REl - 0600623-23.2020.6.21.0001 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/12/2021 às 10:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Inicialmente, cabe referir que o candidato, após a sentença, procedeu à retificação da prestação de contas, visando a reenquadrar o gasto glosado, de “Despesas com pessoal” para “Serviços prestados por terceiros”.

A tal respeito, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame no primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica.

Nessa toada, as prestações de contas retificadoras oferecidas com razões recursais não têm sido conhecidas por esta Corte, porquanto demandam a realização de exame pormenorizado dos lançamentos contábeis em cotejo com os extratos bancários e demais batimentos integrantes dos procedimentos técnicos de exame, atividade a ser realizada, nas eleições municipais, em primeira instância.

Transcorrido o momento processual adequado, portanto, torna-se preclusa a possibilidade de apresentação de contas retificatórias.

Entretanto, em recente precedente, da lavra do Des. Eleitoral Gerson Fischmann, foi conhecida a prestação de contas retificadora realizada na mesma data da sentença, porque a análise das informações alteradas por meio da retificatória era simples e não demandava reabertura da instrução, vindo a sanar nítido equívoco cometido originariamente na escrituração contábil.

Reproduzo trecho da ementa:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO ELEITO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. DOAÇÕES DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). DIVERGÊNCIAS NA IDENTIFICAÇÃO DA ESFERA PARTIDÁRIA. CONSTATADO EQUÍVOCO NO REGISTRO DO DOADOR DO FEFC. IRREGULARIDADE SANADA NA PRESTAÇÃO DE CONTAS FINAL RETIFICADORA. AFASTADA DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. INCIDÊNCIA DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

2. Constatado equívoco no registro do doador do FEFC. O diretório estadual do partido foi o autor das doações, mas foi informado como doador o diretório municipal. A falha foi sanada na prestação de contas final retificadora, pois no Demonstrativo de Receitas Financeiras houve a correção do CNPJ, passando a ser informado o CNPJ do diretório estadual.

(TRE-RS, REl n. 0600308-12.2020.6.21.0060, Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado  em 16.9.2021).

No caso sub examine, tenho que não há óbice em se aceitar a retificação, pois o ponto modificado se mostra também simples e diz respeito tão somente à classificação atribuída ao gasto.

Em que pese isso, entendo que o recurso não merece provimento.

Na hipótese vertente, MELANIE GLÓRIA GOULART, parente do candidato ORION CARVALHO GOULART, recebeu, consoante “Recibo de Prestação de Serviço para Autônomo”, a importância de R$ 2.000,00, referentes à “atividade de Marketing Pessoal, Confecção de Site, administração de redes sociais e distribuição de materiais, realizada no período de 15/10 a 15/11 de 2020”.

 A unidade de contas, na instância de origem, em laudo pericial, apontou que o candidato realizou despesa de campanha com fornecedora que possivelmente era sua filha, podendo indicar desvio de finalidade, a par de o gasto não ter sido devidamente detalhado (ID 44848108).

Intimado o candidato a se manifestar, apresentando documentos e esclarecimentos, sob pena de preclusão (ID 44848111), quedou-se inerte (ID 44848112).

Na sentença, o ilustre magistrado a quo entendeu que, isoladamente, o vínculo de parentesco não conduz à rejeição das contas, mas que a falta de documentação que ateste, com a devida certeza, o emprego correto das verbas públicas tem papel determinante para isso, salientando que o prestador de contas, não tendo respondido aos apontamentos constantes do relatório técnico, não comprovou a regularidade do ajuste contábil.

Com o apelo, o recorrente modificou a natureza do gasto, todavia persiste a falta de adequada comprovação.

Veja-se que o documento comprobatório da despesa, em valor nada irrisório, é um recibo, emitido por pessoa física, parente do candidato, e não por uma empresa especializada no ramo.

Demais disso, o dispêndio equivale a cerca de 74% da verba arrecadada, financiada inteiramente por recursos do FEFC.

Gizo que, na esteira do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, cabe a desaprovação da contabilidade em caso de uso de dinheiro público para contratar parentes sem a devida comprovação da despesa, em percentual significativo:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO FEDERAL. DESAPROVAÇÃO PELO TRE. PRECLUSÃO. JUNTADA. DOCUMENTOS. SIGNIFICATIVO PERCENTUAL DE IRREGULARIDADES. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO SUMULAR Nº 24 DO TSE. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.

