REl - 0600322-35.2020.6.21.0047 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/12/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Mérito

No mérito, as contas da campanha eleitoral de HELIO NERISSOM D AVILA SOARES foram desaprovadas pelo juízo da 47ª Zona de São Borja, devido ao recebimento de verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), destinadas originariamente à candidata Andreia Fabiane Nunes Cassanego Gonsalves, no valor de R$ 1.000,00.

A falha foi reconhecida pelo magistrado da origem, porque não teria havido comprovação de utilização da verba para a candidatura feminina, o que contraria o disposto nos §§ 6º e 7º do art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 17. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § 2º).

(…).

§ 6º A verba oriunda da reserva de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) destinada ao custeio das candidaturas femininas deve ser aplicada pela candidata no interesse de sua campanha ou de outras campanhas femininas, sendo ilícito o seu emprego, no todo ou em parte, exclusivamente para financiar candidaturas masculinas.

§ 7º O disposto no § 6º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas; outros usos regulares dos recursos provenientes da cota de gênero; desde que, em todos os casos, haja benefício para campanhas femininas.

 

O recorrente aduziu que a quantia recebida foi empregada em benefício comum de ambos os candidatos, na forma autorizada pelo art. 17, § 7º, da Resolução TSE n. 23.607/19, pois a candidata doadora, no momento em que efetivou a doação, estava lhe apoiando, na condição de companheiro de partido, para que atingisse um público-alvo e, com isso, aumentasse o seu número de eleitores, com o intuito de que ambos, então, tivessem condições de se eleger no pleito de 2020.

Contudo, o apoiamento de companheiro de partido, cujo sucesso, de algum modo, poderia interessar à candidata, não traduz a aplicação das quantias em benefício da candidatura feminina, na forma exigida pela legislação.

Como se extrai da dicção normativa, não está vedada a transferência dos aludidos valores entre os candidatos, mas são impostas condicionantes: que o montante seja utilizado para o pagamento de despesas comuns e que seja resguardado o objetivo da norma, ou seja, o benefício para campanhas femininas, sendo ilícito o seu uso, total ou parcial, exclusivamente para o financiamento da candidatura masculina.

Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. NÃO CONHECIDA DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA DE FORMA EXTEMPORÂNEA. MÉRITO. IRREGULARIDADES NA UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DESTINADOS A CANDIDATURAS FEMININAS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). PERCENTUAL EXPRESSIVO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Não conhecidos os documentos apresentados intempestivamente. O candidato já teve conhecimento e oportunidade para sanar ou esclarecer a irregularidade apontada, e não o fez de forma tempestiva, restando precluso o prazo para o cumprimento das diligências tendentes à complementação dos dados ou para saneamento das falhas, na forma determinada pelo § 1º do art. 72 da Resolução TSE n. 23.553/17.

2. Irregularidade atinente à utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) destinados às campanhas femininas, repassados por candidata ao cargo de senadora. A ausência de documentos comprobatórios da aplicação de valores do FEFC recebidos para o incentivo das campanhas femininas, implica em ofensa ao art. 19, §§ 5º e 7º, da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Não há ilicitude na transferência dos valores entre os candidatos, vez que a candidata está autorizada a realizar doações dos recursos recebidos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para candidatos do gênero masculino, desde que sejam utilizados para as despesas comuns e seja resguardado o objetivo da norma de incentivo à campanha feminina. Circunstância não comprovada na hipótese, uma vez que o candidato deixou de apresentar cópias de notas fiscais e impressos publicitários capazes de atestar que os valores foram empregados para aquisição de material comum de campanha e assim afastar a irregularidade. Falha que enseja o dever de recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional, conforme dispõe o art. 82, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17.

4. Desaprovação.

(TRE-RS, PC n. 0602683-40.2018.6.21.0000, Relator Des. Eleitoral André Luiz Planella Villarinho, julgado em 18.12.2020.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DE DESPESAS ELEITORAIS. UTILIZAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC) DESTINADOS ÀS CAMPANHAS FEMININAS. DÍVIDAS DE CAMPANHA NÃO ASSUMIDAS PELA AGREMIAÇÃO. IRREGULARIDADES GRAVES. VALOR SIGNIFICATIVO. AFASTADA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DESAPROVAÇÃO.

1. Apurada falta de correspondência entre os registros contábeis declarados pelo prestador de contas e os resultados encontrados nos procedimentos técnicos de exame, representando falha grave que malfere a transparência que deve revestir o balanço contábil. No caso, o valor da receita correspondente ao gasto omitido é considerado como recurso de origem não identificada, ensejando o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 34, da Resolução TSE n. 23.553/17.

2. Constatado que o prestador recebeu recursos do FEFC, provenientes do repasse da conta bancária de candidata ao Senado, no mesmo pleito. A candidata pode realizar doações dos recursos recebidos do FEFC para candidatos homens, desde que sejam utilizados para despesas comuns e seja assegurada a aplicação no interesse da campanha feminina, conforme previsto no art. 19, §§ 5º e 6º, da Resolução TSE n. 23.553/17. Não comprovado o cumprimento da forma exigida pela legislação. Determinada a devolução dos valores ao Tesouro Nacional.

