REl - 0600441-71.2020.6.21.0022 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/12/2021 às 10:00

VOTO

 

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Da Preliminar de Nulidade do Processo por Negativa de Prestação Jurisdicional

A recorrente suscita, em preliminar, nulidade do processo, desde a decisão que rejeitou os segundos embargos de declaração, com fulcro em negativa de prestação jurisdicional, consubstanciada na ausência de enfrentamento do questionamento sobre como “pouco mais de R$ 328,00 (trezentos e vinte e oito reais), equivalente a 7,51% dos gastos declarados, poderia ser tão grave, prejudicando a confiabilidade, transparência e adequada fiscalização das contas, a ponto de comprometer sua regularidade, e consequente aprovação, ainda que com ressalvas” e de omissão quanto à aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Contudo, não lhe assiste razão.

A sentença apontou que a irregularidade consistente na omissão de gastos e de recursos em campanha, a qual teria sido caracterizada, é grave, por prejudicar a confiabilidade, a transparência e a adequada fiscalização das contas, concluindo pela desaprovação do ajuste contábil.

Assim, não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional, pois o magistrado a quo analisou o conjunto probatório e as alegações da prestadora de contas, entendendo, de forma fundamentada, pela configuração de falha apta a ensejar a desaprovação.

Nesse sentido, trago à colação julgado do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO DE 2013. DIRETÓRIO ESTADUAL. A G R A V O R E G I M E N T A L . R E C U R S O E S P E C I A L . C O N J U N T O D E IRREGULARIDADES. GRAVIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS.IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. TRE/MG. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. SANÇÃO DE SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. REDUÇÃO. REITERAÇÃO DE TESES. SÚMULA Nº26/TSE INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. O agravante apenas reproduz as teses já trazidas no recurso especial, as quais foram devidamente enfrentadas, o que atrai a incidência da Súmula nº 26/TSE.

2. Os embargos de declaração não se prestam a promover rediscussão da causa, mas tão somente a ajustar e corrigir deficiências do aresto fundadas em omissão, contradição ou obscuridade. Precedentes.

3. Na esteira de precedente desta Corte (REspe nº 576-11/CE, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 16.4.2019), "a imprescindibilidade de fundamentação da decisão judicial (art. 93, IX, da CF) não se confunde com a imposição, ao órgão julgador, do dever de, analiticamente e em todos os cenários que a imaginação possa alcançar, discorrer verticalmente sobre qualquer apontamento da parte, quando vencida buscar, por mero inconformismo, trincheira nas minúcias, elevando-as à condição de nódoa processual, porém sem substrato real no sentido alegado", sendo esta a hipótese dos autos.

4. In casu, os embargos buscaram apenas a rediscussão de matéria, já amplamente analisada e decidida pelo Tribunal a quo em exaustivo voto em que assentada a gravidade das irregularidades - dentre elas a aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário; a ausência: de registro contábil de despesas, do trânsito de recursos por conta bancária, da regular comprovação de receitas e despesas; e o recebimento de recursos de origem não identificada, o que, segundo a Corte de origem, por si só, ensejaria a desaprovação das contas - e concluiu que o conjunto das irregularidades comprometeu a higidez das contas, a ensejar a sua desaprovação.

5. Delineado esse quadro, não há como afastar a incidência da Súmula nº 24/TSE, uma vez que, para alterar as conclusões do Tribunal a quo, a fim de aprovar as contas, seria imprescindível a incursão nos fatos e provas dos autos.

6. Ademais, consoante pacífica orientação deste Tribunal, "'o pagamento de juros e multas cíveis, devidos em decorrência de obrigações não satisfeitas, não se subsume ao comando normativo contido no inciso I do art. 44 da Lei nº 9.096/95, sendo, portanto, defeso utilizar as verbas do Fundo Partidário para o cumprimento desse fim' (PC nº 978-22/DF, Rel. Min. Laurita Vaz, redator para o acórdão Min. Dias Toffoli, DJe de 14.11.2014)" (PC nº 979-07/DF, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 22.5.2015).

7. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 16930, Acórdão, Relator MIN. TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 127, Data 29.6.2020, pp. 90/103).

 

Com essas considerações, afasto a preliminar arguida.

 

Da Preliminar de Nulidade da Sentença por Ausência de Parecer Conclusivo

Ainda em preliminar, suscita a recorrente a nulidade da sentença, tendo em vista ausência de parecer conclusivo emitido pela unidade técnica.

Aduz que, mesmo que não seja necessária a intimação do candidato para manifestação quanto ao parecer conclusivo, há exigência legal sobre a emissão de tal peça.

Sobre o ponto, o ilustre Procurador Regional Eleitoral, Dr. Fábio Nesi Venzon, com propriedade, manifestou-se no sentido de ausência de indicação de prejuízo:

A recorrente alega, ainda, a nulidade da sentença, vez que não foi emitido o parecer conclusivo. Ocorre que a decretação de nulidade no processo eleitoral pressupõe comprovação de prejuízo, nos termos do art. 219 do Código Eleitoral.

 

No presente feito, no exame preliminar foi constatada apenas uma irregularidade, sendo que a prestadora ofereceu defesa (ID 41984733), em que, no mérito, alegou desconhecer as despesas objeto das notas fiscais emitidas contra o seu CNPJ.

 

O deslinde do feito, portanto, não dependia mais de análise da Unidade Técnica, vez que a valoração sobre a alegação de desconhecimento das notas fiscais é jurídica, o mesmo se dizendo em relação à alegação de ausência de gravidade. Ademais, o parecer conclusivo não vincula a sentença. Destarte, não vislumbrando prejuízo, entende-se deve ser rejeitada a preliminar.

 

O art. 219 do Código Eleitoral condiciona a decretação de nulidade à demonstração de prejuízo.

No caso, a ausência de parecer conclusivo não acarretou qualquer malefício à recorrente, nem à elucidação dos fatos, pois as questões que remanesciam eram unicamente de direito e foram contempladas no exame preliminar das contas, sobre o qual a prestadora teve a oportunidade de manifestação.

Dessa maneira, também afasto a preliminar de nulidade da sentença.

 

Do Mérito

Trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de MARIA ELIZANGELA DA SILVA CLEMENTINO, candidata, nas eleições de 2020, ao cargo de vereadora no Município de Serafina Corrêa.

Inicialmente, consigno que, malgrado o Juízo a quo tenha entendido configurada a omissão de dispêndios eleitorais, não foi comandado à recorrente o recolhimento dos valores respectivos ao Tesouro Nacional.

Desse modo, independentemente da sorte do presente recurso, interposto apelo exclusivamente pela candidata, encontra-se preclusa a discussão envolvendo eventual determinação de recolhimento de valores uma vez que a situação da recorrente não poderá ser agravada, em decorrência do princípio da non reformatio in pejus.

Em laudo pericial, o examinador técnico identificou, mediante cruzamento de dados, a emissão de duas notas fiscais eletrônicas contra o CNPJ da candidata, não declaradas na prestação de contas, lançadas por Comercial Buffon Combustíveis e Transportes Ltda. e Antonio Otávio Stefenon, CNPJ n. 93.489.43/0004-69 e CNPJ 14.296.954/0001-06, nos dias 06/11/2020 e 04/11/2020, nos valores de R$ 168,03 e R$ 160,00, respectivamente, totalizando R$ 328,03.

O magistrado singular considerou caracterizada a omissão de gastos e de recursos utilizados para o respectivo pagamento, razão pela qual desaprovou a contabilidade de campanha.

No apelo, a recorrente afirma desconhecer as despesas, sustenta que não lhe pode ser exigida prova negativa, no sentido de que a contratação não ocorreu, bem como ressalta que as notas fiscais não foram trazidas aos autos, inviabilizando o exercício da ampla defesa e do contraditório.

Entendo, no ponto, que não há de prevalecer a tese recursal, pois a legislação coloca mecanismos à disposição da prestadora, constantes do próprio estatuto regulamentar de contas, como o cancelamento de notas fiscais, a que se refere o art. 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a fim de corrigir eventuais lançamentos fiscais equivocados ou controvertidos.

