REl - 0600198-53.2020.6.21.0079 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/12/2021 às 10:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pelo juízo a quo, devido à constatação do descumprimento dos requisitos encartados nos arts. 30, inc. III, da Lei n. 9.504/97 e 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Acertadamente, a sentença (ID 42003483) foi no seguinte sentido:

Preambularmente, cumpre destacar que, na análise técnica das contas, bem como no processamento e julgamento deste feito, foram observadas as normas estabelecidas pela Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1995, regulamentada na Resolução do TSE nº 23.607/2019, a qual dispõe sobre os aspectos processuais, assim como as questões de mérito relativas às prestações de contas de campanha eleitoral das eleições municipais do ano de 2020, aplicando-se em caráter supletivo e subsidiário o CPC, nos termos da Resolução do TSE nº 23.478/2016.

A apresentação e o exame se deram por meio de sistema simplificado do SPCE 2020, nos termos dos art. 62 a 67 da Resolução do TSE nº 23.607/2019.

As contas foram apresentadas tempestivamente, uma vez que entregues em 09/12/2020 - ID 64069081 (art. 29, inciso III, da Lei nº 9.504/97, art. 49 da Resolução TSE nº 23.607/2019), sendo constatado no procedimento formal de análise o cumprimento dos requisitos legais.

Não houve impugnação às contas da candidata por nenhum dos legitimados, nem foi apresentada até o presente momento representação fundada no art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, embora o prazo para eventual ajuizamento tenha sido estendido até 01/03/2021, conforme disposto no art. 1º, §3º, II, da EC nº 107/2020.

As doações utilizadas na campanha eleitoral são oriundas de recursos privados, da própria candidata e de doadores pessoas físicas, e públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. A candidata utilizou integralmente os recursos arrecadados em gastos eleitorais, não havendo sobras de campanha.

Foram apontadas pela unidade técnica, no Exame de Contas ID 82278823, três possíveis irregularidades na presente prestação de contas, quais sejam o gasto com combustíveis sem a respectiva comprovação da incidência em uma das hipóteses do art. 35, § 11 e incisos da Resolução TSE 23.607/2019; divergência entre as informações declaradas na prestação de contas e aquelas identificadas nos extratos bancários; e, por fim a ausência de comprovação do pagamento dos valores declarados como despesas com militância e pagos com recursos públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) pelos meios elencados no art. 38 da Resolução TSE 23.607/2019.

Quanto ao item 1 do Exame de Contas, que trata da despesa com combustíveis sem a comprovação da incidência em uma das hipóteses do art. 35, § 11 e incisos da Resolução TSE 23.607/2019, observa-se que foram gastos R$ 790,26 (setecentos e noventa reais e vinte e seis centavos) com combustíveis, o que representa 9,28% do total das receitas (financeira e estimável) declaradas pela candidata. Deste valor, R$ 355,16 (trezentos e cinquenta e cinco reais e dezesseis centavos) foram pagos com recursos privados e R$ 435,10 (quatrocentos e trinta e cinco reais e dez centavos) foram pagos com recursos públicos do FEFC. Desse modo, o presente apontamento representa irregularidade na presente prestação de contas e deverá ser recolhido ao Tesouro Nacional o montante de R$ 435,10 (quatrocentos e trinta e cinco reais e dez centavos) referentes aos gastos irregulares de recursos públicos.

Com relação ao segundo apontamento do Parecer Conclusivo, a divergência entre as informações declaradas na prestação de contas e aquelas identificadas nos extratos bancários quanto ao pagamento de R$ 291,14 (duzentos e noventa e um reais e catorze centavos) pagos com cheque à senhora Jucélia Almeida Muller, em 12.11.2020, referente a atividades de militância e mobilização de rua e tendo como contraparte, porém, a empresa Jader Bahu CIA LTDA ME em 17.11.2020. Em sua manifestação ID 85093554, a prestadora alegou que agiu de boa-fé ao efetuar tal pagamento e que acredita que a cidadã apenas 'trocou o cheque' ou realizou compras na mencionada empresa. Conforme se pode observar na cópia do cheque usado na realização do pagamento, o cheque não foi cruzado conforme dispõe o art. 38 da Resolução TSE 23.607/2019. Contudo, ainda que tenha havido o descumprimento das normas, não há previsão de recolhimento destes recursos ao Tesouro Nacional visto que trata-se de recursos privados.