3. As despesas de campanha dos candidatos, não adimplidas até o prazo de apresentação das contas, exigem a assunção da dívida pelo partido, nos termos do art. 35 da Resolução TSE n. 23.553/17. No ponto, a norma regente prevê tão somente a rejeição das contas como consequência jurídica da presente falha, sem referência a outras espécies de cominações. Inviável aplicação extensiva da legislação aplicável à espécie.

4. As irregularidades são graves e envolvem aproximadamente 69% do total de receitas captadas na campanha, sendo inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

5. Desaprovação.

(TRE-RS, PRESTAÇÃO DE CONTAS n. 0602376-86.2018.6.21.0000, Relator Des. Eleitoral JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, julgado em 24.6.2019.) (Grifei.)

 

Portanto, para afastar a irregularidade, cumpriria ao beneficiário da doação apresentar documentos que justificassem o repasse nos termos legais, tais como notas fiscais e exemplares de material de propaganda eleitoral, capazes de demonstrar que os valores foram empregados em proveito comum de ambas as campanhas, especialmente da candidatura feminina, ônus do qual não se desincumbiu nestes autos.

Diante disso, colho excerto da bem-lançada sentença, que adoto como razões de decidir:

O que ocorre nos autos, contudo, é nítido desvio de finalidade, concretizado na transferência de valor a fim de custear, sem qualquer vantagem ou contrapartida à doadora, campanha eleitoral do candidato Helio Nerissom, quando, em verdade, tais valores deveriam ser geridos exclusivamente pela candidata doadora, buscando alavancar sua própria candidatura.

Não há a alegada ambiguidade na norma, conforme alegado pelo candidato. Em qualquer hipótese de transferência ou doação de valores destinados à campanhas femininas, deve haver benefício à candidata em questão. Garantir que seu adversário angarie mais votos não beneficia ninguém, a não ser o beneficiário da doação.

 

Ademais, a aplicação irregular de recursos do FEFC destinados às candidaturas femininas constitui falha de natureza grave, apta a justificar a desaprovação da contabilidade, e impõe o dever de recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional, conforme o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 79. (...).

§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

 

Concernente a esse último aspecto, o recorrente argumenta que devolveu a quantia de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional, conforme, conforme comprovante de quitação de Guia de Recolhimento da União que estaria acostada com o recurso.

Contudo, compulsando os autos não foi possível encontrar a referida guia de pagamento.

Por fim, em relação ao pedido de parcelamento, registro que deve ser pleiteado junto ao juízo de primeiro grau, órgão competente para decidir sobre a matéria.

Por essas razões, a irregularidade consolida o valor de R$ 1.000,00, representando 51,63% do total das receitas arrecadadas pelo candidato, conforme apontado no parecer da Unidade Técnica (ID 44846508).

Sob esse aspecto, apesar do percentual significativo frente ao somatório arrecadado, o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessa linha, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e deste Tribunal admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10, como colho das seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.9.2017.) (Grifei.)

 

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (Grifei.)

 

Destarte, como as irregularidades perfazem quantia inexpressiva, entendo pela aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta o dever de recolhimento ao erário, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que decorre do reconhecimento da malversação das receitas de origem pública, independentemente da sorte do julgamento final das contas.

Na hipótese, porém, tendo em conta que a pretensão recursal se delimita à aprovação das contas com ressalvas, sem impugnar a condenação ao recolhimento de valores, haja vista que o recorrente reconhece que o valor deva ser devolvido ao Tesouro Nacional, cumpre dar parcial provimento ao apelo apenas em razão da impossibilidade de concessão de parcelamento do débito nessa instância recursal.

Finalmente, anoto, obter dictum, que eventual discussão sobre a configuração de bis in idem no caso de condenação da candidata doadora, no processo próprio de contas, em razão da ilicitude da doação efetiva, deve ser tratada nas pertinentes fases de cumprimento de sentença, diante da imposição pela lei de responsabilidade solidária entre o candidato e a candidata doadora (art. 275 do CC).

Por elucidativa, transcrevo passagem do voto-vista do eminente Des. Eleitoral Gerson Fischmann, no julgamento da PC n. 0602683-40.2018.6.21.0000, em 18.12.2020, anteriormente referida, que sintetiza com maestria a questão:

Na fase do cumprimento de sentença, o candidato poderá alegar, por meio da impugnação, qualquer das hipóteses previstas no art. 525, § 1º, do CPC para eximir-se da obrigação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional. Dentre elas está o pagamento, desde que superveniente à sentença. Além disso, extingue-se a execução quando o executado obtiver, por qualquer outro meio, a extinção total da dívida, o que certamente inclui a satisfação da obrigação por outro devedor solidário demandado separadamente (inc. III do art. 924 do CPC).

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, ao efeito de aprovar com ressalvas as contas de HELIO NERISSOM D AVILA SOARES relativas ao pleito de 2020, com base no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, mantendo a determinação do recolhimento de R$ 1.000,00 (mil reais) ao Tesouro Nacional.

É como voto, senhor Presidente.