REl - 0600214-93.2020.6.21.0018 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/12/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi aprovada com ressalvas pelo juízo a quo, devido à constatação do descumprimento dos requisitos encartados nos arts. 25 e 58 da Resolução TSE n. 23.607/19, pois não foi comprovada a origem real de recursos utilizados na doação estimada em dinheiro, bem como, por inconformidades relativas às despesas com a utilização de "Outros Recursos", restando configurado o desatendimento ao disposto nos arts. 35, 38, 53 e 60, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A sentença (ID 27474933) foi prolatada sob os seguintes fundamentos:

Inicialmente, cabe destacar que a Resolução TSE 23607/2019 estabelece em seu artigo 65 as diretrizes para análise das prestações de contas do tipo simplificada nas Eleições Municipais de 2020:

Art. 65. A análise técnica da prestação de contas simplificada será realizada de forma informatizada, com o objetivo de detectar:

I - recebimento direto ou indireto de fontes vedadas;

II - recebimento de recursos de origem não identificada;

III - extrapolação de limite de gastos;

IV - omissão de receitas e gastos eleitorais;

V - não identificação de doadores originários, nas doações recebidas de outros prestadores de contas.

Dessa forma, no exame das contas de campanha utilizou-se a forma informatizada aliada à imprescindível análise humana da documentação juntada.

2.1 - Da Aplicação da Sanção

Antes de adentrar na análise jurídica do caso concreto, é necessário esclarecer o critério norteador da aplicação de sanção pelo órgão julgador.

A hierarquia das normas é essencial ao ordenamento jurídico e ajuda a solucionar eventual conflito entre elas (https://www.cnj.jus.br/cnj-servico-conheca-a-hierarquia-das-leis-brasileiras).

Assim, a lei ordinária deve servir de base para a interpretação da resolução que lhe é derivada.

Desse modo, o art. 76 da Resolução TSE nº 23.607/2019 deve ser lido à luz do art. 30, §§ 2º e 2º-, da Lei nº 9.504/1997.

Art. 30. A Justiça Eleitoral verificará a regularidade das contas de campanha, decidindo:

§ 2º Erros formais e materiais corrigidos não autorizam a rejeição das contas e a cominação de sanção a candidato ou partido.

§ 2o-A. Erros formais ou materiais irrelevantes no conjunto da prestação de contas, que não comprometam o seu resultado, não acarretarão a rejeição das contas.

Portanto, extrai-se da leitura do dispositivo acima que somente a correção do erro (relevante ou irrelevante) é capaz de afastar a cominação de sanções ao candidato ou partido.

De outro modo, a irrelevância do erro que não comprometa o resultado da prestação de contas só tem a aptidão de afastar a sua rejeição.

2.2. Recursos Estimáveis em Dinheiro Arrecadado de Pessoa Física

Constatou-se, a partir da análise dos documentos apresentados (Item 1 do Parecer Conclusivo), que o candidato recebeu doações estimadas de pessoa física não integrantes do patrimônio do doador:

 

DATA

IRREGULARIDADE

DOCUMENTO

VALOR (R$)

01/10/2020

Veículo (placa IQE6J08) não pertencia ao doador na data da doação.

ID 62871936

500,00

Devidamente intimado, o candidato informou que o doador era possuidor do automóvel na data da doação [ID 74503956].

No entanto, o art 58, I, da Resolução 23607/2019, exige, no caso de bens, que estes devem ser de propriedade do doador.

Assim, o fato apontado configura irregularidade, por descumprimento dos arts. 25 e 58 da Resolução TSE n. 23.607/2019, uma vez que não é possível comprovar a origem real de recursos utilizados na doação estimada em dinheiro.

Desta forma, considera-se o montante de R$ 500,00 como recurso de origem não identificada, o qual deverá ser recolhido ao Tesouro Nacional, a teor do art. 32 da Resolução 23.607/2019.

