REl - 0600530-33.2020.6.21.0010 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/12/2021 às 10:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença proferida pelo Juízo Eleitoral da 10ª Zona que desaprovou as contas de ROSANA SCHIRLEI SCHEIDT, candidata ao cargo de vereadora nas eleições de 2020, no Município de Cerro Branco, bem como a condenou à multa de R$ 59,63, em virtude da verificação de diversas irregularidades, a seguir analisadas de maneira individualizada.

I – Da omissão de receita estimável em dinheiro

Na instância de origem, a magistrada constatou que a candidata efetuou despesas com combustível, nos importes de R$ 170,00 e R$ 110,00, totalizando R$ 280,00, para abastecimento de veículo, alegadamente de sua genitora, sem que o valor correspondente à cessão tenha sido estimado e registrado na prestação de contas, entendendo configurada a omissão de receita.

A matéria concernente aos gastos com combustíveis e manutenção de veículo empregado na campanha encontra-se disciplinada no art. 35, §§ 6º e 11, da Resolução TSE n. 23.607/19, litteris:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(...)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

(…)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

Nesse passo, consoante reza o dispositivo transcrito, as despesas do candidato com combustível, reputadas como de natureza pessoal, não se consideram gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha.

Podem tais despesas, entretanto, ser consideradas gastos eleitorais, contanto que preenchidos os requisitos elencados no art. 35, § 11, do aludido diploma normativo.

In casu, foram juntadas aos autos as notas fiscais emitidas pelo fornecedor ABASTECEDORA DE COMBUSTÍVEIS CERRO BRANCO LTDA. – EPP contra o CNPJ da campanha, referentes aos gastos de R$ 170,00, com gasolina, no dia 19.10.2020 (ID 42547083), R$ 100,00, com gasolina, em 14.11.2020 (ID 42547183), e R$ 10,00, com lubrificante, também em  14.11.2020 (ID 42547183).

Igualmente, foi acostado aos autos o Demonstrativo de Despesas com Combustíveis Semanal, devidamente preenchido (ID 42546083).

Contudo, em que pese tenha sido afirmado pela recorrente que foi juntado ao feito o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo atinente ao automóvel utilizado na campanha, que seria de propriedade de sua mãe, tal prova não foi acostada, conforme assentado na sentença. Há, em verdade, tão somente, uma autorização de uso de veículo (ID 42545733).

De qualquer modo, observa-se que, efetivamente, não houve registro na prestação de contas dos valores atribuídos à cessão temporária do veículo, em violação ao que prescreve a Resolução TSE n. 23.607/19, sobretudo em seus arts. 57, § 2º, 58, caput, e 60, §§ 4º, inc. I, e 5º, verbis:

Art. 57. A comprovação dos recursos financeiros arrecadados deve ser feita mediante:

(...)

§ 2º A ausência de movimentação financeira não isenta o prestador de contas de efetuar o registro das doações estimáveis em dinheiro.

(...)

Art. 58. As doações de bens ou serviços estimáveis em dinheiro, observado o disposto no art. 38, § 2º, da Lei nº 9.504/1997, ou as cessões temporárias devem ser avaliadas com base nos preços praticados no mercado no momento de sua realização e comprovadas por:

(...)

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

(...)

§ 4º Ficam dispensadas de comprovação na prestação de contas:

(...)

III - a cessão de automóvel de propriedade do candidato, do cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha.

§ 5º A dispensa de comprovação prevista no § 4º não afasta a obrigatoriedade de serem registrados na prestação de contas os valores das operações constantes dos incisos I a III do referido parágrafo.

(…)

Ademais, resta claro que os abastecimentos em questão serviram ao uso pessoal da candidata, razão pela qual não poderiam ser pagos com recursos de campanha, nos termos do art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nítida, assim, a configuração da irregularidade, razão pela qual a sentença não merece reforma quanto ao ponto, tendo realmente sido omitida receita de campanha estimável em dinheiro.

