REl - 0600309-42.2020.6.21.0142 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/12/2021 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço. 

Do Mérito

A sentença recorrida reconheceu (a) o atraso na abertura da conta bancária relativa ao recebimento de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e (b) a ausência de comprovação de gasto, no valor de R$ 2.200,00, com recursos advindos desse fundo, razão pela qual desaprovou as contas da recorrente e determinou o recolhimento da quantia de R$ 2.200,00 (dois mil e duzentos reais) ao Tesouro Nacional.

Passo ao exame.

a) Atraso na abertura da conta bancária destinada aos recursos do FEFC

Sobre a primeira irregularidade, o magistrado sentenciante considerou como irregularidade o atraso de 32 dias, em relação ao prazo previsto no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, para a abertura da conta bancária destinada ao recebimento de recursos do FEFC (conta 618736001, agência 1063, Banrisul).

De seu turno, a recorrente afirma que a demora na abertura da conta bancária se deve à orientação recebida na instituição bancária de que “seria necessário somente uma conta de campanha”, bem como que “a conta de campanha da recorrente fora aberta dentro do prazo legal, somente a conta de FEFC é que fora aberta posteriormente”.

Quanto ao ponto, tenho que a sentença merece reforma.

Isso porque a referida conta bancária foi destinada à movimentação das receitas oriundas do FEFC, não estando sujeita ao prazo de 10 (dez) dias a partir da data da concessão do número de CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, estipulado no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Com efeito, no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 encontra-se preceituada a obrigação de os candidatos efetuarem a abertura de conta bancária para a movimentação de “Outros Recursos” no prazo de dez dias após a concessão do CNPJ:

Art. 8º É obrigatória para os partidos políticos e os candidatos a abertura de conta bancária específica, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil ou em outra instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil e que atendam à obrigação prevista no art. 13 desta Resolução.

§ 1º A conta bancária deve ser aberta em agências bancárias ou postos de atendimento bancário:

I - pelo candidato, no prazo de 10 (dez) dias contados da concessão do CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil;

 

Por outro lado, relativamente à conta bancária destinada a movimentação das receitas oriundas do FEFC, não incide a imposição do prazo aludido.

A regra em questão aplica-se especificamente à abertura da conta bancária destinada ao recebimento de doações de pessoas físicas, agremiações partidárias e dos próprios candidatos, enquanto a conta bancária destinada às verbas recebidas do Fundo Partidário e do FEFC recebe a disciplina do art. 9º da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual não prevê prazo equivalente.

Nessa linha de raciocínio, a inobservância do prazo prescrito no art. 8º, § 1º, inc. I, da citada Resolução para a abertura de conta bancária relacionada às receitas do FEFC não configura afronta à legislação de regência e não importa em desaprovação da contabilidade no caso concreto, na linha de precedentes deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CARGOS. PREFEITO E VICE-PREFEITO. RECEBIMENTOS DE DEPÓSITOS BANCÁRIOS EM ESPÉCIE. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. DESPESAS COM COMBUSTÍVEL PARA USO EM CAMPANHA E CARREATA. AUSENTE COMPROVAÇÃO. NÃO ATENDIMENTO AOS REQUISITOS DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. ATRASO NA ABERTURA DE CONTA BANCÁRIA. MERA IMPROPRIEDADE FORMAL. PERCENTUAL DAS FALHAS. ACIMA DE 10%. INAPLICABILIDADE DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

(...).

4. O atraso na abertura de conta bancária é irregularidade insanável, porém, somente pode ser considerada grave se for constatado que houve movimentação financeira antes da abertura de conta para a campanha e não for possível rastrear os valores movimentados, o que não ficou comprovado nos autos. Diante dessas circunstâncias, a extrapolação do prazo previsto no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, no presente caso concreto, não comprometeu as contas de forma grave, constituindo-se em mera impropriedade formal, sem aptidão para, por si só, ensejar a desaprovação da contabilidade.

(...).

7. Provimento parcial, para afastar unicamente a falha pertinente ao descumprimento do prazo para abertura de conta bancária. Recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia impugnada.

(TRE-RS; REl 0600253-92.2020.6.21.0082; Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, sessão de julgamento de 14.10.2021.) Grifei.