2.3 Doações Financeiras, Recebidas de Pessoas Físicas, Inclusive por Financiamento Coletivo, ou Recursos Próprios de Candidatos, de Valor Igual ou Superior a R$ 1.064,10

O prestador, conforme petição [ID 74503956] e demais documentos juntados, conseguiu demonstrar que os valores recebidos em desacordo com a legislação foram devolvidos em conformidade com o disposto no art. 31, §3º, da Resolução 23607/2019.

2.4 Das Despesas Pagas (Outros Recursos)

O Cartório Eleitoral, ao examinar os documentos apresentados (Item 4 do Parecer Conclusivo), identificou inconformidades relativas às despesas com a utilização de "Outros Recursos".

Instado a se manifestar, o candidato não foi capaz de afastar/sanar as irregularidades em todos os documentos apontados, ficando demonstrada apenas a regularidade das despesas realizadas com os cheques 850001 e 850009.

[...]

Assim, as irregularidades acima apontadas acarretam a não homologação dos referidos gastos, os quais não poderiam ter sido pagos com recurso da campanha, ainda que provenientes de "Outros Recursos".

Desse modo, a exclusão (glosa) dos gastos não homologados da contabilidade da campanha gera a recomposição do saldo.

Esse saldo, apurado na forma do art. 50, I, da Resolução TSE 23.607/2019, constitui-se em sobras de campanha, as quais devem ser transferidas ao órgão partidário (art. 50, § 1º, da Resolução TSE 23.607/2019).

2.5 Considerações Finais

Conforme ficou demonstrado, as contas apresentadas não tiveram suas falhas totalmente sanadas, tampouco houve recolhimento espontâneo dos valores acima citados, consoante determina a Resolução TSE 23.607/2019.

Por fim, não restam outras falhas que comprometam a identificação da origem das receitas e destinação das despesas e os gastos declarados estão dentro dos limites estabelecidos pela Resolução TSE nº 23.607/2019.

3 - DISPOSITIVO:

Isso posto, considerando o relatório final de exame, a manifestação do prestador e o parecer do Ministério Público Eleitoral:

a) aprovo com ressalvas as contas de campanha de Luis Carlos Moraes Costa, relativas às Eleições Municipais de 2020, nos termos do art. 74, II, da Resolução TSE nº 23.607/2019;

b) determino o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 500,00, conforme item 2.2 da fundamentação, no prazo de 5 (cinco dias).

c) determino a transferência para o órgão partidário da importância de R$ 3.917,00, conforme item 2.4 da fundamentação, no prazo de 5 (cinco dias).

No caso de recolhimento pelo candidato dos valores no prazo dos itens "b" e "c" acima, dispensa-se a incidência de atualização monetária e juros moratórios, nos termos do art. 31, § 6º, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

 

Dois são os pontos combatidos no presente recurso: a) quanto à comprovação de que o bem estimável (veículo) integrava o patrimônio do cedente (arts. 25, caput, e 58, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19) e b) quanto à forma de pagamento com recursos da conta “Outros Recursos” (art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19).

Quanto à primeira irregularidade, a documentação acostada não comprova que o bem estimável em dinheiro (veículo de placas IQE6L08) cedido para a campanha do recorrente integrasse o patrimônio do doador quando da realização da cessão, em 1º.10.2020 (ID 62871936).

Senão vejamos: a) o recibo firmado pelo vendedor (Rodrigo M. Espinosa e Cia. Ltda.) do veículo é datado de 09.11.2020, ou seja, data posterior à data da cessão (ID 27473583);

b) não há comprovação de que o vendedor era o proprietário do veículo pois, no CRLV juntado aos autos, consta como proprietário Jorge Romano Vogel (ID 27473533);

c) a placa do veículo constante do CRLV é IQE6J08, distinta da descrita no contrato de cessão, IQE6L08.

Dessa forma, não esclarecida a origem do bem cedido, considera-se o valor de R$ 500,00 como recurso de origem não identificada, não merecendo reforma a sentença que determinou o recolhimento de quantia equivalente ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32 da citada Resolução.

