REl - 0600290-59.2020.6.21.0005 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/12/2021 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

Do Mérito

A sentença que aprovou com ressalvas as contas reconheceu as seguintes irregularidades: a) ausência do CNPJ de campanha da candidata na nota fiscal relativa a gasto eleitoral; e b) realização de despesas comuns com candidaturas masculinas e femininas, efetuadas com recursos do FEFC destinados ao fomento de candidaturas de mulheres, sem a indicação de benefício à candidata, implicando a determinação do recolhimento de R$ 3.810,84 ao Tesouro Nacional.

Passo a analisar, individualmente, as falhas apontadas na sentença.

a) Ausência do CNPJ de campanha da candidata na nota fiscal de despesa eleitoral.

O parecer conclusivo (ID 39976383) identificou que a nota fiscal n. 291835, relativa ao fornecedor DIAS & COSTA COM. DE COMBUSTÍVEIS LTDA., no valor de R$ 210,84 (ID 67953300), foi emitida sem o CNPJ de campanha da candidata.

O fato foi confirmado pelos recorrentes, sendo incontroverso.

Contudo, em suas razões, sustentaram que a ausência do CNPJ na nota fiscal foi um equívoco formal de responsabilidade exclusiva do prestador de serviço. Ainda, alegaram que a despesa restou contratada no período autorizado pela legislação eleitoral e que foi emitido recibo, assinado pelo fornecedor, não podendo os candidatos serem responsabilizados pelos erros formais do prestador de serviço ou fornecedor quando não há prejuízo à lisura das contas.

Pois bem.

Quanto ao tema em análise, tem-se que os gastos com combustíveis, registrados na prestação, devem atender ao disposto no art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual transcrevo:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[…]

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim. (grifei)

 

Além disso, as despesas eleitorais devem ser comprovadas por meio de documento fiscal idôneo que contenha, entre outros, descrição do bem ou serviço e nome ou razão social e CPF/CNPJ do destinatário, conforme previsto no art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço. 

 

Assim, conforme expresso nos dispositivos supracitados, para atestar a regularidade dos gastos com combustível, é necessário que no documento fiscal da despesa conste o CNPJ da campanha, o que não ocorreu nas contas dos recorrentes.

Em que pesem as alegações recursais de que se trata de um equívoco formal de responsabilidade exclusiva do prestador de serviço e que o respectivo recibo consta nos autos, tais argumentos não afastam a irregularidade apontada no parecer técnico.

A apresentação de recibo emitido pelo fornecedor DIAS & COSTA COM. DE COMBUSTÍVEIS LTDA. (ID 39973433) não supre a falta de elementos essenciais da nota fiscal e também não demonstra a relação entre a nota fiscal e o gasto declarado.

Nessa linha de entendimento, cito julgado do Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DE CAMPANHA. NOTA FISCAL GENÉRICA. IRREGULARIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 24/TSE. RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PERCENTUAL IRRISÓRIO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. A teor do art. 63 da Res.-TSE 23.553/2017, as despesas eleitorais devem ser comprovadas por documento fiscal idôneo que contenha, entre outros, descrição do bem ou serviço e “identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço”. Não se admitem, portanto, notas fiscais genéricas que não demonstrem o vínculo do gasto com a campanha. Precedentes.

2. No caso, o TRE/BA consignou que a nota fiscal trazida pelo agravante – candidato ao cargo de deputado estadual em 2018 – “não possui a descrição do serviço nem o CPF/CNPJ do destinatário, em vilipêndio ao art. 63 da Resolução TSE 23.553/2017”. Ademais, o contrato de prestação de serviços apresentado não supre a falha, pois não se comprovou o vínculo com a referida nota.

3. O reexame dos fatos descritos no aresto a quo esbarra no obstáculo da Súmula 24/TSE.

4. Verificando-se despesas irregulares com recursos do Fundo Partidário, deve-se recolher a quantia ao erário, nos termos do art. 82, § 1º, da Res.-TSE 23.553/2017, como se determinou in casu.