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS A PREFEITO E VICE-PREFEITO. DESAPROVAÇÃO. ABERTURA REGULAR DE CONTA BANCÁRIA DESTINADA À MOVIMENTAÇÃO DE RECEITAS ORIUNDAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. ATRASO NA APRESENTAÇÃO DE RELATÓRIOS FINANCEIROS. FALTA DE DECLARAÇÃO TEMPESTIVA DE DOAÇÕES ANTERIORES À PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAL. FALHA NO ADIMPLEMENTO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECURSO PRIVADO NA CONTA DESTINADA AOS RECURSOS ORIUNDOS DO FEFC. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. REDUZIDO O VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

(...).

2. A abertura de conta bancária destinada à movimentação de receitas oriundas do FEFC não está sujeita ao prazo de 10 (dez) dias a partir da data da concessão do número de CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, estipulado no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, de forma que sua inobservância não configura afronta à legislação de regência, e não importa em desaprovação da contabilidade. A abertura de conta para gerenciamento de verbas recebidas do Fundo Partidário e do FEFC recebe a disciplina do art. 9º da Resolução TSE n. 23.607/19. Afastada a irregularidade.

(...).

6. Parcial provimento.

(TRE-RS; REl 0600253-92.2020.6.21.0082; Relator: DES. ELEITORAL OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES, sessão de julgamento de 14.10.2021.) Grifei.

 

Observa-se, ainda, que os recursos provenientes do FEFC somente foram transferidos à candidata a partir de 09.11.2020, ou seja, após a efetiva abertura da conta bancária em 03.11.2020. Dessa forma, consoante bem observou o examinador técnico, “considera-se o item esclarecido, já que se trata da conta do FEFC, entendendo-se, portanto, que ela abriu a conta quando recebeu o recurso”.

Portanto, deve ser afastada a irregularidade em tela.

 

b) Comprovação de gasto com recursos do FEFC

No que concerne ao segundo apontamento, a recorrente foi condenada ao recolhimento do montante de R$ 2.200,00 (dois mil e duzentos reais) ao Tesouro Nacional em razão de contratação que não atendeu ao disposto no § 12º do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, “já que não houve a devida comprovação detalhada das horas trabalhadas, dos locais onde as atividades seriam executadas e, principalmente, da justificativa do preço contratado”.

Em seu recurso, a candidata informa que tal gasto resulta da contratação de Jucimeri Portes de Oliveira para realização de serviço de coordenação de campanha, com a responsabilidade por planejar as estratégias, organizar cronogramas e definir metas que seriam repassadas para os outros setores, bem como realizar visitas, com ou sem a presença da contratante, aos eleitores nas áreas urbana e rural. Afirma, ainda, que foi firmado um contrato-padrão para prestação do serviço e que o recibo de pagamento é específico ao detalhar o serviço prestado e justificar o valor contratado.

A fim verificar as alegações, colho excerto do parecer conclusivo elaborado pela analista de contas (ID 28199733), em que são traçadas considerações sobre o contexto e a média de gastos de campanha no Município de Hulha Negra:

(...) esta analista realizou uma pesquisa no DivulgaCand, site do TSE que torna público os gastos dos candidatos (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/85316/210000654383/integra/despesas) - seguem anexos relatórios - e verificou que o prefeito eleito de Bagé, Divaldo Viera Lara gastou com panfletagem valores que variaram de R$200,00 a R$800,00. Realizou também pesquisa de alguns vereadores eleitos, e verificou que os gastos com serviço de apoio a candidatura variaram de R$150,00 a R$200,00.

Verificou-se também que o candidato a prefeito pelo mesmo partido da prestadora no município de Hulha Negra gastou R$1.000,00 com despesas de pessoal para manutenção do comitê, não tendo observado no divulgacand gastos com apoio a candidatura (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/ candidato/2020/2030402020/86800/210000767319/integra/despesas), sendo que a prestadora teve o expressivo gasto de R$2.200,00 com apenas uma apoiadora.

Ainda há de ser destacar que Bagé é um município que tem 90.578 eleitores, enquanto Hulha Negra tem 4.677 eleitores (representa 5,16% do total do eleitorado de Bagé).