A segunda irregularidade é relativa à existência de despesas com utilização de “Outros Recursos” em inobservância aos meios de pagamento elencados nos arts. 35, 38, 53 e 60 da Resolução TSE 23.607/19, uma vez que houve pagamentos por meio de cheques nominais, porém não cruzados, conforme se pode depreender das cópias anexadas aos autos.

Em suas razões, o recorrente aduz que a emissão de cheques sem cruzamento se trata de falha meramente formal, a qual não possui o condão de comprometer a prestação de contas, pois todos os elementos comprobatórios foram oportunamente demonstrados no decorrer do processo eleitoral (recibos de prestação de serviço, emissão de cheques nominais, comprovação dos sacadores devidamente identificados e extrato da conta bancária). Alega, ainda, que o cheque n. 850019, no valor de R$ 1.207,00, foi pago de forma nominativa e cruzada, devendo ser excluído do montante apontado para devolução ao partido.

Observa-se que, além da ausência de identificação dos fornecedores, os cheques de n. 850003 (R$ 285,00); 850004 (R$ 285,00); 850006 (R$ 285,00); 850007 (R$ 285,00); 850015 (R$ 285,00); 850016 (R$ 285,00); e 850017 (R$ 1.000,00) não foram cruzados, ou seja, foram emitidos contrariando a forma prevista no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Além disso, em consulta ao site https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/86290/210000632939/extratos, acesso em 30.10.2021, não há a contraparte nos extratos bancários, ou seja, não há como ser identificado o beneficiário do recurso.

O meio de pagamento não foi o preconizado no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual impõe que “os gastos eleitorais de natureza financeira (...) só podem ser efetuados por meio de: (I) cheque nominal cruzado; (II) transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário; (III) débito em conta; ou (IV) cartão de débito da conta bancária”.

Nesse sentido, o que constou no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44817516):

[...] os meios de pagamento previstos no art. 38 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do correspondente gasto.

 

No caso em tela, sendo o pagamento realizado por meio de cheque nominal não cruzado, restou inviabilizado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha.

Outro ponto que restou prejudicado foi o rastreamento para verificação se os destinatários dos pagamentos de fato pertenciam à relação que originou o gasto de campanha, além de outros controles públicos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

A legislação eleitoral contempla os arts. 38 e 60, caput e §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 para análise conjunta das despesas. O primeiro dispositivo elenca os meios pelos quais os pagamentos devem ser efetuados, e o segundo contempla um rol de documentos complementares à comprovação dos gastos eleitorais.

O artigo 60, caput e §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 deve ser empregado tão somente para obtenção de  confirmação por meio de terceiro (com quem o candidato contratou) de que o valor foi efetivamente gasto em serviço ou produto para a campanha eleitoral. Isso se justifica por dois motivos: a) porque documentos como: recibo, contrato ou nota fiscal não possuem fé suficiente; e b) porque não há como rastrear quem efetivamente recebeu o referido valor.

Dessa maneira, a Justiça Eleitoral construiu uma análise circular das despesas, contando para isso com dados das instituições financeiras, dos prestadores de contas e dos terceiros contratados para atestar a origem e o destino dos valores.

A Procuradoria Regional Eleitoral explicita, em suas palavras, a necessidade de analisar de forma conjunta os dados extraídos:

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi ele quem efetivamente recebeu o referido valor.

 

Assim, ao não terem sido cruzados os cheques, sendo sacados na “boca do caixa”, restou inviabilizado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha.

Ressalvo que, conforme se verifica na cópia trazida ao recurso (ID 27464133), o cheque n. 850019, no valor de R$ 1.207,00, pago a Fabiano André de Medeiros, em razão de serviços prestados de assistente de campanha eleitoral, foi devidamente preenchido de forma nominal e foi cruzado. Contudo, apesar de ter sido emitido na forma cruzada, ao verificar no site https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/86290/210000632939/extratos, acesso em 30.10.2021, não há a contraparte do beneficiário do cheque, sacado na “boca do caixa”.