II – Da omissão de gastos eleitorais

A sentença reconheceu divergência entre as informações relativas às despesas, constantes da prestação de contas, e aquelas obtidas pela Justiça Eleitoral, mediante confronto com notas fiscais eletrônicas, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais, infringindo o art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

O dispêndio não declarado teria sido realizado em ABASTECEDORA DE COMBUSTÍVEIS CERRO BRANCO LTDA., CNPJ n. 00.376.554/0001-98, no dia 14.11.2020, na monta de R$ 100,00, representado pela nota fiscal n. 14409.

A ilustre magistrada entendeu que, “Nos extratos bancários e eletrônicos, verifica-se movimentação de despesa no valor de R$ 110,00, sem, contudo, a identificação da contraparte nos extratos”. Assim, concluiu que, “Por tal circunstância, resta impossível atestar com segurança a regularidade da despesa realizada dessa forma”.

De seu turno, a recorrente defende que “a fornecedora de combustíveis emitiu uma nota fiscal eletrônica para o combustível e uma nota fiscal modelo D1 para o lubrificante, totalizando assim R$ 110,00 (Cento e dez reais). Dessa forma, resta comprovado que não houve omissão e sim o pagamento de despesa com um único cheque para o mesmo fornecedor, o qual emitiu duas notas”.

Compulsando os autos, verifico que a imagem da nota fiscal n. 14409, no valor de R$ 100,00, foi juntada aos autos, por ocasião da apresentação das contas finais, em 30.12.2020, juntamente com a nota fiscal n. 12559 – série D-1, relativa à aquisição de lubrificante, na monta de R$ 10,00 (ID 42547183).

Outrossim, anoto que o gasto foi escriturado na prestação de contas, conforme Demonstrativo de Despesas Efetuadas (ID 42545833), Demonstrativo de Despesas com Combustíveis Semanal (ID 42546083) e Demonstrativo das Despesas Pagas Após a Eleição (ID 42546333), todos esses fazendo referência à nota fiscal n. 014409 e descrevendo minuciosamente a que se referem: 21,052 litros de gasolina comum, ao custo de R$ 4,750143 cada litro, resultando no total de R$ 100,00.

Após o relatório técnico preliminar, foram novamente apresentados os mencionados documentos fiscais, acompanhados do cheque utilizado para pagamento das despesas, nominal ao fornecedor, no valor de R$ 110,00, porém não cruzado (ID 42548533).

Diante disso, não é possível confirmar a alegação da parte recorrente de que o título de crédito em tela foi emitido para pagamento conjunto das notas fiscais lançadas pelo mesmo fornecedor, uma vez que descumprida a previsão contida no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal ao fornecedor, mas também cruzado.

A exigência de cruzamento do título visa impor que o seu pagamento ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, em especial que os prestadores de serviço informados no ajuste contábil foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

In casu, os documentos juntados não evidenciam que os recursos foram efetivamente destinados ao prestador de serviços declarado, porquanto, tendo o cheque sido sacado diretamente por caixa, não consta no extrato bancário o nome do beneficiário do pagamento.

Sobre o ponto, colho a judiciosa manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral:

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi ele quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes distintas, que permite, nos termos da Resolução, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes.

Destarte, não merece reforma a sentença quanto ao tema, posto que a magistrada a quo, com acerto, entendeu que a falta de identificação da contraparte no extrato bancário torna impossível atestar-se a regularidade da despesa.

III – Da extrapolação do limite de autofinanciamento de campanha

Apurou-se que a candidata aplicou em sua campanha recursos próprios no total de R$ 1.290,40, extrapolando o teto permitido, de R$ 1.230,78, correspondente a 10% do limite de gastos para o cargo de vereador no Município de Cerro Branco.

Diante disso, o juízo sentenciante, considerando inobservado o limite estabelecido pelo art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, aplicou à candidata multa de R$ 59,63, equivalente a 100% da quantia em excesso.