Considera-se, s.m.j., uma inconsistência grave, que afeta a confiabilidade das contas, requisito essencial para atestar a utilização correta dos gastos com o FEFC e e pode revelar o descumprimento das regras de utilização de recursos oriundos do fundo para pagamento de gastos com pessoal, o que dificulta o controle sobre esses gastos, geradora de potencial desaprovação das contas e de devolução dos recursos ao erário.

 

Para além das observações constantes nesse parecer, verifiquei que, além da contratação de Jucimeri Portes de Oliveira, a candidata registra despesas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/86800/210000767643) com material publicitário (R$ 877,00), bandeiras (R$ 450,00), serviços contábeis (R$ 350,00), serviços advocatícios (R$ 100,00), encargos financeiros (R$ 39,55) e impressos (R$ 30,00). A natureza dessas despesas enfraquece a alegação de que seria atribuições de Jucimeri “planejar as estratégias de campanha, organizar cronogramas e definir metas que seriam repassadas para os outros setores, coordenados pela contratada”.

Como bem colocado pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral, Dr. Fábio Nesi Venzon, em seu parecer, “o argumento não faz sentido, haja vista tratar-se de campanha que conta com contratação de uma única colaboradora, não tendo sido especificado quais seriam esses ‘outros setores’ sob sua coordenação”.

O acervo probatório indica a ausência de elementos que possam justificar o valor pago, bem como de qualificação específica que fundamente o pagamento de quantia exageradamente acima da média para as atividades em questão.

Tem-se, portanto, que o contrato apresentado não se mostra idôneo à comprovação das despesas, pois evidencia incongruências nas informações prestadas e não há o detalhamento da contratação, com a identificação dos locais de trabalho, dos prestadores de serviço, das horas trabalhadas, das atividades executadas e da justificativa do preço contratado, como exige o art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[...]

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral dos prestadores de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

 

A contratação em tela representa mais de 50% dos gastos de campanha e afronta o princípio da economicidade na aplicação de recursos públicos, o qual pode ser objeto de controle em processo de prestação de contas e permite que se declare irregular a despesa de caráter antieconômico.

Na mesma linha, trago precedente do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DESAPROVAÇÃO. CANDIDATA. DEPUTADO ESTADUAL. CONTRATAÇÃO. PRESTADOR DE SERVIÇO. PERÍODO EXÍGUO. VALOR EXPRESSIVO. RECURSOS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). PRINCÍPIOS NORTEADORES DAS DESPESAS COM RECURSOS PÚBLICOS. RAZOABILIDADE. ECONOMICIDADE. MORALIDADE. IMPESSOALIDADE. TRANSPARÊNCIA. INOBSERVÂNCIA. VERBETES SUMULARES 24 E 27 DO TSE. INCIDÊNCIA. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. INAPLICABILIDADE.

SÍNTESE DO CASO

1. Trata–se de recurso especial interposto em face de acórdão de Tribunal Regional Eleitoral que desaprovou as contas de campanha da recorrente referentes às Eleições de 2018, quando concorreu ao cargo de deputado estadual, determinando a devolução da quantia de R$ 30.000,00 ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 82, § 1º, da Res.–TSE 23.553, atinente a recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), utilizados indevidamente na contratação de namorada/noiva do filho da candidata, para prestação de serviço na campanha.

2. De acordo com a Corte de origem, a contratação em evidência, para a função de coordenadora de campanha, se deu pelo prazo de apenas dez dias e pela quantia de R$ 30.000,00, equivalente a cerca de 46% do total das receitas da campanha (R$ 65.860,00), em desacordo com os princípios da moralidade e da impessoalidade na utilização de recursos públicos, revelando–se gasto de valor expressivo e desproporcional.

ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL

3. Incide na espécie o verbete sumular 27 do TSE, na medida em que a recorrente não demonstrou de que forma o acórdão regional teria violado os arts. 37, VII, e 40, I, da Res.–TSE 23.553 e 26 da Lei 9.504/97, pois tais preceitos normativos – referentes ao rol de gastos eleitorais e às formas admitidas de pagamento de despesas de natureza financeira – não dizem respeito ao fundamento adotado pelo Tribunal de origem para a desaprovação das contas, qual seja, a inobservância de princípios norteadores da realização de despesas com recursos públicos.