A matéria em exame foi amplamente debatida nesta Corte, conforme ementa que reproduzo, que bem evidencia o entendimento sufragado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(Rel 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator designado: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado na sessão de 06 de julho de 2021.)

(Grifo nosso)

 

A realização de gastos de campanha por meio de pagamentos que impeçam a rastreabilidade do recurso acarreta a não homologação dos referidos gastos, os quais não poderiam ter sido pagos com recursos da campanha, ainda que provenientes de "Outros Recursos".

Assim, diferentemente do entendimento do douto Procurador Eleitoral, tenho por manter a totalidade do valor de R$ 3.917,00 como despesas não comprovadas.

Por fim, observa-se que a sentença considerou que a quantia de R$ 3.917,00 deveria ser transferida pelo candidato ao órgão partidário, porque a falta de provas do pagamento caracterizaria os valores como gastos não homologados, constituindo-se em sobras de campanha por se tratar de recursos privados (ID 27474933):

Assim, as irregularidades acima apontadas acarretam a não homologação dos referidos gastos, os quais não poderiam ter sido pagos com recurso da campanha, ainda que provenientes de "Outros Recursos".

Desse modo, a exclusão (glosa) dos gastos não homologados da contabilidade da campanha gera a recomposição do saldo.

Esse saldo, apurado na forma do art. 50, I, da Resolução TSE 23.607/2019, constitui-se em sobras de campanha, as quais devem ser transferidas ao órgão partidário (art. 50, § 1º, da Resolução TSE 23.607/2019).

 

A Procuradoria Regional Eleitoral acompanha o raciocínio da sentença, afirmando que, por não se tratar de recursos procedentes do Fundo Partidário ou do Fundo Eleitoral de Financiamento de Campanha, não há dever de recolhimento ao Tesouro, devendo o valor pago aos fornecedores ser compreendido como sobra de campanha, ou seja, como um saldo de receita não utilizada na campanha.

Entretanto, a interpretação merece ser corrigida de ofício, não há como classificar as despesas não comprovadas como sobras de campanha, sendo equivocada a determinação de recolhimento do valor gasto ao partido pelo qual concorreu o recorrente, o PTB, por aplicação do disposto no art. 50, inc. I e § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 50. Constituem sobras de campanha:

I - a diferença positiva entre os recursos financeiros arrecadados e os gastos financeiros realizados em campanha;

II - os bens e materiais permanentes adquiridos ou recebidos durante a campanha até a data da entrega das prestações de contas de campanha;

III - os créditos contratados e não utilizados relativos a impulsionamento de conteúdos, conforme o disposto no art. 35, § 2º, desta Resolução.

§ 1º As sobras de campanhas eleitorais devem ser transferidas ao órgão partidário, na circunscrição do pleito, conforme a origem dos recursos e a filiação partidária do candidato, até a data prevista para a apresentação das contas à Justiça Eleitoral.

§ 2º O comprovante de transferência das sobras de campanha deve ser juntado à prestação de contas do responsável pelo recolhimento, sem prejuízo dos respectivos lançamentos na contabilidade do partido político.

§ 3º As sobras financeiras de recursos oriundos do Fundo Partidário devem ser transferidas para a conta bancária do partido político destinada à movimentação de recursos dessa natureza.

§ 4º As sobras financeiras de origem diversa da prevista no § 3º deste artigo devem ser depositadas na conta bancária do partido político destinada à movimentação de "Outros Recursos", prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos.

§ 5º Os valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) eventualmente não utilizados não constituem sobras de campanha e devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional integralmente por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) no momento da prestação de contas.

§ 6º Na hipótese de aquisição de bens permanentes com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), estes devem ser alienados ao final da campanha, revertendo os valores obtidos com a venda para o Tesouro Nacional, devendo o recolhimento dos valores ser realizado por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) e comprovado por ocasião da prestação de contas.

