REl - 0600392-98.2020.6.21.0064 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/12/2021 às 14:00

VOTO

As contas foram desaprovadas em razão do recebimento de recursos de origem não identificada no total de R$ 2.505,26, referentes a um depósito bancário acima de R$ 1.064,10 e ao pagamento de despesas no valor de R$ 505,26, não escrituradas nas contas.

Quanto à primeira irregularidade, o extrato bancário apresenta depósito em dinheiro no valor de R$ 2.000,00, realizado em 24.09.2020, cujo depositante foi identificado com o CPF do próprio candidato, em contrariedade ao art. 21, inc. I, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece o limite de R$ 1.064,09 para depósitos bancários em espécie:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

§ 6º É vedado o uso de moedas virtuais para o recebimento de doações financeiras.

 

Embora o comprovante de depósito aponte como doador o CPF do próprio candidato, está correta a conclusão do juízo a quo no sentido de que os valores não estão com a origem devidamente identificada, conforme reiteradamente tem decidido esta Corte:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. SENADOR E SUPLENTE. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. DOAÇÃO FINANCEIRA EFETUADA ATRAVÉS DE DEPÓSITO BANCÁRIO ACIMA DO LIMITE REGULAMENTAR. OMISSÃO DE DESPESA. IRREGULARIDADES RELATIVAS AO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Doações financeiras, mediante depósitos sucessivos em dinheiro, realizadas pelos mesmos doadores, nas mesmas datas, cuja soma ultrapassa o limite legal para depósitos em espécie previsto no arts. 22, §§ 1º e 2º, e 34, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17. As contribuições financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser efetivadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário, com a obrigatória identificação do primeiro. Eventuais doações sucessivas, realizadas por um mesmo doador, em uma mesma data, devem ser somadas para fins de aferição do limite regulamentar. Posicionamento firme do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o depósito, mesmo no caso de ser identificado, é meio incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória do ato. A ausência de comprovação segura do doador caracteriza o recurso como de origem não identificada, cujo valor correspondente deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos dos arts. 22, § 3º, e 34, caput, da Resolução TSE n. 23.553/17. (Prestação de Contas 0602017-39.2018.6.21.0000 - Porto Alegre – TRE/RS. Relator: Roberto Carvalho Fraga). (Grifei.)

 

Tal exigência normativa visa assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino) recebidos pelos candidatos, o que resta comprometido quando a operação é feita por meio diverso, como ocorreu com o recorrente.

Ainda que o prestador alegue equívoco no procedimento, em face de o depósito ter sido efetuado em espécie e não por transferência eletrônica, o fato de o comprovante de depósito estar identificado com o seu CPF não afasta a irregularidade, devido ao comprometimento da confiabilidade da transparência da movimentação financeira.

Na hipótese dos autos, o recorrente alega que tentou excluir o referido depósito assim que foi informado da irregularidade, mas que a operação não foi aceita pela instituição bancaria. Entretanto, a questão poderia ter sido facilmente sanada quando da realização do depósito, pois o § 5º do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe que a doação pode ser retificada com a devolução do valor.

Desse modo, permanece o raciocínio de que o descumprimento da exigência de transferência bancária ou de cheque nominal cruzado não fica suprido pela realização de depósito em espécie identificado por determinada pessoa, circunstância que não se mostra apta para comprovar a efetiva origem do valor, devido à ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário.

Essa diretriz foi firmada pelo Tribunal Superior Eleitoral, segundo o qual o depósito em dinheiro igual ou acima de R$ 1.064,10, mesmo no caso de ser identificado por CPF, ainda que do próprio candidato, é meio incapaz de comprovar a efetiva origem da receita, devido à natureza essencialmente declaratória do ato:

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. DOAÇÃO. PESSOA FÍSICA. DEPÓSITO. ART. 18, §§ 1º E 3º, DA RES.-TSE 23.463/2015. PERCENTUAL EXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. A teor do art. 18, §§ 1º e 3º, da Res.-TSE 23.463/2015, doações de pessoas físicas para campanhas, em valor igual ou superior a R$ 1.064,10, devem ser obrigatoriamente realizadas por meio de transferência eletrônica, sob pena de restituição ao doador ou de recolhimento ao Tesouro Nacional na hipótese de impossibilidade de identificá-lo.

2. Na espécie, é incontroverso que os candidatos, a despeito da expressa vedação legal, utilizaram indevidamente recursos financeiros R$ 5.000,00, o que corresponde a 16% do total de campanha oriundos de depósito bancário, e não de transferência eletrônica, o que impediu que se identificasse de modo claro a origem desse montante.

3. A realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua efetiva origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes, com destaque para o AgR-REspe 529-02/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 19.12.2018.

4. Concluir em sentido diverso especificamente quanto à alegação de que as irregularidades não comprometeram a lisura do ajuste ou de que houve um erro formal do doador demandaria reexame do conjunto probatório, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.

5. Inaplicáveis os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois se trata de falha que comprometeu a transparência do ajuste contábil. Precedentes.

6. Descabe conhecer de matéria alusiva ao desrespeito aos princípios da isonomia e legalidade (art. 5º, caput e II, da CF/88), porquanto cuida-se de indevida inovação de tese em sede de agravo regimental.

7. Agravo regimental desprovido.

(TSE – AgR-REspe n. 251-04, Relator Min. Jorge Mussi, julgado em 19.3.2019, publicado no DJE, tomo 66, de 05.4.2019, pp. 68-69.)

 

Registro que, diferentemente de outros casos apreciados por esta Corte, não há, nestes autos, indícios que possam lastrear a origem do depósito de R$ 2.000,00 na conta bancária pessoal do candidato, visto que não foram juntados extratos bancários ou outros documentos idôneos que comprovassem a origem dos recursos.