4. A hipótese dos autos versa sobre a aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, os quais, por ostentarem caráter público, devem ter a sua utilização fundada, dentre outros, nos princípios da moralidade, da impessoalidade, da transparência, da razoabilidade e da economicidade, os quais são postulados norteadores da realização de despesas com dinheiro público, conforme já se decidiu no julgamento de contas anuais de partidos e a respeito de verba do Fundo Partidário. Nesse sentido: PC 247–55, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 1º.3.2018, e ED–PC 267–46, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 22.9.2017.

5. Firmou–se nesta Corte Superior a compreensão de que a observância do princípio da economicidade na aplicação de recursos públicos pode ser objeto de controle em processo de prestação de contas, assim como se assentou que é possível considerar irregular a despesa que tenha caráter antieconômico. Nesse sentido, confiram–se os seguintes precedentes alusivos ao emprego de verbas do Fundo Partidário por partidos políticos: PC 305–87, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 12.8.2019; PC 290–21, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 21.6.2019; e PC 268–60, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 6.6.2019.

6. Inexiste óbice a que, na análise das prestações de contas, a Justiça Eleitoral exerça o controle da observância dos princípios norteadores da realização de despesas com recursos públicos, sejam eles provenientes do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

7. Quanto aos argumentos recursais de que a análise da prestação de contas deveria se limitar à escrituração contábil e de que eventual indício da irregularidade versada nos autos deveria ser apurado em procedimento autônomo, cumpre observar que a aplicação antieconômica de recursos públicos pode ser objeto de controle da Justiça Eleitoral no processo de prestação de contas, o que igualmente ocorre quanto aos gastos efetuados com inobservância aos princípios da transparência, da moralidade e da razoabilidade.

8. Na espécie, a Corte de origem, soberana no exame do conjunto fático–probatório dos autos, afirmou a irregularidade da despesa realizada, pelos seguintes fundamentos: a) a prestadora das contas contratou a namorada/noiva de seu filho para prestar serviços como coordenadora–geral de campanha, pelo período de apenas dez dias e pela expressiva quantia de R$ 30.000,00, equivalente a cerca de 46% do total das receitas da campanha (R$ 65.860,00), com a utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha; b) a referida contratação, realizada mediante pagamento com recursos públicos, embora não seja objeto de restrição legal expressa, configurou a sobreposição de interesses privados em detrimento de interesses públicos e afrontou os princípios da moralidade e da impessoalidade, assim como revelou gasto expressivo e exageradamente desproporcional, de modo a comprometer a higidez das contas; c) a alegação de que a pessoa contratada para prestar serviço na campanha teria se casado com o filho da candidata após a prestação dos serviços não afasta a irregularidade, pois, embora a relação de namoro ou noivado não configure parentesco, a contratação de pessoas nessas circunstâncias não se conforma ao significado nem ao alcance dos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e da isonomia; d) a prestadora das contas confirmou ser sua nora a pessoa contratada como coordenadora–geral de campanha; e) a candidata não comprovou devidamente os gastos realizados com a aludida contratação.

9. Para alterar as conclusões às quais chegou o Tribunal de origem, a fim de acolher as alegações recursais, seria necessário o revolvimento do acervo fático–probatório dos autos, o que não se admite em recurso especial eleitoral, nos termos do verbete sumular 24 do TSE.

10. Embora não haja vedação expressa à contratação de futuros parentes (ou até mesmo de parentes) para prestação de serviços de campanha, é necessário que haja razoabilidade em tal prática e que sejam observados os preceitos éticos e morais que devem nortear a conduta dos candidatos e dos partidos políticos, notadamente quanto ao uso de recursos públicos, evitando–se o favorecimento pessoal de qualquer natureza e o prejuízo à economicidade que pode decorrer de tais contratações. Nesse sentido, destaca–se que é dever do candidato ou do partido político garantir o bom uso dos recursos públicos, buscando obter o melhor resultado pelo menor custo possível, em atenção ao princípio da economicidade.