§ 7º Os bens permanentes a que se refere o parágrafo anterior devem ser alienados pelo valor de mercado, circunstância que deve ser comprovada quando solicitada pela Justiça Eleitoral.

 

O pagamento de despesas contratadas, sem a identificação do fornecedor ou prestador do serviço nos extratos bancários por falta da emissão de cheques nominais e cruzados, jamais poderia representar uma sobra de campanha, pois o valor gasto foi debitado da conta bancária do candidato e não foi estornado ou devolvido como receita de campanha.

Os pagamentos debitados e não devolvidos aos candidatos não têm a natureza de sobra, pois o art. 50, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao estabelecer que as sobras são a diferença positiva entre os recursos arrecadados e os gastos realizados, ou seja, são a receita que remanesce como crédito para o candidato, não sendo esse o caso dos autos.

Por essa razão, deve ser afastada a determinação de que o valor das despesas não comprovadas, R$ 3.917,00, seja depositado pelo recorrente na conta bancária do PTB de Dom Pedrito, pois o § 1º do art. 50 da Resolução TSE n. 23.607/19 não alcança a situação verificada neste processo.

Nesse sentido, recente julgado desta Corte, de relatoria do Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 1º.09.2021 (Rel 0600201-94.2020.6.21.0018):

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. COMPROVADA CAPACIDADE FINANCEIRA PARA APLICAR RECURSOS PRÓPRIOS NA CAMPANHA. EXERCÍCIO DA VEREANÇA. PROFISSÃO DE ADVOGADO. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. PAGAMENTO IRREGULAR DE DESPESAS. AUSÊNCIA DE CHEQUE NOMINAL E CRUZADO. FALTA DE DADOS DO BENEFICIÁRIO DO VALOR. FALHA GRAVE. EXPRESSIVIDADE DA QUANTIA IRREGULARMENTE DESPENDIDA. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE DEPÓSITO NA CONTA BANCÁRIA DO PARTIDO A TÍTULO DE SOBRA DE CAMPANHA. CARACTERIZADA COMO DÍVIDA DE CAMPANHA. RETIFICAÇÃO DA SENTENÇA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que aprovou com ressalvas as contas referentes às eleições municipais de 2020, diante da declaração de ausência de bens no requerimento de registro de candidatura e posterior aplicação de recursos próprios na campanha e da emissão de cheques pagos por caixa, não cruzados nem preenchidos de forma nominal. Determinado recolhimento de valores ao Tesouro Nacional e transferência para o órgão partidário.

2. Evidenciado, por meio de comprovantes de renda juntados aos autos, que o prestador concorreu à reeleição ao cargo de vereador, possuindo capacidade financeira para aplicar recursos próprios na campanha. Além disso, no requerimento de registro de candidatura, o candidato declarou exercer também a profissão de advogado, afigurando-se comprovada a existência de patrimônio financeiro, em atendimento ao art. 61, caput e parágrafo único, da Resolução TSE 23.607/19, restando sanada a falha e devendo ser afastada a determinação de recolhimento do valor ao erário.

3. Constatada irregularidade pela falta de cópia do cheque nominal cruzado (arts. 35, 38, 53 e 60 da Resolução TSE 23.607/19) utilizado para recebimento na "boca do caixa", sem dados do beneficiário do valor. Apesar da alegação de que os pagamentos estariam comprovados por meio de contratos firmados com fornecedores de bens e serviço, não foi possível identificar, no extrato bancário eletrônico, o atendimento à exigência do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Falha grave, pois impede que a Justiça Eleitoral efetue o rastreamento do valor para confirmar se o fornecedor de campanha é a mesma pessoa que recebeu o pagamento por meio do cheque. Expressiva quantia irregularmente despendida, equivalente a 58,63% da receita de campanha, impedindo a aprovação das contas sem qualquer ressalva.