1. Não há cerceamento de defesa quando a juntada da documentação, em que pese o candidato ter sido intimado no momento oportuno, somente for realizada após os pareceres conclusivos do órgão técnico de contas e do MPE.

2. Deve ser mantida a decisão agravada, a qual não alterou a decisão do TRE/MG que julgou desaprovadas as contas da candidata ante a existência de irregularidades graves, como o uso de dinheiro público para contratar parentes sem a devida comprovação da despesa, em percentual significativo – 63% do total de gastos da campanha.

3. A pretensão de afastar a irregularidade concernente às despesas realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha depende, necessariamente, do reexame de fatos e provas, o que encontra óbice no Enunciado nº 24 da Súmula do TSE.

4. A decisão combatida está alicerçada em fundamentos idôneos e não foram apresentados argumentos hábeis a modificá–la.

5. Negado provimento ao agravo interno.

(Agravo de Instrumento nº 060335825, Acórdão, Relator Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 253, Data 04.12.2020). Grifei.

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DESAPROVADAS. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE. NÃO PREENCHIMENTO. AUSÊNCIA DO COTEJO ANALÍTICO. ENUNCIADO Nº 28 DA SÚMULA DO TSE. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. ENUNCIADO Nº 24 DA SÚMULA DO TSE. USO DA TOTALIDADE DE RECURSOS RECEBIDOS DO FUNDO ELEITORAL PARA A CONTRATAÇÃO DE PARENTE (IRMÃO) DO AGRAVANTE. IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO REGIONAL DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DESTA CORTE SUPERIOR. FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA NÃO AFASTADOS. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.

1. Trata–se de prestação de contas que foram julgadas desaprovadas em razão da irregular contratação de parente (irmão) do candidato com recursos públicos oriundos do FEFC para a prestação de serviços de campanha.

2. Tal como assentado na decisão agravada, o acórdão regional está de acordo com a orientação jurisprudencial desta Corte Superior, no sentido de rechaçar que a totalidade dos recursos recebidos dos fundos públicos de financiamento, seja partidário, seja eleitoral, venha a ser utilizado na contratação de parente de candidato. Precedente: REspEl nº 0601163–94/MS, rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 29.9.2020, DJe de 27.10.2020.

3. Para chegar a conclusão diversa da obtida pela Corte regional, mormente para aquilatar o valor das doações estimáveis em dinheiro recebidas pelo agravante em relação à quantia paga na contratação de seu irmão, seria necessário o reexame de fatos e provas, providência não admitida em instância superior, conforme o Enunciado nº 24 da Súmula do TSE.

4. À míngua de razões para alterar a conclusão da decisão agravada, sua manutenção é medida que se impõe.

5. Negado provimento ao agravo interno.

(Agravo em Recurso Especial Eleitoral n. 060113966, Acórdão, Relator Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 145, Data 06.08.2021). Grifei.

Outrossim, verificando-se o sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88013/210000961041, salta aos olhos a informação de que não há nenhum site do candidato cadastrado.

Ora, se o serviço contratado consiste em Marketing Pessoal, Confecção de Site, administração de redes sociais e distribuição de materiais, como se pode conceber que nem ao menos tenha sido registrado perante a Justiça Eleitoral sítio do candidato, blogs, redes sociais e demais aplicações de internet assemelhadas?

Nos termos do art. 28 da Resolução TSE n. 23.610/19, a qual dispõe sobre propaganda eleitoral, utilização e geração do horário gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral, a propaganda eleitoral na internet é permitida, mas incumbe ao candidato, em seu requerimento de registro de candidatura, comunicar à Justiça Eleitoral os endereços eletrônicos das aplicações de internet, litteris:

Art. 28. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, I a IV):

I - em sítio do candidato, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de aplicação de internet estabelecido no país;

II - em sítio do partido político ou da coligação, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de aplicação de internet estabelecido no país;

III - por meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato, pelo partido político ou pela coligação, observadas as disposições da Lei Geral de Proteção de Dados quanto ao consentimento do titular;

IV - por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas, dentre as quais aplicativos de mensagens instantâneas, cujo conteúdo seja gerado ou editado por:

a) candidatos, partidos políticos ou coligações, desde que não contratem disparo em massa de conteúdo (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J); ou

b) qualquer pessoa natural, vedada a contratação de impulsionamento e de disparo em massa de conteúdo (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J).