11. A contratação de parente do candidato – ou mesmo de pessoa que mantenha relação de noivado ou namoro com o candidato ou com parente do candidato – para a prestação de serviço na campanha enseja atenção da Justiça Eleitoral, dada a possibilidade de conflito de interesses e de desvio de finalidade na aplicação de recursos públicos, com vistas a, eventualmente, favorecer financeiramente a pessoa contratada. Assim, tal contratação, caso seja realizada, deve observar rigorosamente os princípios constitucionais da razoabilidade, da moralidade e da economicidade, assim como deve evidenciar elevado grau de transparência, a fim de que sejam, de forma satisfatória, demonstradas as peculiaridades da transação, as atividades efetivamente desenvolvidas e a compatibilidade dos custos com valores de mercado. Cumpre à Justiça Eleitoral atuar com maior rigor em tais situações.

12. No caso sob exame, é induvidosa a falta de transparência na contratação da coordenadora–geral de campanha, pois, conforme consignado no acórdão regional, a prestadora das contas não comprovou devidamente os gastos realizados com a contratação por exíguo intervalo de tempo e por quantia expressiva de recursos públicos, de modo a comprometer a higidez das contas.

13. A ausência de comprovação de despesas de campanha é, em regra, motivo suficiente para ensejar a desaprovação das contas. Nesse sentido: AgR–AI 0606203–67, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 7.5.2020, AgR–PC 218–97, da rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 28.4.2020, PC 1008–18, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 29.8.2019, e AgR–AI 174–43, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 22.3.2018.

14. A Corte de origem agiu com acerto ao assentar que a contratação, no caso dos autos, ocorreu em desacordo com os princípios da moralidade e da impessoalidade na aplicação dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Ademais, os fundamentos do acórdão recorrido realçam também o caráter antieconômico da despesa efetuada com recursos públicos do FEFC, na medida em que a candidata pagou a uma única pessoa contratada, por serviços supostamente prestados no período de apenas dez dias, a quantia de R$ 30.000,00, equivalente a cerca de 46% do total das receitas da campanha (R$ 65.860,00), revelando–se tal gasto "exageradamente desproporcional" e "efetivamente expressivo", nas palavras do Tribunal de origem.

15. Na espécie, não é possível a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas, tendo em vista que a irregularidade constatada corresponde a quantia expressiva, em valor absoluto e em termos percentuais, em relação ao total de recursos arrecadados. Nesse sentido: AgR–AI 181–42, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 3.12.2018.

CONCLUSÃO

Recurso especial eleitoral a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060116394, Acórdão, Relator MIN. SERGIO SILVEIRA BANHOS, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 216, Data 27.10.2020.) Grifei.

 

Finalmente, cumpre observar que a contabilidade registra a doação de R$ 250,00 efetuada pela contratada Jucimeri em favor da candidata em 23.10.2020, situação que também depõe contra a recorrente, porquanto é, no mínimo, incongruente que a prestadora de serviço seja, ao mesmo tempo, credora e doadora das verbas de campanha.

Por oportuno, menciono também precedente do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, no qual se ponderou que, em hipótese como a que ora se analisa, é conveniente prestigiar “a avaliação e ponderação realizada pelos juízes de primeiro grau, vez que estes são mais conhecedores da realidade econômica e política do Município. Ou seja, se a disparidade de valores chamou a atenção da MM. Magistrada sentenciante, é porque, de fato, possui relevância no contexto da localidade” (PC n. 0600306-60.2020.6.16.0099, ACÓRDÃO n 59084 de 11.06.2021, Relator: DES. ELEITORAL CARLOS ALBERTO COSTA RITZMANN, Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo DJE, Data 17.06.2021).

Em conclusão, registro que o valor das irregularidades verificadas importa em R$ 2.200,00 e representa 54,3% das receitas recebidas (R$ 4.046,55), tornando inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar a prestação de contas com ressalvas.

Por essas razões, divirjo parcialmente da manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, apenas para afastar a irregularidade relativa ao atraso na abertura da conta específica para recursos do FEFC, mantendo, porém, o julgamento de desaprovação das contas e a determinação de recolhimento do valor de R$ 2.200,00 do Tesouro Nacional, com esteio no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto por dar parcial provimento ao recurso para afastar a irregularidade relativa ao atraso na abertura da conta destinada aos recursos do FEFC, mantendo, porém, a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento do valor de R$ 2.200,00 do Tesouro Nacional.