5. Agravo interno a que se nega provimento.

(Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 0602383-25.2018.6.05.0000, Acórdão, Relator: MIN. LUIS FELIPE SALOMÃO, Publicação: PJE – Processo Judicial Eletrônico, Data 26.03.2020.). (grifei)

 

Dessa forma, confirmada a despesa irregular com recursos do FEFC, deve-se recolher ao Tesouro Nacional o respectivo valor (R$ 210,84), nos termos do art. 79, § 1º, Resolução TSE n. 23.607/19, tal como propugnado na sentença recorrida.

b) Realização de despesas comuns com recursos do FEFC destinados ao fomento de candidaturas femininas, sem a indicação de benefício direto à candidata.

O parecer conclusivo (ID 39976383) identificou que a candidata ao cargo majoritário realizou o pagamento integral de serviços jurídicos em favor de candidatos homens, utilizando-se de recursos do FEFC destinados à cota de gênero feminina, sem a indicação de benefício direto para campanhas femininas, conforme os seguintes apontamentos:

A matéria em análise está regulamentada pelo art. 17, §§ 6º a 9º, da Resolução TSE n. 23.607/19, litteris:

Art. 17. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § 2º).

(...).

§ 6º A verba oriunda da reserva de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) destinada ao custeio das candidaturas femininas deve ser aplicada pela candidata no interesse de sua campanha ou de outras campanhas femininas, sendo ilícito o seu emprego, no todo ou em parte, exclusivamente para financiar candidaturas masculinas.

§ 7º O disposto no § 6º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas; outros usos regulares dos recursos provenientes da cota de gênero; desde que, em todos os casos, haja benefício para campanhas femininas.

§ 8º O emprego ilícito de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) nos termos dos §§ 6º e 7º deste artigo, inclusive na hipótese de desvio de finalidade, sujeitará os responsáveis e beneficiários às sanções do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis.

§ 9º Na hipótese de repasse de recursos do FEFC em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução o recebedor, na medida dos recursos que houver utilizado.

 

De fato, restou incontroverso que a candidata contratou serviços advocatícios para candidato do gênero masculino, concorrentes a vagas na Câmara Municipal, com recursos do FEFC destinados à  cota de gênero feminina.

A controvérsia reside no alcance do benefício dessa contratação: se houve favorecimento exclusivo da campanha dos candidatos do gênero masculino ou se, igualmente, ocorreu proveito comum, também à campanha da candidata.

Quanto ao ponto, os recorrentes alegam que 65% da despesa foi para benefício da campanha feminina. Ainda, argumentaram que os honorários foram rateados entre dez candidatos ao cargo de vereador (4 mulheres e 6 homens). Ainda, argumentaram que a legislação autoriza o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino, desde que haja benefício para campanhas femininas. Defendem que toda candidatura proporcional da agremiação é uma “dobradinha” com a candidatura majoritária, destacando que não houve desvio na utilização do FEFC pelo pagamento da despesa conjunta indicada, bem como ocorreu benefício da campanha majoritária e que perfez percentual irrisório em comparação ao montante público destinado à campanha exclusiva da majoritária.

Dessa quantia, utilizou o valor de R$ 3.600,00 em benefício comum de candidatos homens ao cargo de vereador, por meio de doações estimáveis, ou seja, houve a contratação de consultoria e assessoria jurídica compartilhada entre os disputantes do pleito, englobando todos os candidatos (dos quais, 4 mulheres e 6 homens) das candidaturas proporcionais.

Da leitura do normativo acima consignado, constata-se que o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino é, justamente, uma das exceções trazidas pelo § 7º do art. 17 Resolução TSE n. 23.607/19.

