AJDesCargEle - 0600211-61.2021.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/12/2021 às 10:00

VOTO

A Vereadora de Porto Alegre/RS Fernanda da Cunha Barth postula a sua desfiliação do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro – PRTB, sem perda do mandato eletivo, alegando justa causa por ter sofrido discriminação pessoal e perseguição partidária.

A discriminação e perseguição estariam configuradas pelos seguintes fatos: a) a falta de indicação da parlamentar para ocupar cargo de direção partidária durante o período de vigência da última comissão executiva municipal, entre 15.1.2021 e 19.6.2021, caracterizando violação ao Estatuto do PRTB; b) cobrança de contribuição partidária; c) a destituição dos órgãos estadual e municipal do partido; d) o correligionário e Vice-Presidente da República, Hamilton Martins Mourão, ter manifestado apoio a candidatas de outros partidos durante a campanha de 2020.

Passo ao exame dos fatos alegados:

a) Falta de indicação da parlamentar para ocupar cargo de direção partidária durante o período de vigência da última comissão executiva municipal, entre 15.1.2021 e 19.6.2021, caracterizando violação aos arts. 52, inc. I, e 56, § 1º, do Estatuto do PRTB

Os arts. 52, inc. I, e 56, § 1º, do Estatuto do PRTB estabelecem que, na comissão executiva municipal, o líder da bancada de vereadores na Câmara Municipal deverá ocupar os cargos de presidente, vice-presidente, secretário, tesoureiro ou vogal/suplente e que o líder da bancada será o representante no órgão diretivo do partido em nível municipal, regional ou nacional.

Entretanto, conforme afirma o PRTB, a tese de que o partido teria violado o próprio estatuto não se confirma nos autos, pois o órgão partidário municipal ao qual a vereadora se refere em sua narrativa, vigente de janeiro a junho de 2021, no qual não ocupou posição de dirigente, tratava-se de uma comissão provisória.

Os dispositivos estatutários invocados são destinados às comissões executivas, ou seja, aos órgãos definitivos, não tendo sido apresentada, pela requerente, norma da legenda no sentido de que há aplicação extensiva de tais regras aos órgão provisórios.

Os diretórios são órgãos eleitos em convenção, mas a comissão provisória é um órgão formado por um número bem menor de participantes, designado pela executiva do órgão partidário de instância superior, na forma do art. 8o da Lei n. 9.096/95.

Desse modo, não se verifica ilegalidade na constituição de comissão provisória sem a indicação da parlamentar no quadro de dirigentes.

Sob a ótica da grave discriminação política pessoal, também não se evidencia, da prova juntada aos autos, grave segregação da parlamentar pelo fato de não ter feito parte da nominata da comissão provisória.

Nenhuma prova foi produzida para demonstrar ter havido insurgência quanto a essa circunstância, ou no sentido de que tal pretensão já havia sido noticiada previamente à agremiação.

Também não foi produzida prova de que, nas demais esferas municipais do partido, os vereadores eleitos integram as comissões provisórias por aplicação das disposições estatutárias afetas aos órgãos definitivos, não havendo o menor indício de que o fato narrado caracterize uma discriminação, de per si, contra a parlamentar.

Quanto à alegação de que a Justiça Eleitoral deve analisar o destino dado pelo partido aos recursos procedentes de contribuições partidárias, ressalto que tal procedimento ocorre em sede de processo de prestação de contas.

Com essas considerações, concluo que o fato narrado não se enquadra como grave discriminação política ou pessoal.

b) Cobrança de contribuição partidária

A parlamentar alega que, por acordo firmado com o então presidente do PRTB, Levy Fidelix, falecido em 22.4.2021, estaria isenta do pagamento da contribuição partidária e que a cobrança, formalizada pela legenda em 19.4.2021, por meio de conversas realizadas pelo aplicativo WhatsApp, registradas em ata notarial (ID 44805541 e ID 44805542), caracterizaria discriminação.

Entretanto, a legenda nega a existência da isenção em questão, e nenhuma prova foi produzida pela requerente para comprovar a alegação de que não estaria obrigada ao pagamento, na qualidade de filiada e detentora de mandato eletivo.

Nas conversas registradas na ata notarial, a funcionária do PRTB que solicita os pagamentos deixa claro que a cobrança é regra afeta a todos os filiados, com previsão no art. 74 do Estatuto, sem exceções.

Tratando-se de norma isonômica, aplicável a todos aqueles que se filiam ao partido, é inviável também o reconhecimento de grave discriminação política pessoal com base em tal fato.

Ressalto que, de acordo com o STJ, é da Justiça Comum estadual a competência para processar e julgar ação que tenha por objeto a contribuição prevista no estatuto (STJ – 2ª Seção – Conflito de Competência n. 31.068 – Rel. Min. Asfor Rocha – j. 12.09.2001).

Portanto, o pedido também é improcedente neste ponto.

c) Destituição dos órgãos estadual e municipal do partido

Embora seja compreensível a alegação de que a vereadora se sente abandonada pela falta de órgãos diretivos no estado e na capital gaúcha, o fato não revela grave discriminação política pessoal para fundamentar a desfiliação sem perda do cargo eletivo.

