REl - 0600225-07.2020.6.21.0121 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/12/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, consta que houve doação de R$ 950,00, que representa 75,37% das receitas declaradas, sem a indicação do doador, o que configura recurso de origem não identificada, passível de sanção na forma do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, em sentença assim fundamentada:

As contas foram apresentadas tempestivamente pela candidata e instruídas com as informações e documentos elencados no art. 64 da Resolução TSE n. 23.607/2019. Foi adotado o sistema simplificado para seu processamento, uma vez que a movimentação financeira declarada é inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e que o município pelo qual a candidata concorreu ao mandato eletivo possui menos de 50 mil eleitores (art. 28, §§9° e 11, da Lei n. 9.504/1997 e art. 62, §1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019).

O art. 65 da Resolução TSE n. 23.607/2019 prevê que a análise técnica da prestação de contas simplificada será realizada de forma informatizada, com o objetivo de detectar: I – recebimento direto ou indireto de fontes vedadas; II – recebimento de recursos de origem não identificada; III – extrapolação de limite de gastos; IV – omissão de receitas e gastos eleitorais; V – não identificação de doadores originários, nas doações recebidas de outros prestadores de contas.

Não há indícios de recebimento direto ou indireto de recursos de fonte vedada. Além disso, não foi identificada extrapolação de limite de gastos. As doações estimáveis em dinheiro recebidas do Republicanos do Rio Grande do Sul foram comprovadas por Notas Fiscais Eletrônicas juntadas aos autos (ID 68359483).

Contudo, foi constatado o recebimento de recursos de origem não identificada. A candidata declarou que recebeu R$ 800,00 provenientes de recursos próprios. Porém, no extrato eletrônico disponibilizado pelo TSE e juntado nestes autos (ID 85693563), não há identificação do depositante do valor. Consoante art. 21, I, da Resolução TSE n. 23.607/2019, as doações de pessoas físicas e de recursos próprios devem ser realizadas por meio de transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado. Além disso, o art. 32, § 1º, I, da mesma Resolução, dispõe que caracteriza-se como recurso de origem não identificada aquele em que falta a identificação do doador. O art. 21, § 3º, da citada Resolução, determina que doações recebidas em desacordo com o artigo devem ser devolvidas ao doador ou, na impossibilidade, ser recolhidas ao Tesouro Nacional. Tendo em vista que já houve a utilização de tal recurso em campanha, inviável sua restituição, de modo que o recolhimento ao valor ao Tesouro Nacional é medida que se impõe.

Intimada para se manifestar e trazer documentos comprovando a regularidade da doação, a candidata se manteve silente. Dessa forma, o montante é considerado recurso de origem não identificada, sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional.

Ademais, foi identificada omissão de despesa, conforme Nota Fiscal Eletrônica enviada à Justiça Eleitoral pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, o que contraria o art. 53, I, g, da Resolução TSE n. 23.607/2019. Há Nota Fiscal Eletrônica emitida contra o CNPJ da candidata no valor de R$ 150,00 e cuja descrição do produto é “adesivo 100 x 50 cm” (IDs 85693565 e 85693566).

A omissão em comento é falha grave e implica desaprovação das contas, nos termos do que preceitua o art. 14 da Resolução TSE n. 23.607/2019, o qual reproduzo:

Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).


§ 1º Se comprovado o abuso do poder econômico por candidato, será cancelado o registro da sua candidatura ou cassado o seu diploma, se já houver sido outorgado (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

§ 2º O disposto no caput também se aplica à arrecadação de recursos para campanha eleitoral os quais não transitem pelas contas específicas previstas nesta Resolução.

Trata-se, também, de Recurso de Origem não Identificada, pois não é possível verificar a origem do valor utilizado para pagar o produto adquirido, já que não transitou pela conta bancária de campanha. Assim, o valor de R$ 150,00 está sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput e § 1º, VI, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Assim, diante da verificação de inconsistências graves e insanáveis, que totalizam R$ 950,00, ou seja, 75,37% do total de receitas declaradas, a desaprovação é medida que se impõe, na forma do art. 74, III, da Resolução TSE n. 23.607/2019. Em virtude das inconsistências apontadas, a candidata deverá recolher ao Tesouro Nacional o valor de R$ 950,00.

Por fim, ressalto que o julgamento da prestação de contas pela Justiça Eleitoral não afasta a possibilidade de apuração por outros órgãos quanto à prática de eventuais ilícitos antecedentes e/ou vinculados, verificados no curso de investigações em andamento ou futuras (art. 75 da Resolução TSE n. 23.607/2019).