§ 1º Os endereços eletrônicos das aplicações de que trata este artigo, salvo aqueles de iniciativa de pessoa natural, deverão ser comunicados à Justiça Eleitoral no requerimento de registro de candidatura ou no demonstrativo de regularidade de dados partidários, podendo ser mantidos durante todo o pleito eleitoral os mesmos endereços eletrônicos em uso antes do início da propaganda eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, § 1º).

§ 2º Não é admitida a veiculação de conteúdos de cunho eleitoral mediante cadastro de usuário de aplicação de internet com a intenção de falsear identidade (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, § 2º).

§ 3º É vedada a utilização de impulsionamento de conteúdos e ferramentas digitais não disponibilizadas pelo provedor da aplicação de internet, ainda que gratuitas, para alterar o teor ou a repercussão de propaganda eleitoral, tanto próprios quanto de terceiros (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, § 3º).

§ 4º O provedor de aplicação de internet que possibilite o impulsionamento pago de conteúdos deverá contar com canal de comunicação com seus usuários e somente poderá ser responsabilizado por danos decorrentes do conteúdo impulsionado se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente pela Justiça Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, § 4º).

§ 5º A violação do disposto neste artigo sujeita o usuário responsável pelo conteúdo e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, § 5º).

§ 6º A manifestação espontânea na internet de pessoas naturais em matéria político-eleitoral, mesmo que sob a forma de elogio ou crítica a candidato ou partido político, não será considerada propaganda eleitoral na forma do inciso IV, desde que observados os limites estabelecidos no § 1º do art. 27 desta Resolução e a vedação constante do § 2º deste artigo.

§ 7º Para os fins desta Resolução, inclui-se entre as formas de impulsionamento de conteúdo a priorização paga de conteúdos resultantes de aplicações de busca na internet (Lei nº 9.504/1997, art. 26, § 2º).

Não há, assim, como se considerar comprovada, de modo escorreito, a utilização de valores provenientes do FEFC, o que impossibilita o afastamento da mácula.

Deveras, o emprego de recursos públicos pelos participantes do processo eleitoral exige especial transparência, como bem anotou o douto representante do Parquet Eleitoral em seu parecer:

Ademais, o pagamento de despesas da campanha em favor de familiares dos candidatos, especialmente com a utilização de recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, como é o caso, exige uma maior transparência, independentemente da sua classificação contábil, ou seja, se “despesa com pessoal” ou “serviços de terceiros”. A aplicação de recursos do FEFC, que ostentam caráter público, deve estar fundada, dentre outros, nos princípios da moralidade, da impessoalidade, da transparência, da razoabilidade e da economicidade, os quais são postulados norteadores da realização de despesas com dinheiro público. Nessa linha, a contratação de parentes deve se cercar de maior cuidado, para o que se mostra ainda mais relevante na espécie a previsão do art. 60, § 3º, da Res. TSE 23.607/2019, de que A Justiça Eleitoral poderá exigir a apresentação de elementos probatórios adicionais que comprovem a entrega dos produtos contratados ou a efetiva prestação dos serviços declarados. Veja-se que essa providência ficou inviabilizada em vista da não prestação de esclarecimentos pelo recorrente em tempo hábil, de modo a que a situação pudesse ser aferida pela Unidade Técnica.

A jurisprudência do TSE tem se firmado no sentido de que aplicação de recursos de caráter público devem ter a sua utilização fundada, dentre outros, nos princípios da moralidade, da impessoalidade, da transparência, da razoabilidade e da economicidade, os quais são postulados norteadores da realização de despesas com dinheiro público, conforme ementa de julgado a seguir colacionada:

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DESAPROVAÇÃO. CANDIDATA. DEPUTADO ESTADUAL. CONTRATAÇÃO. PRESTADOR DE SERVIÇO. PERÍODO EXÍGUO. VALOR EXPRESSIVO. RECURSOS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). PRINCÍPIOS NORTEADORES DAS DESPESAS COM RECURSOS PÚBLICOS. RAZOABILIDADE. ECONOMICIDADE. MORALIDADE. IMPESSOALIDADE. TRANSPARÊNCIA. INOBSERVÂNCIA. VERBETES SUMULARES 24 E 27 DO TSE. INCIDÊNCIA. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. IMPOSSIBILIDADE.  PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. INAPLICABILIDADE.                                          

SÍNTESE DO CASO

1. Trata–se de recurso especial interposto em face de acórdão de Tribunal Regional Eleitoral que desaprovou as contas de campanha da recorrente referentes às Eleições de 2018, quando concorreu ao cargo de deputado estadual, determinando a devolução da quantia de R$ 30.000,00 ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 82, § 1º, da Res.–TSE 23.553, atinente a recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), utilizados indevidamente na contratação de namorada/noiva do filho da candidata, para prestação de serviço na campanha. 