Em relação à segunda irregularidade, referente ao recebimento de recursos de origem não identificada relativos ao pagamento de despesas de R$ 505,26 com combustíveis e lubrificantes, junto à empresa Abastecedora Ferrari e Ferrari Ltda., foram localizadas notas fiscais emitidas contra o CNPJ do candidato a partir do procedimento de circularização de despesas realizado pelo cartório eleitoral (ID 40428483).

Em suas razões, o recorrente alegou que os cupons fiscais de ns. 74365 e 75090 estão incluídos na nota fiscal n. 000.001.851, no valor de 337,68, e que o cupom fiscal n. 75938, de R$ 400,00, está incluído na nota fiscal n. 000.001.807, totalizando R$ 737,68.

Ocorre que o juízo a quo considerou como irregular apenas os valores de R$ 150,03, R$ 187,65 e R$ 167,58, totalizando R$ 505,26, dando-se por esclarecido o montante de R$ 400,00, conforme o seguinte excerto da sentença:

[...]

Contudo, ao apresentar suas contas eleitorais, o candidato declarou ter realizado gastos totais de R$ 737,68 (setecentos e trinta e sete reais e sessenta e oito centavos), junto à citada empresa, referente às notas fiscais nº 1807 (R$ 400,00) e 1851 (R$ 337,68), cujo pagamento se deu mediante transferência eletrônica (Id. 81979013 - fl. 2) e a emissão de cheque bancário nº 003 (Id. 81979014 - fl. 2), respectivamente.

Entretanto, da análise dos extratos bancários apresentados pelo candidato e enviados pela instituição financeira à Justiça Eleitoral, constata-se a inexistência débito correspondente aos valores de R$ 150,03 (cento e cinquenta reais e três centavos), R$ 187,65 (cento e oitenta e sete reais e sessenta e cinco centavos) e R$ 167,58 (cento e sessenta e sete reais e cinquenta e oito centavos), apontados pela Unidade Técnica. Ainda, constata-se que todos os recursos recebidos durante sua campanha eleitoral foram integralmente utilizados para o pagamento de outras despesas declaradas, o que permite concluir que o pagamento das despesas ora arroladas, que totalizaram R$ 505,26 (quinhentos e cinco reais e vinte e seis centavos), além de não terem sido declaradas pelo candidato na prestação de contas, foram realizados com recursos que não transitaram na conta bancária específica utilizada durante sua campanha eleitoral, configurando recurso de origem não identificada, nos termos do art. 32, VI, da Resolução TSE 23.607/2019.

A omissão destas despesas e da origem das receitas utilizadas para seu pagamento configura inconsistência grave, por violação ao disposto no art. 53, I, "c" e "g", da Resolução TSE 23.607/2019, a impor a desaprovação das contas apresentadas, na medida em que demonstra a existência de gastos e receitas eleitorais que transitaram por outro meio que não a conta bancária específica utilizada durante a campanha eleitoral, inviabilizando a adequada fiscalização pela Justiça Eleitoral.

[...]

 

Dos valores considerados irregulares, assiste razão ao recorrente no sentido de que os cupons fiscais de n. 74365 (R$ 150,03) e 75090 (R$ 187,65) estão incluídos na nota fiscal n. 000.001.851, no valor de R$ 337,68, pois esse dado consta em informações complementares da referida nota fiscal (ID 40427133).

Portanto, no mesmo sentido da manifestação da douta Procuradoria Regional Eleitoral, deve ser considerado o gasto de R$ 337,68 como regular, subtraindo-se este montante da quantia de R$ 505,26, a ser recolhida ao erário, reduzindo-se o recolhimento para R$ 167,58.

Entretanto, diferentemente do aduzido pelo recorrente, não se vislumbra a relação entre o cupom fiscal n. 75938, no valor de R$ 167,58, emitido em 12.11.2020, e a nota fiscal n. 000.001.807, na quantia de R$ 400,00, emitida em 16.10.2020.

Nesta última nota fiscal, consta em suas informações complementares que o documento é “REFERENTE NFC-e SÉRIE: 1, EMITIDA EM 16/10/2020, NÚMERO: 74358” (ID 40427233), e a nota fiscal n.74358 foi considerada regular na decisão de primeiro grau.

Desse modo, remanesce apenas a omissão de despesa na quantia de R$ 167,58, a qual se caracteriza como recurso de origem não identificada, na forma do art. 32, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez que é desconhecida a fonte do valor utilizado para pagamento dessa despesa.

O dispositivo em questão prevê que tais valores não podem ser utilizados e devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Outrossim, não se discute dolo ou a má-fé do recorrente, e sim a observância das normas sobre finanças de campanha, assim como a transparência, a confiabilidade e a lisura da prestação de contas.

Por essa razão, permanecem as irregularidades referentes ao recebimento de recursos de origem não identificada, devido ao depósito em espécie no valor de R$ 2.000,00, e à omissão do registro de despesa no valor de R$ 167,58, totalizando-se em R$ 2.167,58 o montante a ser recolhido ao erário.

As falhas representam 59,54% da movimentação financeira declarada, no total de R$ 3.640,00, percentual superior ao considerado (10%) como critério pela Justiça Eleitoral para aprovação com ressalvas, por aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente e de dispensar o uso da transferência eletrônica (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Assim, as irregularidades são graves e comprometem de forma insanável a confiabilidade da movimentação financeira, não sendo adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas com ressalvas.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso para manter a desaprovação das contas e reduzir o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional de R$ 2.505,26 para R$ 2.167,58, nos termos da fundamentação.