4. Impossibilidade de classificação das despesas não comprovadas como sobras de campanha, sendo equivocada a determinação do recolhimento do valor gasto ao partido pelo qual concorreu o recorrente, por aplicação do disposto no art. 50, inc. I e § 1º, da Resolução TSE 23.607/19. Os pagamentos debitados e não devolvidos aos candidatos não têm a natureza de sobra, pois o art. 50, inc. I, da referida Resolução é expresso ao estabelecer que as sobras são a diferença positiva entre os recursos arrecadados e os gastos realizados, ou seja, são a receita que remanesce como crédito para o candidato, não sendo este o caso dos autos.

5. A ausência de informação do beneficiário do pagamento ou do retorno dos valores gastos caracteriza a despesa como dívida de campanha não quitada, cujo procedimento está disciplinado no art. 33 da Resolução TSE n. 23.607/19, segundo o qual o débito deveria ter sido assumido pelo partido. Retificada, de ofício, a determinação de transferência ao órgão partidário do valor total de pagamentos não comprovados, enquadrando esses recursos como dívida de campanha.

6. Parcial provimento.

(Grifo nosso)

 

Tendo em vista que os pagamentos com cheques não nominais e sem cruzamento foram realizados com receitas privadas, que transitaram pela conta bancária Outros Recursos, as despesas não se enquadram como recursos de origem não identificada a serem recolhidos ao erário, nem como sobras de campanha a serem devolvidas ao partido político.

A melhor conclusão é a adotada no julgado acima referido, no sentido de que a falta de comprovação desses pagamentos representa dívida de campanha não quitada, cujo procedimento está disciplinado no art. 33 da Resolução TSE n. 23.607/19, segundo o qual o débito deveria ter sido assumido pelo partido.

Art. 33. Partidos políticos e candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

§ 1º Após o prazo fixado no caput, é permitida a arrecadação de recursos exclusivamente para a quitação de despesas já contraídas e não pagas até o dia da eleição, as quais deverão estar integralmente quitadas até o prazo de entrega da prestação de contas à Justiça Eleitoral.

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º; e Código Civil, art. 299).

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

§ 4º No caso do disposto no § 3º deste artigo, o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral passa a responder solidariamente com o candidato por todas as dívidas, hipótese em que a existência do débito não pode ser considerada como causa para a rejeição das contas do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 4º).

§ 5º Os valores arrecadados para a quitação dos débitos de campanha a que se refere o § 2º deste artigo devem, cumulativamente:

I - observar os requisitos da Lei nº 9.504/1997 quanto aos limites legais de doação e às fontes lícitas de arrecadação;

II - transitar necessariamente pela conta "Doações para Campanha" do partido político, prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos, excetuada a hipótese de pagamento das dívidas com recursos do Fundo Partidário;

III - constar da prestação de contas anual do partido político até a integral quitação dos débitos, conforme o cronograma de pagamento e quitação apresentado por ocasião da assunção da dívida.

§ 6º As despesas já contraídas e não pagas até a data a que se refere o caput devem ser comprovadas por documento fiscal hábil e idôneo emitido na data da realização da despesa ou por outro meio de prova permitido.

§ 7º As dívidas de campanha contraídas diretamente pelos órgãos partidários não estão sujeitas à autorização da direção nacional prevista no § 3º e devem observar as exigências previstas nos §§ 5º e 6º deste artigo.

 

Ressalto que o art. 34 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe que a existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido poderá até mesmo acarretar a desaprovação das contas:

Art. 34. A existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido, na forma prevista no § 3º do art. 33 desta Resolução, será aferida na oportunidade do julgamento da prestação de contas do candidato e poderá ser considerada motivo para sua rejeição.

 

Com esses fundamentos, considero que o valor total de pagamentos não comprovados, à razão de R$ 3.917,00, caracteriza dívida, e não sobra de campanha, retificando a sentença neste ponto.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, ao efeito de afastar a determinação de recolhimento do valor de R$ 3.917,00 ao órgão partidário, mantendo a aprovação das contas com ressalvas e a determinação do recolhimento de R$ 500,00 ao Tesouro Nacional.