REl - 0600226-23.2020.6.21.0046 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/12/2021 às 10:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Do Mérito

Na origem, as contas de campanha do recorrente foram desaprovadas em razão das seguintes irregularidades: a) divergências entre as informações relativas às despesas, constantes da prestação de contas, e aquelas lançadas da base de dados da Justiça Eleitoral, em razão da omissão de despesas com combustível, no valor R$ R$ 420,24; e b) não apresentação de nota fiscal para comprovar os gastos eleitorais, ainda que se tratasse de recursos estimáveis, efetuados com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no valor de R$ 90,91 (noventa reais e noventa centavos).

Passo à análise dos apontamentos e dos respectivos argumentos deduzidos no recurso.

a) Omissão de Gastos Eleitorais com Combustíveis.

Em suas razões, a parte recorrente argumenta que a nota apresentada, referente a gasolina, no valor de R$ 420,24, é correspondente ao abastecimento do veículo pertence ao seu filho, Bruno Arboit Barbosa, e se destinou ao uso próprio em campanha.

Sustenta, ainda, que seria desnecessária a apresentação da nota, conforme previsto no art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19, pois dispensado de contabilização o gasto pessoal de campanha com combustíveis.

Adianto que as circunstâncias dos autos não permitem a superação da irregularidade.

Com efeito, a legislação eleitoral preconiza que a emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, conforme preceituam os arts. 59 e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 59. O cancelamento de documentos fiscais deve observar o disposto na legislação tributária, sob pena de ser considerado irregular.

[...].

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

 

Da leitura dos dispositivos depreende-se que, se há a nota fiscal, presume-se que houve o gasto correspondente. Nesse sentido, impõe-se ao candidato o dever de comprovar que o gasto eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma regular.

Se o gasto não ocorreu ou se o candidato não reconhece a despesa, a nota fiscal deve ser cancelada, consoante estipula o art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, e, em sequência, adotados os procedimentos previstos no art. 92, §§ 5º e 6º, da mesma Resolução, in verbis:

Art. 92. (...)

§ 5º O eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, apresentado por ocasião do cumprimento de diligências determinadas nos autos de prestação de contas, será objeto de notificação específica à Fazenda informante, no julgamento das contas, para apuração de suposta infração fiscal, bem como de encaminhamento ao Ministério Público.

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

 

Entretanto, ao realizar consulta no Portal da Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul, constatou-se que as notas fiscais omitidas (n. 200261, n. 200638, n. 201035, n. 202242, n. 203157, n. 207249, n. 207832) foram lançadas em nome do candidato e ao CNPJ de sua campanha, não havendo registro de cancelamento ou substituição, evidenciando inexistir erro no seu conteúdo.

Assim, está caracterizada a omissão de registro de despesas, em infringência ao disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante o qual a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, com especificação completa:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

I - pelas seguintes informações:

(...)

g) receitas e despesas, especificadas;

(...)

i) gastos individuais realizados pelo candidato e pelo partido político;

 

Nesse trilhar, a Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil, na linha do seguinte julgado:

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2014. DIRETÓRIO NACIONAL. PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL). COMITÊ FINANCEIRO NACIONAL PARA PRESIDENTE DA REPÚBLICA. DESAPROVAÇÃO.

(...).

13. A omissão de despesas nas contas prestadas por meio do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais - SPCE viola o disposto nos arts. 40, I, g, e 41 da Res.-TSE nº 23.406/2014 e constitui irregularidade que macula a sua confiabilidade.

(...).

(Prestação de Contas n. 97006, Acórdão, Relator MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 167, Data 29.8.2019, pp. 39/40.) Grifei.

 

Finalmente, o recorrente argumenta que os abastecimentos foram realizados para uso pessoal de veículo cedido por seu filho e que legislação eleitoral dispensa o registro de despesas com combustível do veículo utilizado pelo próprio candidato, nos termos do art. 35, § 6º, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19, de forma que sequer caberia a contabilização das referidas notas fiscais.

Em verdade, o dispositivo referido pelo recorrente é expresso no sentido de que o pagamento de combustível em veículo de uso do próprio candidato não pode ser originário de receitas de campanha, quer públicas, quer privadas:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(…).

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

 

Nessa senda, para o afastamento da irregularidade, seria necessário o cancelamento da nota fiscal expedida contra o CNPJ de campanha, consoante previsão do art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, ao efeito de descaracterizar a aquisição de combustíveis como gasto eleitoral.

Entretanto, consoante antes analisado, a simples declaração unilateral do prestador não constitui meio de comprovação idôneo para desconstituir o conteúdo das notas fiscais emitidas, conferindo à despesa natureza de cunho pessoal.

Nessa linha, colho julgado deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. MAJORITÁRIA. DESAPROVAÇÃO. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. OMISSÃO DE DESPESAS COM COMBUSTÍVEL. ACERVO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A ORIGEM DO MONTANTE IRREGULAR. NECESSIDADE DE CANCELAMENTO DE NOTAS FISCAIS. VALOR ABSOLUTO INEXPRESSIVO. POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidato ao pleito majoritário, em virtude da utilização de recursos de origem não identificada e omissão do registro de despesas, determinando o recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional.