A matéria objeto de análise encontra-se regulamentada na Resolução TSE n. 23.607/19, a qual, em seu art. 27, dispõe:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

(...)

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990  (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

(…).

Desse modo, restou caracterizada a irregularidade, que se perfectibilizou pelo simples excesso na utilização de recursos próprios.

Uma vez verificada a imoderação, faz-se impositiva a aplicação da multa, que incide objetivamente, inclusive como garantia de condições isonômicas entre todos os candidatos, não se perquirindo acerca das razões conducentes a tanto.

Indene de dúvida, assim, a configuração da irregularidade consistente na extrapolação do limite de autocusteio, bem como a necessidade de imposição de multa.

Assim, não merece reparo a decisão monocrática, no ponto em que considerou irregular o excesso de gasto e aplicou ao prestador a multa de R$ 59,63, equivalente a 100% da quantia sobejante, medida adequada, razoável e proporcional às circunstâncias do caso em exame, a qual deverá ser recolhida ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), conforme previsto no art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

IV – Da movimentação de recursos do FEFC na conta “Outros Recursos”

Houve recebimento e devolução de recursos do FEFC, no valor de R$ 290,40, sem trânsito pela conta bancária específica, os quais teriam sido doados, por equívoco, pelo candidato a vice-prefeito Ivancur Seckler, e posteriormente devolvidos, razão pela qual não foi determinado o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

Na sentença, os contornos da irregularidade em questão foram expostos de forma detalhada:

Foram identificadas as seguintes irregularidades:

1 – receita no valor de R$ 290,40: Em sede de manifestação, a candidata declara ter recebido inadvertidamente os recursos do candidato a Vice-Prefeito Ivancur Seckler. Recurso que, posteriormente, foi objeto de devolução, por se tratar de receita oriunda do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (de origem pública), que deveria transitar em conta bancária específica para tal.

Da documentação juntada percebem-se indícios de lapso na movimentação do referido recurso.

A quantia recebida de R$ 290,40, proveniente da conta FEFC aberta pelo candidato a Vice-Prefeito, deveria ter sido devolvida diretamente por transferência bancária da conta da candidata (recebedora do importe) para a conta FEFC do candidato (doador da quantia); procedimento que daria mais transparência à devolução empreendida pelo candidato cuja prestação de contas ora se analisa.

Ocorre que a devolução deu-se por meio de depósito em cheque do valor recebido inadvertidamente.

Analisando os extratos bancários do candidato a Vice-Prefeito é possível verificar movimentação (depósito do valor de R$ 290,40 em 03/11/2020) com identificação do CNPJ da candidata em questão.

Embora haja indícios que indiquem que o valor recebido foi efetivamente objeto de equívoco, e, posteriormente, devolvido à conta do candidato, entendo pela manutenção da falha nas contas, pelos seguintes motivos, que ora resumo:

1. trata-se de falha envolvendo recurso de origem pública, oriundo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o que, por si só, implicaria maior cautela e zelo quanto à sua utilização/devolução;

2. o valor foi recebido em conta de ‘outros recursos’, misturando recursos de ordem privada e pública;

3. ao candidato recebedor da quantia restava a possibilidade de transferi-la diretamente para a conta do doador, por meio de transferência bancária entre contas (tornando a devolução mais transparente e condizente as normas eleitorais de arrecadação e gastos);

4 – a quantia foi recebida em 29/10/2020 (por transferência) e devolvida em 03/11/2020 (por depósito), sendo que, logo após o recebimento da quantia, uma despesa foi realizada no mesmo valor de R$ 290,40, junto à GRAFICA FAZENDO ARTE LTDA.

Assim, pelos motivos acima alinhavados, a irregularidade merece ser mantida nas contas, representando 22,50% do total de receita declarado pela candidata.

Entendo, por fim, quanto à devolução da quantia, que o recolhimento ao Tesouro Nacional merece ser afastado, por ter havido devolução do importe (ainda que de modo precário) e por ser possível identificar nos extratos do doador o retorno do valor depositado de forma desacautelada.