III – DISPOSITIVO

Diante do exposto e com base no art. 30, III, da Lei n. 9.504/1997 e no art. 74, III, da Resolução TSE n. 23.607/2019, julgo DESAPROVADAS as contas apresentadas pela candidata Claudia Aparecida Diniz, referentes às Eleições Municipais de 2020.

Considerando a presença de Recursos de Origem não Identificada, nos termos do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/2019, DETERMINO o recolhimento do valor de R$ 950,00 ao Tesouro Nacional, no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado da decisão, sob pena de remessa dos autos à representação estadual da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança (art. 32, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/2019). Aplicável atualização monetária e juros na forma do art. 32, § 3º, da mesma resolução.

 

 

Irresignada, a recorrente pugna pela aprovação das contas, ou, subsidiariamente, aprovação das contas com ressalvas. Sustenta que realizou a doação de R$ 800,00 com recursos próprios para sua campanha e que possui capacidade financeira para tal. Com relação ao valor de R$ 150,00, não foi apresentada justificativa e, em sede de recurso, reconheceu a existência da irregularidade.

Referente à primeira irregularidade, isto é, recebimento de R$ 800,00 sem a identificação do depositário do valor, pode-se verificar no extrato bancário da conta n. 608172608, Agência 695, do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (ID 42784383), que, de fato, não foi identificado o doador por meio de CPF ou CNPJ, contrariando o disposto no art. 21, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19: “As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de: I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado”. (Grifo nosso)

De outra banda, também é necessária a apresentação de documento bancário que identifique o CPF do doador para atender o disposto no art. 7º, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 7º Deverá ser emitido recibo eleitoral de toda e qualquer arrecadação de recursos:

I - estimáveis em dinheiro para a campanha eleitoral, inclusive próprios; e

II - por meio da internet (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 4º, III, "b").

§ 1º As doações financeiras devem ser comprovadas, obrigatoriamente, por meio de documento bancário que identifique o CPF/CNPJ dos doadores, sob pena de configurar o recebimento de recursos de origem não identificada de que trata o art. 32 desta Resolução.

 

Dessarte, nos termos do art. 32, § 1º, inc. V, da Resolução TSE n. 23.607/19: “Caracterizam o recurso como de origem não identificada: (V) as doações recebidas sem a identificação do número de inscrição no CPF/CNPJ no extrato eletrônico ou em documento bancário.”

Dessa forma, o montante de R$ 800,00, depositado em dinheiro sem identificação do CPF/CNPJ do doador, deve ser considerado como recurso de origem não identificada, ficando sujeito ao recolhimento ao Tesouro Nacional, por força do art. 21, § 4º, c/c o art. 32, caput, da mesma Resolução.

Com relação à segunda irregularidade, ou seja, despesa omitida na prestação de contas mas identificada por meio da nota fiscal n. DE 31797851, no valor de R$ 150,00, emitida pelo fornecedor de CNPJ 26.027.479/0001-43 contra o CNPJ de campanha, configurando recursos de origem não identificada, já que paga com valores que não transitaram pela conta bancária (art. 32, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19), a recorrente não apresentou qualquer justificativa, restringindo-se a alegar que se tratava de valor de pequeno vulto: “No que se refere a uma nota fiscal no valor de R$150,00 que foi considerada omissão de despesa, sendo o valor ínfimo, é caso de aprovação com ressalvas”. (ID 42785233)

A matéria objeto de análise encontra-se disciplinada pela Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 32, verbis:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador;

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras recebidas de outros candidatos ou partidos políticos;

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político;

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

V - as doações recebidas sem a identificação do número de inscrição no CPF/CNPJ no extrato eletrônico ou em documento bancário;

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

VII - doações recebidas de pessoas físicas com situação cadastral na Secretaria da Receita Federal do Brasil que impossibilitem a identificação da origem real do doador; e/ou

VIII - recursos utilizados para quitação de empréstimos cuja origem não seja comprovada.

(...)

 

Contudo, tenho que a importância considerada irregular (R$ 950,00), embora seja significativa diante da receita declarada (R$ 1.260,35), representando 75,37% da movimentação, é de valor absoluto reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.06.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado, no qual o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 694,90:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.09.2017.) (grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, tenho ser possível a aprovação das contas com ressalvas, em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta o dever de recolhimento ao erário.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso para aprovar as contas com ressalvas, mantendo o dever de recolhimento do valor de R$ 950,00 ao Tesouro Nacional.