REl - 0600378-57.2020.6.21.0083 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/12/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Inicialmente, há de se analisar a viabilidade de serem conhecidos os documentos novos, que acompanham as razões recursais.

Sobre o tema, esta Corte tem concluído pela aceitação excepcional de novos documentos acostados com a peça recursal nos casos em que a simples leitura da documentação pode sanar, de imediato, irregularidades pontuais, sem necessidade de outra análise técnica.

Nesse sentido, colaciono o seguinte acórdão, de minha relatoria:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. AFASTADOS. EXTRATOS BANCÁRIOS DA TOTALIDADE DA CAMPANHA. NÃO APRESENTADOS. JUNTADA DA DOCUMENTAÇÃO EM EMBARGOS DECLARATÓRIOS. REJEITADA. DESPROVIMENTO. ELEIÇÕES 2016.

1. Afastados os argumentos de cerceamento de defesa e de ausência de dilação probatória. O art. 48, inc. II, alínea “a”, da Resolução TSE n. 23.463/15 prevê expressamente a apresentação de extratos da conta bancária aberta em nome do candidato, demonstrando a movimentação financeira ou a sua inexistência, em forma definitiva, contemplando todo o período de campanha. Verificada a ausência da documentação na prestação de contas da candidata, a qual, apesar de regularmente intimada, manteve-se inerte, manifestando-se nos autos somente após a prolação da sentença.

2. A irregularidade não fica afastada com a juntada dos extratos bancários em embargos de declaração, pois estes possuem hipóteses de cabimento taxativamente elencadas no art. 275 do Código Eleitoral, sendo inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa e para a reabertura da instrução processual.

3. Este Tribunal, em situações excepcionais, aceita a apresentação de documentação nova com o recurso quando a sua simples leitura reflete positivamente no exame das contas. Circunstância que difere do exame de extratos bancários, que demandam apurada análise contábil, conferências e verificações técnicas.

4. Irregularidade que compromete a transparência e a confiabilidade da prestação de contas.

Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 77362, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 07.11.2017.) Grifei.

Assim, conheço dos documentos juntados.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pelo magistrado a quo com fundamento na identificação de três irregularidades, assim sintetizadas na sentença:

1. Recebimento Direito de doação financeira realizada por pessoa física inscrita em programas sociais do governo, tal fato sugere a ausência de capacidade econômica do doador e o enquadramento no recebimento de recursos de origem não identificada (Art. 32 da Resolução TSE 23.607/2019). Não prospera a justificativa apresentada pelo prestador, visto que a diligência aponta um determinado fato, qual seja: Recebimento de Recursos de Origem Não Identificada (Roni), enquanto a defesa argumenta a respeito do limite de sobre doações de pessoas físicas.

2. Detecção de indícios de incapacidade técnica de uma empresa contratada para a produção de materiais de campanha, no caso em tela, bandeiras, dado que a descrição da atividade econômica da empresa (comércio varejista de alimentos) em nada se aproxima daquela recomendada para a confecção do material contratado.

3. O prestador foi intimado a prestar maiores esclarecimentos relativamente ao Documento Fiscal, 202000000000219, emitido em 05/11/2020, pois a NF apresentava descrições genéricas sobre o conteúdo da aquisição.

Passo à análise individualizada de cada apontamento.

 

1. Da incapacidade técnica de empresa contratada para a produção de materiais de campanha.

Os candidatos declararam a realização de gasto com confecção de bandeiras de pano, comprovado pelo documento fiscal n. 031.462.048, emitido em 23/10/2020, pelo fornecedor Salete Suptitz.

