REl - 0600469-11.2020.6.21.0096 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/12/2021 às 10:00

VOTO

Da Admissibilidade 

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

 

Da Preliminar de Reabertura do Prazo para Diligências

O recorrente alega equívoco do Juízo a quo por não deferir a reabertura de prazo para diligências, pois o único procurador habilitado no processo havia contraído o novo coronavírus (Covid-19), o que lhe teria impossibilitado de apresentar, tempestivamente, esclarecimentos sobre as irregularidades apontadas pelo órgão técnico.

Na sentença (ID 29566033), a magistrada consignou que o prestador juntou petição intempestiva solicitando prorrogação do prazo para diligência, no entanto, em nenhum momento apresentou as justificativas no intuito de sanar as irregularidades, nos seguintes termos:

Passados dias após o término do prazo, foi juntada petição intempestiva solicitando a sua prorrogação, não tendo sido apresentadas, em nenhum momento, mesmo com a existência do prazo já dilatado até o termo final da análise das contas, as justificativas necessárias (ID 78572127).

 

Compulsando os autos, verifica-se que o prazo para manifestação sobre o Relatório de Exame de Contas transcorreu em 10.02.2021 (ID 29565783). Contudo, a petição pugnando pela prorrogação do prazo somente foi apresentada em 12.02.2021 (ID 29565633).

A doença do advogado poderá constituir justa causa para reabertura ou prorrogação de prazo processual, conforme disposto no art. 223 do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 223. Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa.

§ 1º Considera-se justa causa o evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário.

§ 2º Verificada a justa causa, o juiz permitirá à parte a prática do ato no prazo que lhe assinar. (grifei)

 

Todavia, no caso dos autos, os documentos juntados não demonstraram que a enfermidade impediu o procurador de substabelecer o mandato ou de exercer a profissão durante o curso do prazo assinalado.

Ainda, conforme registros no Sistema do PJE constantes nos autos, o Vice-Prefeito, Julio Ledur, abrangido pelos efeitos do julgamento das presentes contas (art. 77, caput, da Resolução TSE n 23.607/19), foi pessoalmente intimado, no dia 07.02.2021, para cumprimento das diligências no processo de prestação de contas (atos de intimação ns. 5412170 e n. 5412171), nada manifestando.

Por essas razões, entendo que não houve nulidade que justifique a reabertura da instrução processual em primeira instância, razão pela qual rejeito a prefacial.

 

Da Preliminar de Juntada de Documentos em Grau Recursal

Ainda em sede preliminar, cumpre registrar a viabilidade do documento apresentado com o recurso.

Sobre o tema, este Tribunal Regional, sempre em juízo de exceção, tem se pautado pela potencialização do direito de defesa no âmbito dos processos de prestação de contas, especialmente quando se trata de documento simples, que dispense a necessidade de nova análise técnica ou de diligências complementares, não acarretando prejuízo à tramitação processual.

O posicionamento encontra previsão no art. 266 do Código Eleitoral e está amparado pela reiterada jurisprudência deste Tribunal, conforme ilustra a ementa da seguinte decisão:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINARES. EFEITO SUSPENSIVO. NÃO CONHECIDO. DOCUMENTOS NOVOS EM GRAU RECURSAL. POSSIBILIDADE. MÉRITO. DOAÇÃO. OMISSÃO DE RECEITAS E GASTOS ELEITORAIS. COMPROVAÇÃO. PROVIMENTO. APROVAÇÃO DAS CONTAS.

1. Preliminares. 1.1. Enquanto houver recurso pendente de análise jurisdicional, a sentença não gera qualquer restrição à esfera jurídica da parte, de modo que, conferido de forma automática e ex lege, não se vislumbra interesse no pleito de atribuição judicial de efeito suspensivo ao recurso. Não conhecimento. 1.2. Admitida a apresentação extemporânea de documentação, em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral. Cabimento de novos documentos, não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura puder sanar irregularidades e não houver necessidade de nova análise técnica. (grifei)

2. Mérito. No caso dos autos, as falhas foram corrigidas pela documentação acostada, com a comprovação das doações, de forma a coincidir com a arrecadação dos valores oriundos das Direções Municipal e Estadual da agremiação, bem como pela compatibilidade das declarações de doador e candidata. Irregularidades sanadas. Confiabilidade e transparência das contas de campanha da candidata que não restaram comprometidas. Aprovação.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n 37503, ACÓRDÃO de 07.03.2018, Relator: DES. ELEITORAL JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 39, Data 09/03/2018, Página 2.) Grifei.