Cada partido possui o seu estatuto, que disciplina principalmente as normas internas relativas ao funcionamento, não sendo cabível a imposição de criação ou extinção de órgãos diretivos.

A Emenda Constitucional n. 97, de 2017, deu nova redação ao § 1º do art. 17 da CR/88, garantindo aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios.

Idêntica disciplina encontra previsão no art. 3o da Lei dos Partidos Políticos e, fora do período eleitoral, o STJ já definiu ser da competência da Justiça Comum Estadual o julgamento de ação ordinária visando à discussão sobre ato de criação de órgão partidário, ou ato deliberativo de natureza interna corporis de partido político (STJ – 1ª Seção – Conflito de Competência n. 19.689 – Rel. Min. Ari Pargendler – j. 06.10.1997; STJ – 1ª Seção – Conflito de Competência n. 96.265 – Rel. Min. Teori Zavascki – j. 13.08.2008).

Nesse sentido, leciona Rodrigo Lopes Zílio (Direito eleitoral. 5. ed. rev. e atual. Verbo Jurídico. Porto Alegre, 2016, p. 291):

Considerada a natureza de pessoa jurídica de direito privado, que possui autonomia constitucional, eventual conflito na esfera partidária não deve ser solvido pela Justiça Eleitoral. Com efeito, as questões partidárias, em regra, são de competência da Justiça Comum, em face da autonomia assegurada aos partidos para definir suas questões internas e também por#que se trata de pessoa jurídica de direito privado. Assim, o TSE já decidiu que não cabe à esfera especializada dirimir controvérsia sobre dissolução de diretório partidário, porque se trata de matéria interna corporis (Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 3.901 – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – j. 27.02.2003) e não compete à Justiça Eleitoral o julgamento de ação anulatória de ato de intervenção entre órgãos do mesmo partido (Recurso Especial Eleitoral nº 16.413 – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – j. 16.08.2001).

 

Desse modo, não obstante o inconformismo da requerente, a circunstância relatada não caracteriza discriminação política e pessoal com a relevância necessária para a desfiliação sem perda do cargo, pois não se mostra significativa da existência de perseguição ou inviabilização política contra a parlamentar.

A alegação de grave discriminação pessoal foi alicerçada apenas em fatos que demonstram insurgência contra a organização interna do partido, e não na real ocorrência de alijamento partidário contra a vereadora.

d) Correligionário e Vice-Presidente da República, Hamilton Martins Mourão, manifestou apoio a candidatas de outros partidos durante a campanha de 2020

Por fim, o último fato invocado como grave discriminação política pessoal, aduzido somente na fase de alegações finais, pois não constou da inicial, refere-se ao Vice-Presidente da República, Hamilton Martins Mourão, filiado ao PRTB, ter manifestado apoio a candidatas de outros partidos durante a campanha de 2020.

Contudo, a manifestação de apoio de um filiado ao partido para com a campanha de candidato não parece representar nada além de questão de mera falta de afinidade entre correligionários.

Com essas considerações, diante do caso concreto, não verifico, do exame dos autos, discriminação pessoal e política grave sujeita à desfiliação com manutenção do cargo eletivo.

Não foi demonstrada uma conduta afeta à discriminação, à diferenciação da vereadora, a um tratamento desigual ou injusto que inviabilize sua atuação.

Segundo o TSE, a discriminação pessoal que caracteriza justa causa para desfiliação partidária exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de afastar o mandatário do convívio da agremiação ou revelem situações claras de desprestígio ou perseguição (TSE, AC n. 18578, antes referido).

Para fins de justa causa, a grave discriminação pessoal não deve ser confundida com o afeto ou simpatia natural que determinado filiado possa deixar de ter perante os correligionários e a direção partidária. A previsão normativa dispõe sobre a discriminação grave. Deve ela ser gratuita, injustificada, movida por sentimentos vis e menores que não aproveitariam ao próprio partido, mas a outros interesses, muitas vezes de difícil demonstração.

Portanto, sobre a grave discriminação pessoal, elemento que busca identificar reflexos de segregação do mandatário eleito no âmbito intrapartidário, com ações que prejudiquem a militância e tornem inviável a convivência dentro do partido, tenho que a prova existente é por demais precária.

Uma vez não comprovadas as hipóteses que autorizam a desfiliação sem perda do mandato, o juízo de improcedência do pedido é medida impositiva, pois não parece razoável considerar que os fatos invocados caracterizam discriminação de qualquer ordem.

Saliento que não verifico, na atuação de ambas as partes, conduta caracterizadora de má-fé, deslealdade ou litigância temerária, merecendo ser rejeitada a alegação, e esclarecido que eventual questionamento sobre a falta de ética de advogado deve ser invocado na seara própria.

Nesse prisma, e considerados esses aspectos, entendo não demonstrada a grave discriminação política pessoal contra a Vereadora Fernanda da Cunha Barth.

Anoto, à derradeira, que a cada ano eleitoral ocorre a chamada “janela partidária”, um prazo de 30 dias para que parlamentares possam mudar de partido sem perder o mandato, conforme o art. 22-A, parágrafo único, inc. III, da Lei n. 9.096/95.

 

Ante o exposto, VOTO pela improcedência do pedido.