2. De acordo com a Corte de origem, a contratação em evidência, para a função de coordenadora de campanha, se deu pelo prazo de apenas dez dias e pela quantia de R$ 30.000,00, equivalente a cerca de 46% do total das receitas da campanha (R$ 65.860,00), em desacordo com os princípios da moralidade e da impessoalidade na utilização de recursos públicos, revelando–se gasto de valor expressivo e desproporcional.                                

ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL 

3. Incide na espécie o verbete sumular 27 do TSE, na medida em que a recorrente não demonstrou de que forma o acórdão regional teria violado os arts. 37, VII, e 40, I, da Res.–TSE 23.553 e 26 da Lei 9.504/97, pois tais preceitos normativos – referentes ao rol de gastos eleitorais e às formas admitidas de pagamento de despesas de natureza financeira – não dizem respeito ao fundamento adotado pelo Tribunal de origem para a desaprovação das contas, qual seja, a inobservância de princípios norteadores da realização de despesas com recursos públicos. 

4. A hipótese dos autos versa sobre a aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, os quais, por ostentarem caráter público, devem ter a sua utilização fundada, dentre outros, nos princípios da moralidade, da impessoalidade, da transparência, da razoabilidade e da economicidade, os quais são postulados norteadores da realização de despesas com dinheiro público, conforme já se decidiu no julgamento de contas anuais de partidos e a respeito de verba do Fundo Partidário. Nesse sentido: PC 247–55, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 1º.3.2018, e ED–PC 267–46, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 22.9.2017. 

5. Firmou–se nesta Corte Superior a compreensão de que a observância do princípio da economicidade na aplicação de recursos públicos pode ser objeto de controle em processo de prestação de contas, assim como se assentou que é possível considerar irregular a despesa que tenha caráter antieconômico. Nesse sentido, confiram–se os seguintes precedentes alusivos ao emprego de verbas do Fundo Partidário por partidos políticos: PC 305–87, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 12.8.2019; PC 290–21, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 21.6.2019; e PC 268–60, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 6.6.2019. 

6. Inexiste óbice a que, na análise das prestações de contas, a Justiça Eleitoral exerça o controle da observância dos princípios norteadores da realização de despesas com recursos públicos, sejam eles provenientes do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. 

7. Quanto aos argumentos recursais de que a análise da prestação de contas deveria se limitar à escrituração contábil e de que eventual indício da irregularidade versada nos autos deveria ser apurado em procedimento autônomo, cumpre observar que a aplicação antieconômica de recursos públicos pode ser objeto de controle da Justiça Eleitoral no processo de prestação de contas, o que igualmente ocorre quanto aos gastos efetuados com inobservância aos princípios da transparência, da moralidade e da razoabilidade. 

8. Na espécie, a Corte de origem, soberana no exame do conjunto fático–probatório dos autos, afirmou a irregularidade da despesa realizada, pelos seguintes fundamentos: a) a prestadora das contas contratou a namorada/noiva de seu filho para prestar serviços como coordenadora–geral de campanha, pelo período de apenas dez dias e pela expressiva quantia de R$ 30.000,00, equivalente a cerca de 46% do total das receitas da campanha (R$ 65.860,00), com a utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha; b) a referida contratação, realizada mediante pagamento com recursos públicos, embora não seja objeto de restrição legal expressa, configurou a sobreposição de interesses privados em detrimento de interesses públicos e afrontou os princípios da moralidade e da impessoalidade, assim como revelou gasto expressivo e exageradamente desproporcional, de modo a comprometer a higidez das contas; c) a alegação de que a pessoa contratada para prestar serviço na campanha teria se casado com o filho da candidata após a prestação dos serviços não afasta a irregularidade, pois, embora a relação de namoro ou noivado não configure parentesco, a contratação de pessoas nessas circunstâncias não se conforma ao significado nem ao alcance dos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e da isonomia; d) a prestadora das contas confirmou ser sua nora a pessoa contratada como coordenadora–geral de campanha; e) a candidata não comprovou devidamente os gastos realizados com a aludida contratação. 