 

Logo, prestigiando o amplo exercício do direito de defesa pelo recorrente, conheço dos documentos juntados no ID 29566233.

Prossigo, passando ao exame do mérito.

 

Do Mérito

A sentença que desaprovou as contas de campanha reconheceu as seguintes irregularidades: a) recebimento de doação estimável sem comprovação de que o produto faz parte da atividade econômica do doador; b) doações recebidas pelo partido político sem o registro na prestação de contas do doador; c) divergências entre os registros de despesas na prestação de contas e aqueles informados para a Justiça Eleitoral, obtidas mediante circularização; d) utilização de recursos do FEFC para o pagamento de encargos e taxas bancárias; d) atraso na abertura da conta destinada ao recebimento de “Doações de Campanha”; e e) arrecadação de recursos antes da abertura da conta de campanha.

Passo a analisar, individualmente, as falhas apontadas pela análise técnica.

 

a) Recebimento de doação estimável sem comprovação que o produto faz parte da atividade econômica do doador.

Inicialmente, a sentença de primeiro grau, com base em parecer técnico conclusivo (ID 29565833), identificou o recebimento de doação estimável em dinheiro, sem comprovação que o produto faz parte da atividade econômica dos doadores Fabio Evandro Reichert (R$ 1.500,00) e Renato Sidinei Gottardo (R$ 800,00).

O recorrente, em suas razões, argumenta que a composição e produção de jingles, foi recebida como doação estimável, sendo oriunda da atividade profissional dos doadores.

Para corroborar sua alegação, juntou aos autos os recibos de doação e comprovantes de que os doadores estão registrados no Conselho Regional da Ordem dos Músicos do Brasil (carteira de músico de Fábio e recibo de anuidade de Renato, respectivamente, nos IDs 29566333 e n. 29566383).

Em relação as doações estimáveis em dinheiro em forma de serviços, dispõe o art. 25 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 25. Os bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens, devem integrar seu patrimônio.

 

Nesse contexto, verifica-se, pelos documentos apresentados, que houve comprovação que Fabio Evandro Reichert e Renato Sidinei Gottardo atuam como músicos, sendo a produção e composição de jingles produtos de suas atividades econômicas, em conformidade com o previsto no art. 25 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Assim, afasto irregularidade em análise.

 

b) Doações recebidas pelo partido político sem o registro na prestação de contas do doador.

A segunda irregularidade apontada pela analista técnica (ID 29565833), refere-se à omissão de receitas eleitorais, em virtude do recebimento de doação, oriunda do Diretório Estadual do MDB, sem o registro na prestação de contas do doador.

Conforme indicado no parecer conclusivo, a partir dos documentos juntados aos autos e das informações divulgadas no site Sistema de Divulgação de Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/86010/210000752116/extratos), o candidato recebeu da Direção Estadual do MDB a doação de recursos do FEFC, no valor de R$ 4.166,45, realizada por transferência eletrônica, a qual não constou nos registros contábeis da agremiação.

O prestador, em sua defesa, afirma que o Diretório Estadual do MDB repassou doação para a sua conta do FEFC, realizada através da operação TED, colacionando extrato da conta bancária e comprovante de transferência de crédito na conta do candidato e de débito da conta do “MDB-RS-FEFC” (ID 29566433).

In casu, apesar da inconsistência quanto à falta de registro da doação nas contas do partido político doador, o prestador registrou corretamente a doação em sua prestação de contas (ID 29564033), bem como juntou aos autos documentos que comprovam a regularidade da transferência realizada pelo partido (extrato da conta bancária e documento bancário de transferência de crédito na conta do candidato e de débito da conta do diretório estadual).

Dessa forma, considero sanada a presente irregularidade.

 

c) Divergências entre os registros de despesas na prestação de contas e aqueles informados para a Justiça Eleitoral, obtidas mediante circularização.

O parecer técnico (ID 29565833) identificou possível omissão de gastos eleitorais em razão da divergência entre o registro de despesas na prestação de contas e o confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, obtidas mediante circularização, emitidas pelo fornecedor A L Strieder e Cia Ltda. (CNPJ 08.734.460/0001-55), conforme o seguinte quadro:

Em sua defesa, o recorrente alega desconhecer totalmente a nota fiscal n. 78289 e afirma que não realizou o pagamento desta despesa com recursos de campanha. Ainda, sustenta que a emissão da nota fiscal pode ter ocorrido para prejudicar os candidatos ou por erro do fornecedor.