Dessa forma, no presente caso, verifica-se o benefício para a candidatura feminina, pois é praxe a realização de campanha formalizada pela “dobradinha” entre candidatos do pleito majoritário e proporcional, no interesse de ambas as campanhas, como uma forma de potencializar a divulgação da propaganda eleitoral e conquistar votos para o partido.

Esse ponto foi muito bem evidenciado no parecer do ilustre Procurador Regional Eleitoral, Dr. Fábio Nesi Venzon, cujos fundamentos agrego às minhas razões de decidir (ID 44368533):

[...].

No caso, a candidatura majoritária, capitaneada por candidata mulher, recebeu R$ 107.854,40 de recursos financeiros provenientes do FEFC. Desse montante, destinou R$ 3.600,00 para pagamento de honorários advocatícios em benefício de candidatos (homens) ao cargo de vereador, uma das exceções previstas pelo § 7º do art. 17 da Res. TSE 23.607/19.

 

Quanto ao benefício em prol da candidatura feminina, exigido pela norma em questão, não há como olvidar que, no presente caso, estamos diante de uma candidatura majoritária capitaneada por uma mulher, tendo a candidata recebido uma quantia considerável do partido, da qual praticamente todo o recurso foi pela mesma utilizado. Uma parcela mínima, que representa 3,37% dos recursos recebidos do FEFC foi destinada a candidatos à eleição proporcional, certamente porque a candidata a Prefeita levou em consideração, para tanto, o apoio recebido dos candidatos a vereador.

 

Não se trata, evidentemente, de uma candidata que se viu obrigada a repassar recursos para candidatos do sexo masculino, como sói acontecer em processos que aportam nessa Corte, mas sim de candidata que assim decidiu por uma estratégia de campanha, haja vista que a sua condição nas eleições do município de Alegrete é de ascensão em relação aos candidatos à eleição proporcional.

 

Destarte, merece reforma a sentença para afastar esta irregularidade.

 

Dessa forma, não é possível identificar o desvirtuamento da finalidade de recursos públicos de destinação vinculada, devendo ser afastada a irregularidade e o consequente dever de restituição das quantias ao Tesouro Nacional.

Conclusão

Por fim, verifica-se que a única falha remanescente alcança módicos R$ 210,84, que representam, aproximadamente, 0,16% das receitas declaradas (R$ 130.214,40), ficando, portanto, bastante abaixo do percentual de 10% utilizado como parâmetro de insignificância para permitir a aprovação das contas com ressalvas, na esteira da jurisprudência deste Tribunal Regional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES DE 2016. VEREADOR. LIMITE DE GASTOS COM ALIMENTAÇÃO. DIVERGÊNCIA QUANTO À AUTORIA DAS DOAÇÕES. IRREGULARIDADES INFERIORES A 10% DA ARRECADAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. Gastos com alimentação que excedem em 3,2% o limite de despesas dessa natureza e divergência entre os dados do extrato bancário e as declarações de doações registradas no balanço contábil que expressam 3,57% dos recursos arrecadados. Falhas que, somadas, representam menos de 10% dos recursos utilizados na campanha, não prejudicando a confiabilidade das contas. Incidência do princípio da proporcionalidade. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS – RE: 41060 PORTO ALEGRE – RS, Relator: MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 25.06.2018, Data de Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 112, Data 27.06.2018, Página 6) (Grifei.)

 

Por essas razões, na linha da manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, a sentença deve ser parcialmente reformada, apenas para afastar a irregularidade atinente aos gastos de recursos do FEFC, destinados ao fomento de candidaturas femininas, mantendo-se a aprovação com ressalvas das contas e reduzindo para R$ 210,84 (duzentos e dez reais e oitenta e quatro centavos) o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, para, mantendo o juízo de aprovação com ressalvas das contas de Maria do Horto Loureiro Salbego e Edson Luis Tavares Alvarenga, relativas ao pleito de 2020, reduzir para R$ 210,84 (duzentos e dez reais e oitenta e quatro centavos) o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.