Por fim, quanto ao item 3 do Exame de Contas, que trata da ausência de comprovação do pagamento dos valores declarados como despesas com militância e pagos com recursos públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), caberia à prestadora das contas apresentar documentação que comprovasse que os gastos foram efetivamente pagos aos prestadores de serviços declarados, nas formas elencadas no art. 38 da Resolução TSE 23.607/2019, quais sejam o cheque nominal e cruzado, a transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária.

Foram realizados os seguintes pagamentos com recursos públicos do FEFC sem a devida comprovação: ao senhor Lukas Mathias de Bairro Carvalho Bianchi o valor de R$ 829,00 (oitocentos e vinte e nove reais), em 12.11.2020; à senhora Kassiane Oliveira da Silva o valor de R$ 785,00 (setecentos e oitenta e cinco reais) em 12.11.2020; à senhora Dieli Contessa Pires o valor de R$ 785,00 (setecentos e oitenta e cinco reais) em 12.11.2020; à senhora Tielen Guimarães de Moura o valor de R$ 774,00 (setecentos e setenta e quatro reais) em 12.11.2020; ao senhor Rogério Costa Ayres o valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) em 12.11.2020; ao senhor Irio Lançanova Soares o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) em 12.11.2020; e ao senhor Juraci Bairros Pires o valor de R$ 173,40 (cento e setenta e tres reais e quarenta centavos) em 13.11.2020.

Inicialmente, foram juntados aos autos, contratos assinados com os declarados prestadores de serviços. Após a emissão do Exame de Contas, a prestadora manifestou-se juntando cópia dos respectivos cheques (IDs 85093562 e 85093565), em que se observa não terem sido cruzados os cheques usados para os pagamentos em questão. Não havendo, portanto, comprovação do meio utilizado para proceder ao pagamento dos serviços tampouco havendo a identificação da contraparte nos extratos bancários apresentados, e por tratar-se de pagamentos realizados com recursos públicos, dispõe a Resolução TSE 23.607/2019 que deverão ser devolvidos os valores ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado da decisão que determine sua devolução, sob pena de remessa dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança (art. 79, § 1º, da Resolução TSE 23.607/2019).

Considerando a ausência de comprovação do pagamento dos valores declarados como despesas com militância e pagos com recursos públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), que representa 52,2% do total de receitas, e que, somados ao percentual dos gastos irregulares com combustível e a divergência entre prestação de contas e extratos bancários, representaria 64,8% de irregularidades na presente prestação de contas, cabe a desaprovação das contas da candidata Sandra Mariza Soares Busnelo.

(...)

Isso posto, com fulcro no art. 30, inciso III, da Lei nº 9.504/97 e no art. 74, inciso III, da Resolução do TSE nº 23.607/2019, julgo DESAPROVADAS as contas eleitorais da candidata a vereadora Sandra Mariza Soares Busnelo, número 11777, do Progressistas - PP do município de São Francisco de Assis/RS, referentes às eleições municipais de 2020, determinando a realização de transferência ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 4.881,50 (quatro mil oitocentos e oitenta e um reais e cinquenta centavos), no prazo de até 5 dias após o trânsito em julgado desta decisão, sob pena de encaminhamento de informações à representação estadual da Advocacia-Geral da União para fins de cobrança, em conformidade com o disposto no art. 79, §1º, da Resolução do TSE nº 23.607/2019, extinguindo assim a fase de conhecimento, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC.

Incidirão atualização monetária e juros moratórios, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, conforme art. 79, §2º, da Resolução do TSE nº 23.607/2019

Publique-se, registre-se e intimem-se.

Transitada em julgado a decisão de desaprovação das contas, proceda-se ao registro da presente decisão no sistema de informações de contas (SICO), ao registro do código de ASE 230, Motivo 3, no cadastro de Sandra Mariza Soares Busnelo junto ao Sistema ELO e, nos termos do art. 81 da Resolução do TSE nº 23.607/2019, intime-se o Ministério Público Eleitoral para os fins previstos no art. 22 da LC nº 64/1990, consoante disposto no art. 22, §4, da Lei nº 9.504/97.