Os argumentos, entretanto, não conduzem ao saneamento da irregularidade.

Com efeito, a legislação eleitoral preconiza que a emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, conforme preceituam os arts. 59 e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 59. O cancelamento de documentos fiscais deve observar o disposto na legislação tributária, sob pena de ser considerado irregular.

[...].

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

 

Da leitura dos dispositivos depreende-se que, se há a nota fiscal, presume-se que houve o gasto correspondente. Nesse sentido, impõe-se ao candidato o dever de comprovar que o gasto eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma regular.

Se o gasto não ocorreu ou se o candidato não reconhece a despesa, a nota fiscal deve ser cancelada, consoante estipula o art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, e, em sequência, adotados os procedimentos previstos no art. 92, §§ 5º e 6º, da mesma Resolução:

Art. 92. (...)

§ 5º O eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, apresentado por ocasião do cumprimento de diligências determinadas nos autos de prestação de contas, será objeto de notificação específica à Fazenda informante, no julgamento das contas, para apuração de suposta infração fiscal, bem como de encaminhamento ao Ministério Público.

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

 

No caso em apreço, contudo, o candidato apenas atribuiu a emissão da nota à conduta equivocada ou dolosa de terceiros, sem apresentar mínimo meio de prova a corroborar sua alegação, a qual, por óbvio, não substitui a referida providência junto ao órgão fazendário.

Ademais, cabe ao candidato, e não à empresa, prestar contas perante à Justiça Eleitoral e ser responsabilizado por eventual incorreta emissão de nota fiscal para a sua campanha, pois o art. 45, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao determinar a responsabilidade dos candidatos, em solidariedade com seus administradores financeiros, pela veracidade das informações financeiras e contábeis de sua campanha.

Na hipótese concreta, é certo que não houve o esclarecimento sobre a emissão do documento fiscal em favor do CNPJ de campanha, não foi realizado o cancelamento da nota fiscal nem se comprovou a impossibilidade de sua efetivação.

Na linha externada pela sentença recorrida, a omissão de registro de despesas contraria o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante o qual a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, com especificação completa:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

I - pelas seguintes informações:

(...).

g) receitas e despesas, especificadas;

(...)

i) gastos individuais realizados pelo candidato e pelo partido político;

 

Nesse trilhar, a Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil, uma vez que a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, com especificação completa, na linha do seguinte julgado:

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2014. DIRETÓRIO NACIONAL. PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL). COMITÊ FINANCEIRO NACIONAL PARA PRESIDENTE DA REPÚBLICA. DESAPROVAÇÃO.

(...).

13. A omissão de despesas nas contas prestadas por meio do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais - SPCE viola o disposto nos arts. 40, I, g, e 41 da Res.-TSE nº 23.406/2014 e constitui irregularidade que macula a sua confiabilidade.

(...).

(Prestação de Contas n. 97006, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 167, Data 29.8.2019, pp. 39/40.) Grifei.

 

Por conseguinte, não merece reforma a sentença quanto ao ponto.

 

c) Utilização de recursos do FEFC para o pagamento de encargos e taxas bancárias.

A decisão recorrida assevera que o recorrente pagou com recursos do FEFC despesas legalmente vedadas, contrariando o que o dispõe o art. 37 da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme apontamentos do órgão técnico (ID 29565833), que identificou a quitação de encargos financeiros e taxas bancárias, totalizando R$ 73,10, nos dias 04 e 12 de novembro de 2020.

O prestador, em suas razões, explica que não ocorreu o pagamento de multas ou juros com recursos do FEFC, alega que os débitos registrados na conta são referentes ao pagamento de despesas compulsórias instituídas por serviços bancários e debitadas diretamente na conta, conforme extrato colacionado nos autos (ID 29566483).

Adianto que, nesse ponto, assiste razão ao recorrente.

Em relação à matéria, dispõe o art. 37 da Resolução TSE n. 23.607/19, litteris:

Art. 37. Os recursos provenientes do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas não poderão ser utilizados para pagamento de encargos decorrentes de inadimplência de pagamentos, tais como multa de mora, atualização monetária ou juros, ou para pagamento de multas relativas a atos infracionais, ilícitos penais, administrativos ou eleitorais.