9. Para alterar as conclusões às quais chegou o Tribunal de origem, a fim de acolher as alegações recursais, seria necessário o revolvimento do acervo fático–probatório dos autos, o que não se admite em recurso especial eleitoral, nos termos do verbete sumular 24 do TSE. 

10. Embora não haja vedação expressa à contratação de futuros parentes (ou até mesmo de parentes) para prestação de serviços de campanha, é necessário que haja razoabilidade em tal prática e que sejam observados os preceitos éticos e morais que devem nortear a conduta dos candidatos e dos partidos políticos, notadamente quanto ao uso de recursos públicos, evitando–se o favorecimento pessoal de qualquer natureza e o prejuízo à economicidade que pode decorrer de tais contratações. Nesse sentido, destaca–se que é dever do candidato ou do partido político garantir o bom uso dos recursos públicos, buscando obter o melhor resultado pelo menor custo possível, em atenção ao princípio da economicidade. 

11. A contratação de parente do candidato – ou mesmo de pessoa que mantenha relação de noivado ou namoro com o candidato ou com parente do candidato – para a prestação de serviço na campanha enseja atenção da Justiça Eleitoral, dada a possibilidade de conflito de interesses e de desvio de finalidade na aplicação de recursos públicos, com vistas a, eventualmente, favorecer financeiramente a pessoa contratada. Assim, tal contratação, caso seja realizada, deve observar rigorosamente os princípios constitucionais da razoabilidade, da moralidade e da economicidade, assim como deve evidenciar elevado grau de transparência, a fim de que sejam, de forma satisfatória, demonstradas as peculiaridades da transação, as atividades efetivamente desenvolvidas e a compatibilidade dos custos com valores de mercado. Cumpre à Justiça Eleitoral atuar com maior rigor em tais situações. 

12. No caso sob exame, é induvidosa a falta de transparência na contratação da coordenadora–geral de campanha, pois, conforme consignado no acórdão regional, a prestadora das contas não comprovou devidamente os gastos realizados com a contratação por exíguo intervalo de tempo e por quantia expressiva de recursos públicos, de modo a comprometer a higidez das contas. 

13. A ausência de comprovação de despesas de campanha é, em regra, motivo suficiente para ensejar a desaprovação das contas. Nesse sentido: AgR–AI 0606203–67, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 7.5.2020, AgR–PC 218–97, da rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 28.4.2020, PC 1008–18, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 29.8.2019, e AgR–AI 174–43, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 22.3.2018. 

14. A Corte de origem agiu com acerto ao assentar que a contratação, no caso dos autos, ocorreu em desacordo com os princípios da moralidade e da impessoalidade na aplicação dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Ademais, os fundamentos do acórdão recorrido realçam também o caráter antieconômico da despesa efetuada com recursos públicos do FEFC, na medida em que a candidata pagou a uma única pessoa contratada, por serviços supostamente prestados no período de apenas dez dias, a quantia de R$ 30.000,00, equivalente a cerca de 46% do total das receitas da campanha (R$ 65.860,00), revelando–se tal gasto "exageradamente desproporcional" e "efetivamente expressivo", nas palavras do Tribunal de origem. 

15. Na espécie, não é possível a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas, tendo em vista que a irregularidade constatada corresponde a quantia expressiva, em valor absoluto e em termos percentuais, em relação ao total de recursos arrecadados. Nesse sentido: AgR–AI 181–42, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 3.12.2018.                                                        

CONCLUSÃO 

Recurso especial eleitoral a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060116394, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 216, Data 27.10.2020). Grifei.

Correta, portanto, a sentença, ao considerar irregular o gasto e determinar a devolução ao Tesouro Nacional do montante equivalente.

Por derradeiro, considerando que o valor total das irregularidades importa na quantia de R$ 2.000,00, que representa 74,07% das receitas recebidas (R$ 2.700,00), torna-se inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que desaprovou as contas de ORION CARVALHO GOULART, relativas ao pleito de 2020, e determinou-lhe o recolhimento de R$ 2.000,00 ao Tesouro Nacional.