a aprovação com ressalvas não se coaduna com tal apenamento.

Por essa razão, quando do provimento de recursos e consequente reforma de acórdãos regionais de desaprovação de contas para aprová-las com ressalvas, a Corte Superior Eleitoral afasta a suspensão do Fundo Partidário.

Portanto, o recurso comporta provimento parcial para que seja afastada a sanção de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário, mantida a determinação de recolhimento de R$ 193,00 ao Tesouro Nacional.

Diante de todo o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso para manter a aprovação com ressalvas das contas e a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 193,00, mas afasto a sanção de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, nos termos da fundamentação.