Parágrafo único. As multas aplicadas por propaganda antecipada deverão ser arcadas pelos responsáveis e não serão computadas como despesas de campanha, ainda que aplicadas a quem venha a se tornar candidato. (grifei)

 

No presente caso, da análise dos extratos bancários, constata-se que os valores cobrados consistem, de fato, em tarifas bancárias para a emissão de talão de cheques e fornecimento de extratos bancários, sendo que as referidas despesas não decorrem da inadimplência de pagamentos ou de multas contratuais.

Por conseguinte, não há vedação para a quitação de despesas referentes às taxas e custas bancárias ordinárias por meio de débito de valores na conta específica para recursos do FEFC, conforme disposto no art. 12, inc. I e §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 12. Os bancos são obrigados a (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 1º):

I - acatar, em até 3 (três) dias, o pedido de abertura de conta de qualquer candidato escolhido em convenção, sendo-lhes vedado condicionar a conta ao depósito mínimo e à cobrança de taxas ou de outras despesas de manutenção;

§ 1º A obrigação prevista no inciso I abrange a abertura de contas específicas para a movimentação de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) de que trata o art. 9º, bem como as contas dos partidos políticos denominadas "Doações para Campanha".

§ 2º A vedação quanto à cobrança de taxas e/ou outras despesas de manutenção não alcança as demais taxas e despesas normalmente cobradas por serviços bancários avulsos, na forma autorizada e disciplinada pelo Banco Central do Brasil. (grifei)

 

No mesmo sentido, colaciono julgado deste Tribunal Regional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2020. CANDIDATO. VEREADOR. PRELIMINAR. AFASTADA. NULIDADE PROCESSUAL. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. RAZÕES DO RECURSO ACOLHIDAS. INCONSISTÊNCIA REFERENTE À SITUAÇÃO FISCAL DE FORNECEDORES. FALHA QUE NÃO PODE SER IMPUTADA AO PRESTADOR. TARIFAÇÃO DE SERVIÇOS BANCÁRIOS. NÃO VEDADA. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. ABERTURA DE CONTA ESPECÍFICA DA CAMPANHA. PRAZO OBSERVADO. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO DO RECURSO.

1. Insurgência contra a sentença que julgou desaprovadas as contas relativas às eleições de 2020, com base no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Preliminar. Incidência do princípio da instrumentalidade das formas. Desnecessária a declaração de nulidade processual por cerceamento de defesa arguida, diante do acolhimento das razões expendidas no recurso. Inteligência dos arts. 282, §§ 1º e 2º, e 283 do CPC.

3. A inidoneidade fiscal e a incapacidade operacional do fornecedor perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil e a Junta Comercial do Estado não pode repercutir negativamente sobre o exame das contas, na esteira de precedentes deste Regional. Logo, a falha, na espécie, não pode ser imputada ao prestador, devendo ser afastada como causa ensejadora de desaprovação ou de ressalva no julgamento da escrituração contábil.

4. Embora a abertura da conta bancária específica da campanha e daquelas eventualmente voltadas à administração das receitas repassadas do Fundo Partidário e do FEFC não pudesse ser condicionada à realização de depósito mínimo ou ao pagamento de taxas ou outras despesas de manutenção, a tarifação de serviços bancários avulsos, na forma autorizada e disciplinada pelo Banco Central do Brasil, não restou vedada pela Resolução TSE n. 23.607/19, como se extrai da leitura do seu art. 12, inc. I e §§ 1º e 2º.

5. Na abertura da conta específica da campanha foi devidamente observado o prazo previsto no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, mostrando-se, dessa forma, escorreito o procedimento adotado pelo candidato.

6. As falhas detectadas no parecer conclusivo e que embasaram o comando decisório de primeiro grau não subsistem como causas aptas à desaprovação da contabilidade da campanha, a qual, consequentemente, deve ser aprovada pela Justiça Eleitoral sem quaisquer ressalvas.

 7. Provimento do recurso.

(Recurso Eleitoral n 060038654, ACÓRDÃO de 29/07/2021, Relator: DES. ELEITORAL AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE ) Grifei.

 

Assim, conforme verificado no extrato eletrônico, as tarifas bancárias e sua efetiva incidência foram em decorrência de serviços bancários avulsos, inexistindo, dessa forma, violação à legislação eleitoral, impondo-se o afastamento da presente irregularidade.

 

d) Atraso na abertura da conta destinada ao recebimento de “Doações de Campanha”.