Após, arquivem-se os presentes autos.

 

Três são os pontos combatidos no presente recurso: realização de gastos com combustível sem que tivessem sido comprovadas as hipóteses exigidas pelos §§ 6º e 11 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, divergência entre as informações declaradas na prestação de contas e aquelas identificadas nos extratos bancários e quanto à forma de pagamento com recursos do FEFC (art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19).

A primeira e terceira irregularidades são incontroversas, existência de gastos com recursos públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) em inobservância ao art. 38 da Resolução TSE 23.607/19, pois feito pagamento no valor de R$ 4.881,50 (quatro mil oitocentos e oitenta e um reais e cinquenta centavos) por meio de cheques nominais, porém, não cruzados, conforme se pode depreender das cópias anexadas aos autos.

Em suas razões, a recorrente aduz que a destinação dos recursos pode ser identificada pelas imagens dos cheques nominais apresentadas e que as pessoas nominadas correspondem aos prestadores de serviços, conforme contratos juntados.

Sem razão a recorrente.

Quanto à primeira irregularidade, realização de gastos com combustível sem que tivessem sido comprovadas as hipóteses exigidas pelos §§ 6º e 11 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, a recorrente não acostou o contrato de comodato de veículo, tampouco o certificado de propriedade em nome da cedente, não constando no extrato de prestação de contas a aludida doação de bem estimável.

Nesse sentido, o art. 35, § 11, inc. II, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19, ao dispor que somente são considerados gastos eleitorais com combustível se houver:

a. apresentação de documento fiscal da despesa, no qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de veículos utilizados a serviço da campanha;

b. declaração, originariamente, na prestação de contas, da locação ou cessão temporária dos veículos.

Em que pesem os argumentos da recorrente de que julgou desnecessário trazer documento comprovando a cessão do seu próprio veículo para a campanha, bem como de ser irrisório o gasto com combustível no valor de R$ 790,26, verifica-se que, do total pago a título de combustíveis, R$ 355,16 foram pagos com recursos privados e R$ 435,10 com recursos do FEFC.

O parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral aponta a manutenção da irregularidade (ID 44834704):

(...) a aquisição de combustível para abastecer veículo próprio do(a) candidato(a) não poderia ter se dado com recursos da campanha por força do art. 31, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/2019 (§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato: a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;).

 

Além do mais, esse valor não pode ser considerado apartado do contexto da prestação de contas, devendo ser somado ao saque, na boca do caixa, de recursos públicos do FEFC (R$ 435.10 + R$ 4.446,4 = R$ 4.881,50 [quatro mil oitocentos e oitenta e um reais]), persistindo a irregularidade. Assim, não merece reparos a sentença ao determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos públicos indevidamente utilizados, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Com relação à segunda irregularidade, verifica-se divergência entre as informações declaradas na prestação de contas e aquelas identificadas nos extratos bancários quanto ao pagamento de R$ 291,14, em favor de Jucélia Almeida Muller, referente a atividades de militância e mobilização de rua. Esse valor, pago por meio do cheque de n. 000006, foi sacado por terceiro, a empresa Jader Bahu CIA. LTDA. ME.

Alega a recorrente que agiu de boa-fé ao efetuar tal pagamento e que acredita que a prestadora do serviço apenas 'trocou o cheque' ou realizou compras na mencionada empresa.

Da microfilmagem do cheque, pode-se depreender que ele foi emitido sem ter sido cruzado (ID 42003233), contrariando o disposto no art. 38 da Resolução n. 23.607/19. Porém, observa-se também que houve o endosso em branco por parte da prestadora, o que justifica o depósito na conta da aludida empresa. Embora não tenha sido observada a forma de pagamento prevista no referido art. 38, como foi realizado o depósito do cheque em conta, assegurou-se a rastreabilidade do recurso.