Por sua vez, em consulta ao site da Receita Federal, o órgão técnico de análise detectou indícios de incapacidade técnica para a produção do material adquirido, uma vez que a descrição da atividade econômica da empresa, conforme o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, não se relaciona com o objeto da despesa, sendo (ID 29015433):

• E DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA PRINCIPAL

47.24-5-00 - Comércio varejista de hortifrutigranjeiros

• CÓDIGO E DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS SECUNDÁRIAS

47.23-7-00 - Comércio varejista de bebidas

47.29-6-99 - Comércio varejista de produtos alimentícios em geral ou

especializado em produtos alimentícios não especificados anteriormente

De seu turno, os recorrentes asseveram que o fornecedor, anteriormente dedicado ao ramo de confecção de vestuário e comércio varejista de artigos de vestuário e acessórios, a partir de dezembro de 2020, ou seja, após as eleições, modificou sua atividade para o comércio varejista de hortifrutigranjeiros.

Corroborando a alegação, os prestadores acostam comprovante de inscrição e de situação cadastral no CNPJ, emitido em 26.03.2019, em que se registra a atividade de “Salete Suptitz” como “confecção de vestuário” e “comércio varejista de artigos de vestuário e acessórios” (ID 29015733).

Consta nos autos, ainda, certidão do órgão fiscal do Município de Barra Fundo, atestando que Salete Suptitz “esteve desempenhando as atividades de comércio de artigos de vestuário e acessórios e serviços de reparação de artigos mobiliários, (...), tendo início das atividades em 24 de junho de 2011 até o encerramento em 16 de dezembro de 2020” (ID 29016833).

Assim, diante da documentação apresentada, considerando que a análise técnica das contas ocorreu em 22.01.2021, ou seja, após a mudança de atividade da fornecedora, tem-se por demonstrada a capacidade operacional da empresa, à época dos gastos, para a produção do material contratado, impondo-se, assim, o afastamento da irregularidade.

 

2. Do documento fiscal emitido em 05.11.2020 com descrições genéricas dos gastos realizados.

Sobre o ponto, relatou o órgão técnico que o documento fiscal n. 202000000000219, emitido em 05.11.2020, não continha o detalhamento do serviço prestado (ID 29015433).

Em sua manifestação em primeira instância, os prestadores ofereceram declaração do fornecedor com descrição do trabalho contratado, consistente em “confecção de flyer de campanha eleitoral”, no valor de R$ 500,00 (ID 29015633), acostando, em complemento, amostras dos produtos entregues (ID 29016283, fls. 2-3).

O examinador técnico, entretanto, em manifestação acolhida na sentença, entendeu que (ID 29016133):

(...) em relação à confecção de flyers, a Resolução TSE 23.607/2019, Art. 35, § 7º, dispõe que todo material impresso de campanha eleitoral deverá conter o número de inscrição do CNPJ ou o número de inscrição no CPF do responsável pela confecção. Dessa forma, nenhum dos dois exemplos de material anexados nos autos (ID: 75740076) é suficiente para atestar a produção do material pelo fornecedor informado na prestação de contas.

Entretanto, de fato, é possível verificar que o material em questão corresponde a artes digitais de campanha para as redes sociais, sem informação de impulsionamento do conteúdo.

Assim, tendo em vista que o caso não se amolda nas hipóteses previstas no art. 35, § 7º da Resolução TSE n. 23.607/19 e no art. 29, § 5º, Resolução TSE 23.610/19, mostra-se desnecessária a exigência da indicação do CNPJ ou o CPF do responsável pela confecção do material, bem como de quem contratou.

Destaco, ainda, que o prestador juntou declaração do fornecedor com a descrição dos valores dos materiais produzidos (IDs 29014233 e 29015633).

Assim, resta sanada a irregularidade.