A unidade técnica identificou que houve descumprimento do prazo de 10 (dez) dias, previsto no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, para abertura da conta bancária “Doações para Campanha”, em manifestação assim deduzida (ID 29565833):

De seu turno, o prestador sustenta que não houve atraso na abertura da conta bancária de campanha e justifica que abriu uma conta para movimentação de recursos do FEFC somente após a confirmação da transferência dos valores para a sua campanha, conforme orientação da agremiação.

A partir da análise do contrato bancário, dos extratos das contas e dos registros disponibilizados no Sistema DivulgaCandContas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/86010/210000752116/extratos), verifica-se que foram abertas 2 (duas) contas bancárias no Banco do Brasil, na agência 679, para movimentação de recursos da campanha do recorrente, quais seja:

- conta n. 25.426-6, em nome de “Eleição 2020 Paulo Cesar Kipper de Almeida Prefeito”, com data de abertura em 01.10.2020 (ID 29566633); e

- conta n. 25.568-8, em nome de “FEFC Paulo Kipper”, com data de abertura em 19.10.2020 (ID 29563883).

Nesse contexto, o recorrente comprovou que, na abertura da conta n. 25.426-6, destinada à movimentação de recursos ordinários de campanha, foi devidamente observado o prazo previsto no art. 8º, §1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, o que sequer foi objeto de discussão no processo.

Por outro lado, a conta n. 25.568-8, glosada pela unidade técnica, refere-se ao gerenciamento de verbas recebidas do FEFC (IDs n. 29566633 e n. 29563883).

Ocorre que o prazo em questão aplica-se especificamente à abertura da conta bancária destinada ao recebimento de doações de pessoas físicas, agremiações partidárias e dos próprios candidatos, enquanto a conta bancária destinada às verbas recebidas do Fundo Partidário e do FEFC recebe a disciplina do art. 9º da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual não prevê prazo equivalente:

Art. 9º Na hipótese de repasse de recursos oriundos do Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os partidos políticos e os candidatos devem abrir contas bancárias distintas e específicas para o registro da movimentação financeira desses recursos.

 

Nessa linha de raciocínio, a inobservância do prazo prescrito no art. 8º, § 1º, inc. I, da citada Resolução para a abertura de conta bancária relacionada às receitas do FEFC não configura afronta à legislação de regência e não importa em desaprovação da contabilidade no caso concreto, na linha de precedente deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CARGOS. PREFEITO E VICE-PREFEITO. RECEBIMENTOS DE DEPÓSITOS BANCÁRIOS EM ESPÉCIE. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. DESPESAS COM COMBUSTÍVEL PARA USO EM CAMPANHA E CARREATA. AUSENTE COMPROVAÇÃO. NÃO ATENDIMENTO AOS REQUISITOS DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. ATRASO NA ABERTURA DE CONTA BANCÁRIA. MERA IMPROPRIEDADE FORMAL. PERCENTUAL DAS FALHAS. ACIMA DE 10%. INAPLICABILIDADE DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

(...).

4. O atraso na abertura de conta bancária é irregularidade insanável, porém, somente pode ser considerada grave se for constatado que houve movimentação financeira antes da abertura de conta para a campanha e não for possível rastrear os valores movimentados, o que não ficou comprovado nos autos. Diante dessas circunstâncias, a extrapolação do prazo previsto no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, no presente caso concreto, não comprometeu as contas de forma grave, constituindo-se em mera impropriedade formal, sem aptidão para, por si só, ensejar a desaprovação da contabilidade.

(...).

7. Provimento parcial, para afastar unicamente a falha pertinente ao descumprimento do prazo para abertura de conta bancária. Recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia impugnada.

(TRE-RS; REl 0600253-92.2020.6.21.0082; Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, sessão de julgamento de 14.10.2021.) Grifei.

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS A PREFEITO E VICE-PREFEITO. DESAPROVAÇÃO. ABERTURA REGULAR DE CONTA BANCÁRIA DESTINADA À MOVIMENTAÇÃO DE RECEITAS ORIUNDAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. ATRASO NA APRESENTAÇÃO DE RELATÓRIOS FINANCEIROS. FALTA DE DECLARAÇÃO TEMPESTIVA DE DOAÇÕES ANTERIORES À PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAL. FALHA NO ADIMPLEMENTO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECURSO PRIVADO NA CONTA DESTINADA AOS RECURSOS ORIUNDOS DO FEFC. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. REDUZIDO O VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

(...).