2. Desnecessário pedido para que o recurso seja recebido no efeito suspensivo, visto que a determinação de recolhimento de valores ao erário fixada na sentença somente pode ser executada após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas, na forma do art. 32, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Inaplicabilidade das disposições contidas na Resolução TSE n. 23.604/14, pois o feito versa sobre escrutínio realizado em 2020, balizado pela Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Omissão de despesas. Emissão de notas fiscais sem que fosse possível verificar a identidade do doador originário dos recursos. Alegado gasto pessoal com combustíveis, no qual, por equívoco, a empresa fornecedora teria lançado nota fiscal com o CNPJ da candidatura quando deveria ter registrado o CPF do recorrente. Entretanto, a documentação anexada não supre a irregularidade, pois não basta a simples declaração do emissor alegando equívoco na elaboração do documento fiscal, sendo necessário o cancelamento da nota. Determinação prevista no art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. A irregularidade considerada como recurso de origem não identificada representa 2,93% do total de receitas movimentadas, além de constituir valor absoluto reduzido, inclusive inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10, considerado módico pela disciplina normativa das contas, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19). Circunstância na qual a jurisprudência do TRE-RS admite a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovação das contas com ressalvas, ainda que mantida a necessidade de recolhimento da quantia impugnada ao Tesouro Nacional.

5. Provimento parcial.

(REl 0600474-12.2020.6.21.0103, Relator: DES. ELEITORAL GERSON FISCHMANN, julgado em 01.07.2021.) (Grifei.)

 

Por conseguinte, as despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo-se o recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional, tal como determinado na decisão recorrida.

b) Comprovação de Gastos Eleitorais Quitados com Recursos do FEFC

Quanto à segunda irregularidade, segundo o parecer conclusivo, “não foram apresentados documentos fiscais que comprovem a regularidade dos gastos eleitorais realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), ainda que se tratasse de recursos estimáveis no valor de R$ 90,91 (noventa reais e noventa e um centavos)”.

Cabe destacar, na esteira do parecer ministerial, que a sentença recorrida apresenta um erro material, pois o valor de R$ 90,91, sob glosa, não envolve recurso de origem não identificada, e sim comprovação de doação recebida a partir de recursos originários do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

A fim de evitar tautologia, adoto excerto do parecer do ilustre Procurador Regional Eleitoral, Dr. Fábio Nesi Venzon, que bem examinou a questão:

Antes de tudo, convém fazer um esclarecimento acerca de erro material ocorrido na sentença. Compulsando o item 5 do relatório preliminar de contas (ID 29009733), nota-se que a irregularidade atinente ao valor de R$ 90,91 não se trata de recurso de origem não identificada, e sim de recurso do FEFC cuja aplicação em campanha não foi comprovada, bem como também não comprovada a devolução do valor não aplicado ao Tesouro Nacional na forma exigida pelo § 5º do art. 50 da Resolução TSE nº 23.607/2019. Portanto, em que pese por fundamento diverso, deve ser mantido o apontamento da unidade técnica, a qual, no parecer conclusivo, enfatizou inexistir comprovante dos gastos eleitorais realizados com recursos do FEFC no referido montante. Outrossim, tal consideração não altera a conclusão pela devolução dos recursos ao Tesouro Nacional, porém na forma determinada pelo § 5º do art. 50 da multicitada resolução.

 

No caso vertente, o recorrente não logrou êxito em apresentar documentos que comprovem a regularidade da doação estimável recebida do candidato Djalmo Gomes Ribeiro, com utilização de recursos do FEFC, devendo ser mantida a sentença no ponto que reconheceu a irregularidade e comandou o recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional.

Conclusão

Por fim, verifica-se que o somatório das irregularidades alcança a cifra de R$ 511,15, que representa 37,30 % das receitas declaradas pelo candidato (R$ 1.370,41).

Em tais circunstâncias, o Tribunal Superior Eleitoral tem aprovado com ressalvas as contas de campanha, sempre que o montante das irregularidades represente valor absoluto diminuto, ainda que o percentual com relação ao total da arrecadação seja elevado, adotando como referência o valor máximo de R$ 1.064,10 (TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 63967, Acórdão, Relator: MIN. EDSON FACHIN, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Data 06.8.2019).

Registro, ainda, que, conforme diretriz jurisprudencial estabelecida nesta Corte para o pleito de 2020, a análise da gravidade da falha está diretamente relacionada ao valor envolvido e ao percentual de impacto sobre a arrecadação, “não importando se os recursos se caracterizam como de origem não identificada, de fonte vedada ou são de natureza pública” (REl 0600329-27.2020.6.21.0047, Redator do acórdão: DES. ELEITORAL GERSON FISCHMANN, sessão de 10.08.2021).

Dessa forma, considerando-se reduzido valor absoluto da irregularidade, as contas devem ser aprovadas com ressalvas, nos termos do inc. II do art. 74 da Resolução TSE n. 23.607/19, em face da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, para aprovar  com ressalvas as contas de Claiton Barbosa, relativas ao pleito de 2020, mantendo a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 511,15, nos termos da fundamentação.