 

3. Do recebimento de doações de pessoas físicas beneficiárias do “auxílio emergencial”.

Finalmente, o parecer técnico conclusivo aferiu, mediante a integração do módulo de análise do SPCE e da base de dados do CADÚNICO, realizada em 21.12.2020, o recebimento direto de doações financeiras realizadas por pessoa física inscrita em programa social do Governo Federal, conforme a seguinte discriminação (ID 20015433):

DOAÇÕES REALIZADAS COM INDÍCIOS DE AUSÊNCIA DE CAPACIDADE ECONÔMICA

DATA DA APURAÇÃO

RECIBO ELEITORAL

CPF

DOADOR

VALOR R$

PROGRAMA SOCIAL

21/12/2020

000111186 401RS0000 10E

933.949.930-15

EROTILDE SIRLEI DA SILVEIRA

308,50

BENEFICIARIO DO AUXILIO EMERGENCIAL

21/12/2020

000111186 401RS0000 07E

933.949.930-15

EROTILDE SIRLEI DA SILVEIRA

500,00

BENEFICIARIO DO AUXILIO EMERGENCIAL

Conforme parecer técnico, o recorrente recebeu R$ 10.228,00 de recursos particulares, sendo R$ 9.419,50 de valores próprios e R$ 808,50 de doação de pessoa física.

Sobre o ponto, concluiu o magistrado à origem que o “Recebimento Direito de doação financeira realizada por pessoa física inscrita em programas sociais do governo, sugere a ausência de capacidade econômica do doador e o enquadramento no recebimento de recursos de origem não identificada (Art. 32 da Resolução TSE 23.607/2019).” (ID 20016483).

Por sua vez, o recorrente sustenta que “comprovou por meio de documentos correspondentes a notas fiscais de vendas de produtos agrícolas que o doador efetuou no ano de 2019, que o mesmo possui capacidade econômica”.

No tocante às notas fiscais de venda de produtos agrícolas acostadas pelo recorrente, estas não comprovam, por si sós, a capacidade econômica da doadora.

Da mesma forma, embora exista um indício de incapacidade financeira da doadora gerada pelo recebimento de auxílio emergencial, não existe nos autos nenhum elemento a demonstrar a ciência do recorrente sobre o fato de que a doadora era beneficiária do programa.

Nesse sentido, entendo que o mero indício de incapacidade financeira da doadora, sem prova suficiente que desabone a origem da doação, não pode gerar a desaprovação das contas do candidato ou o dever de recolhimento do valor.

Destaco que não desconheço da jurisprudência desta Corte sobre a matéria (a exemplo do REl 0600604-33.2020.6.21.0028, Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, sessão de 12.10.2021), entretanto, em todos os casos em que foi constatada a irregularidade na doação do auxílio emergencial e determinada sua devolução ao Tesouro Nacional, também foi identificado vínculo entre o doador do auxílio e o candidato, situação não verificada neste feito.

Assim, entendo que, mesmo que houvesse sido determinado o recolhimento do valor pelo primeiro grau de jurisdição, a sanção deveria ser afastada pela Corte por ausência de elementos probatórios capazes de demonstrar o vínculo entre doador e candidato, hipótese necessária para aferição da ciência do prestador sobre a ilegalidade da doação.

Contudo, permanece a impropriedade do recebimento de doação de pessoa beneficiária de auxílio emergencial, a qual possui indício de incapacidade financeira, situação que deve condicionar a aprovação das contas com ressalvas.

Conclusão

Assim, afastadas as falhas analisadas nos tópicos 1 e 2 da fundamentação, persiste a impropriedade no recebimento de doação advinda de pessoa física beneficiária do auxílio emergencial, ocasionando a aprovação das contas com ressalvas.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para afastar o dever de recolhimento da quantia de R$ 500,00 ao Tesouro Nacional, e aprovar com ressalvas as contas de MARCOS ANDRE PIAIA e ANDRE SIGNOR, relativas ao pleito de 2020.

Ainda, diante da formação da estratégia integrada para o combate a fraudes relacionadas ao recebimento do auxílio emergencial, determino o encaminhamento de cópia dos autos ao Ministério Público Federal, nesta capital, para a apuração de eventual prática de ilícito criminal, e autorizo o Ministério Público Eleitoral à extração de cópia do feito para as providências que entender cabíveis em relação a possíveis ilícitos eleitorais.