Por fim, a terceira irregularidade diz respeito a pagamentos com verbas do FEFC, realizados mediante cheques não cruzados, os quais foram sacados na boca do caixa, aos prestadores de serviço de atividade de militância:

a.Lukas Mathias de Bairro Carvalho Bianchi (ID 42003283 – cheque nº 000007), no valor de R$ 829,00;

b. Kassiane Oliveira da Silva (ID 42003283 – cheque nº 000012), no valor de R$ 785,00;

c. Dieli Contessa Pires (ID 42003283 – cheque nº 000014), no valor de R$ 785,00;

d. Tielen Guimarães de Moura (ID 42003283 – cheque nº 000017), no valor de R$ 774,00;

e. Rogério Costa Ayres (ID 42003283– cheque nº 000008), no valor de R$ 600,00;

f. Irio Lançanova Soares (ID 42003283 – cheque nº 000011), no valor de R$ 500,00; e

g. Juraci Bairros Pires (ID 42003283 – cheque nº 000015), no valor de R$ 173,40;

 

O meio de pagamento não foi o preconizado no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual impõe que “os gastos eleitorais de natureza financeira (...) só podem ser efetuados por meio de: (I) cheque nominal cruzado; (II) transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário; (III) débito em conta; ou (IV) cartão de débito da conta bancária”.

Nesse sentido, o que constou no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44834704):

(...) os meios de pagamento previstos no art. 38 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do correspondente gasto.

 

No caso em tela, sendo o pagamento realizado por meio de cheque nominal não cruzado, restou inviabilizado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha.

Outro ponto que restou prejudicado, já que os valores, embora oriundos dos cofres públicos, não transitaram pelo sistema financeiro nacional, foi o rastreamento para verificação se os destinatários dos pagamentos de fato pertenciam à relação que originou o gasto de campanha, além de outros controles públicos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

A legislação eleitoral contempla os arts. 38 e 60, caput e §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 para análise conjunta das despesas. O primeiro artigo elenca os meios pelos quais os pagamentos devem ser efetuados, e o segundo contempla um rol de documentos complementares à comprovação dos gastos eleitorais.

O art. 60, caput, e §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 deve ser empregado tão somente para obtenção de confirmação por meio de terceiro (com quem o candidato contratou) de que o valor foi efetivamente gasto em serviço ou produto para a campanha eleitoral. Isso se justifica por dois motivos: a) porque documentos como recibo, contrato ou nota fiscal não possuem fé suficiente, e b) porque não há como rastrear quem efetivamente recebeu o referido valor.

Dessa maneira, a Justiça Eleitoral construiu uma análise circular das despesas, contando para isso com dados das instituições financeiras, dos prestadores de contas e dos terceiros contratados, para atestar a origem e destino dos valores.

A Procuradoria Regional Eleitoral explicita, em suas palavras, a necessidade de analisar de forma conjunta os dados extraídos:

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes distintas, que permite, nos termos da Resolução, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se tratam de recursos públicos, como são as verbas recebidas via FEFC.

 

Assim, ao não ter sido cruzado o cheque, permitiu-se o saque na “boca do caixa”, sem o devido depósito em conta, inviabilizou-se o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha. Pois, diferentemente da irregularidade anterior, impede-se o controle social, na medida em que é impossível identificar o beneficiário do cheque no extrato do Divulgacandcontas.

A matéria em exame foi amplamente debatida nesta Corte, conforme ementa que reproduzo, que bem evidencia o entendimento sufragado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(Rel 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator designado: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado na sessão de 06 de julho de 2021.)

(Grifo nosso)

 

Assim, acertada a sentença que desaprovou as contas, uma vez que a irregularidade, envolvendo o saque “na boca do caixa” de recursos públicos do FEFC e os gastos com combustível, totaliza o valor de R$ 4.881,50 (quatro mil oitocentos e oitenta e um reais), o qual representa 57,36% das receitas declaradas (R$ 8.510,00), ou seja, percentual superior ao limite utilizado pela Justiça Eleitoral como critério para aprovação das contas com ressalvas.

Diante do exposto, VOTO pelo DESPROVIMENTO do recurso, mantendo a sentença que desaprovou as contas de SANDRA MARIZA SOARES BUSNELO e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 4.881,50 (quatro mil oitocentos e oitenta e um reais e cinquenta centavos).