Importa registrar que, justamente para casos como o presente, a Justiça Eleitoral evoluiu na fiscalização de partidos políticos e candidatos, criando meios e sistemas próprios para aferir despesas não declaradas, incluindo circularizações, informações voluntárias de campanha e confronto com notas fiscais eletrônicas.

De seu turno, a prestadora defende a possibilidade de utilização do número do CNPJ da campanha da recorrente por terceiros. Nesse sentido, acosta cadastro nacional da empresa Comercial Buffon Combustíveis e Transportes Ltda., comprovando que a mesma se localizaria no Município de Rio Grande, que fica a 500 km de Serafina Correa.

Neste particular, a referida alegação da recorrente, somada ao documento apresentado, tem o condão de afastar a irregularidade correspondente a R$ 168,03, na mesma linha manifestada no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral.

Todavia, subsiste a irregularidade no valor de R$ 160,00, atinente ao fornecedor Antônio Otávio Stefenon, caracterizando o recurso como de origem não identificada.

Registro que, embora as notas fiscais eletrônicas não tenham sido acostadas aos autos, o que facilitaria seu manejo pelos órgãos da Justiça Eleitoral, do Ministério Público e pela própria prestadora de contas, elas podem ser encontradas no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, pelo link, https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89095/210000749945/nfes e por meio da chave fornecida na página, é possível obter os documentos no site de consulta pública da Receita Estadual , acessando o link https://www.sefaz.rs.gov.br/dfe/Consultas/ConsultaPublicaDfe .

Esta Corte já decidiu, a respeito de emissão de notas fiscais de forma equivocada, com a anotação do CNPJ da campanha, que “o procedimento correto para regularizar a situação seria a candidata buscar o cancelamento das notas junto ao estabelecimento comercial, tal como dispõem os arts. 59 e 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19” (REl n. 0600485-67.2020.6.21.0062, Relator: DES. ELEITORAL AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, julgado em 23.9.2021).

Nesse mesmo sentido, cito o seguinte julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. CANDIDATO. VEREADOR. OMISSÃO DE GASTOS COM COMBUSTÍVEIS. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. CUMPRIMENTO VOLUNTÁRIO E ANTECIPADO DO RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha relativas às eleições de 2020, devido à omissão de gastos com combustíveis, adimplidos com recursos que não transitaram pela conta bancária específica de campanha.

2. As informações obtidas da Receita Estadual do Rio Grande do Sul e, inclusive, reconhecidas pelo prestador, indicam a omissão de registro de despesas, contrariando o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante o qual a prestação de contas deve ser composta das informações relativas  a todos os gastos eleitorais, com especificação completa. Além disso, as despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação das dívidas de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, inc. VI, da citada Resolução. Comprovado o antecipado recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional.

3. A falha representa 5,5 % das receitas declaradas, não havendo outros apontamentos a macularem a contabilidade. Desse modo, seja considerando o valor nominal da irregularidade, seja tomando-se a sua representatividade percentual, mostra-se adequado, mediante a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, afastar o severo juízo de desaprovação das contas, a fim de aprová-las com ressalvas, na esteira da jurisprudência do egrégio TSE.

4. Parcial provimento. Aprovação das contas com ressalvas, com esteio no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

(TRE-RS, REl n. 0600289-10.2020.6.21.0091, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado em 18.5.2021) Grifei.

 

Dessa forma, restou caracterizada a irregularidade consistente na omissão de gastos e de recursos de campanha.

Por outro lado, a falha identificada nas contas, no valor de R$ 160,00, que representam 3,66% das receitas declaradas (R$ 4.367,00), é inferior ao parâmetro de 10% desse montante e, em termos absolutos, igualmente, reduzido e, inclusive, bem inferior ao critério de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, possibilitando a aprovação das contas com ressalvas por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de campanha de MARIA ELIZANGELA DA SILVA CLEMENTINO, relativamente às eleições de 2020.