2. A abertura de conta bancária destinada à movimentação de receitas oriundas do FEFC não está sujeita ao prazo de 10 (dez) dias a partir da data da concessão do número de CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, estipulado no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, de forma que sua inobservância não configura afronta à legislação de regência, e não importa em desaprovação da contabilidade. A abertura de conta para gerenciamento de verbas recebidas do Fundo Partidário e do FEFC recebe a disciplina do art. 9º da Resolução TSE n. 23.607/19. Afastada a irregularidade.

(...).

6. Parcial provimento.

(TRE-RS; REl 0600253-92.2020.6.21.0082; Relator: DES. ELEITORAL OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES, sessão de julgamento de 14.10.2021.) Grifei.

 

Com essas considerações, afasto a falha em testilha.

 

e) Arrecadação de recursos antes da abertura da conta de campanha.

O órgão técnico constatou que houve a arrecadação de recursos antes da data da abertura da conta bancária (ID 29565833), em desacordo com o art. 3°, inc. I, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme assim relatado:

Em suas razões, o prestador alegou que cumpriu os prazos legais, pois a conta de campanha foi aberta em 01.10.2020, afirmando que o início da arrecadação de recursos ocorreu no dia 02.10.2020, dentro do prazo legal. Registrou, ainda, que houve uma nítida confusão com a conta aberta para a movimentação de recursos do FEFC e juntou aos autos contrato de abertura da conta de campanha e extratos bancários.

No ponto, assiste razão ao recorrente.

Analisando os autos, especialmente o contrato de abertura de conta-corrente, acostado com o recurso (ID 29566633), constata-se que a conta "Doações para Campanha" (Banco do Brasil, Ag. 0679, conta 25.426-6), destinada ao recebimento de doações de pessoas físicas, foi aberta em 01.10.2020.

Por sua vez, a conta bancária n. 25.568-8, com data de abertura em 19.10.2020, específica para o recebimento de recursos do FEFC, registra sua movimentação financeira inicial no dia 28.10.2020.

Dessa forma, o recorrente, ao iniciar a arrecadação de recursos em dinheiro e recursos estimáveis em dinheiro, no dia 02.10.2020, agiu em conformidade com a regra prevista no art. 3°, inc. I, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez que a conta bancária “Outros Recursos” (conta 25.426-6) estava aberta desde o dia anterior.

Assim, cumpre afastar a irregularidade sob exame.

 

Percentual da Irregularidade Constatada

Por fim, permanece a irregularidade de omissão de gastos eleitorais em razão da divergência entre o registro de despesas na prestação de contas e o confronto com notas fiscais eletrônicas, obtidas mediante circularização, no valor de R$ 85,26, que representa, aproximadamente, 0,16% das receitas arrecadadas pelo candidato (R$ 52.521,20), ficando, portanto, bastante abaixo do percentual de 10% utilizado como limite para permitir a aprovação das contas com ressalvas, por aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, na esteira da jurisprudência desde Tribunal Regional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES DE 2016. VEREADOR. LIMITE DE GASTOS COM ALIMENTAÇÃO. DIVERGÊNCIA QUANTO À AUTORIA DAS DOAÇÕES. IRREGULARIDADES INFERIORES A 10% DA ARRECADAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. Gastos com alimentação que excedem em 3,2% o limite de despesas dessa natureza e divergência entre os dados do extrato bancário e as declarações de doações registradas no balanço contábil que expressam 3,57% dos recursos arrecadados. Falhas que, somadas, representam menos de 10% dos recursos utilizados na campanha, não prejudicando a confiabilidade das contas. Incidência do princípio da proporcionalidade. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS – RE: 41060 PORTO ALEGRE – RS, Relator: DES. ELEITORAL MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 25.06.2018, Data de Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 112, Data 27.06.2018, Página 6.) (Grifei.)

 

Por fim, embora haja previsão expressa de recolhimento dos valores identificados como de origem não identificada (RONI) aos cofres do Tesouro Nacional (art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19), não tendo sido a medida determinada pela sentença, e existindo a interposição de recurso exclusivamente pelo candidato, não cabe, nesta instância, a imposição do dever de recolhimento de ofício, sob pena de violação do princípio da non reformatio in pejus.

Por essas razões, a sentença deve ser parcialmente reformada para aprovar com ressalvas as contas, acolhendo-se o pedido subsidiário deduzido nas razões recursais.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de Paulo Cesar Kipper de Almeida e Julio Ledur, relativas ao pleito de 2020.