Com efeito, embora a devolução dos valores não tenha se dado por transferência eletrônica, consoante determinado pelas normas de regência, é certo que a verba não foi utilizada pela prestadora de contas e restou efetivamente restituída à conta destinada ao FEFC do candidato doador.

A atenta Procuradoria Regional Eleitoral apurou a existência de divergência entre o extrato bancário constante do sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais e aquele acostado pela candidata, apontando que deveria ser considerado este último, consoante trecho da lúcida manifestação:

Aqui há que se fazer um esclarecimento, no Divulgacandcontas consta um segundo depósito no mesmo valor por parte de Eleição 2020 Ivancur Seckler FEFC, no dia 03.11.2020, porém, verificando o extrato bancário acostado aos autos, tem-se que esse depósito foi feito pela própria candidata, pois está identificado com o CPF 188.366.310-53. Portanto, deve ser considerada a informação do extrato bancário e não a que consta no Divulgacandcontas a respeito desse depósito realizado no dia 03.11.2020.

Logo após o depósito feito pela própria candidata é paga despesa com a Gráfica Fazendo Arte Ltda., portanto, com recursos próprios.

O que se extrai desse quadro é que os recursos recebidos de outro candidato objetivavam o pagamento de despesa já realizada com a aludida gráfica. Contudo, ao perceber o equívoco do depósito dos recursos do FEFC na conta “Outros Recursos”, no lugar de pagar a gráfica, decidiu por devolver o recurso ao candidato. Posteriormente, aportou recursos próprios para pagar a aludida despesa.

Nesse sentido, a nota fiscal da gráfica, no valor de R$ 290,40, foi emitida no dia 01.10.2020 (ID 42547133), esclarecendo porque os recursos do FEFC, depositados em 29.10.2020, foram exatamente nesse valor.

Ao final, concluiu o órgão ministerial pelo afastamento da irregularidade, pois houve a devolução, mediante cheque, dos recursos do FEFC recebidos indevidamente.

Examinando caso semelhante ao dos autos, esta Corte, recentemente, entendeu ser a falha meramente formal, incapaz de acarretar prejuízo à transparência e à confiabilidade das contas:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. OMISSÃO DE GASTOS. DESPESA COM COMBUSTÍVEL. CESSÃO DE VEÍCULO. NÃO REGISTRADAS. RECEBIMENTO DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC NA CONTA “OUTROS RECURSOS”. EQUÍVOCO. VERBA NÃO UTILIZADA. DEVOLUÇÃO. FALHA MERAMENTE FORMAL. PERSISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE DE VALOR NOMINAL DIMINUTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. Identificados o recebimento e a devolução de recursos do FEFC, sem trânsito pela conta bancária específica, os quais teriam sido doados por equívoco e posteriormente devolvidos, conforme comprovante, razão pela qual não foi determinado o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional. Comprovadas nos autos a restituição dos valores ao doador e a não utilização da verba pelo presente prestador de contas, caracterizando a falha como meramente formal, incapaz de acarretar prejuízo à transparência e à confiabilidade das contas.

(...)

(TRE-RS, REl n. 0600525-11.2020.6.21.0010, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 23.9.2021.)

Desse modo, deve ser afastada a irregularidade em questão.

V – Da realização de gastos sem observância da forma prescrita no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19

A unidade técnica apontou divergência entre a movimentação financeira lançada na prestação de contas e aquela registrada nos extratos eletrônicos, relativamente ao débito de R$ 500,00, ocorrido no dia 11.11.2020, efetivado pela compensação do cheque n. 6.

Indicou o examinador que, no extrato eletrônico, consta que a cártula foi compensada em proveito de ROSANA SCHIRLEI SCHEIDT, CPF n. 188.366.310-53, ao passo que, no ajuste contábil, há registro de que o cheque foi utilizado para pagamento de despesa com “criação e inclusão de páginas na internet” ao fornecedor MARCIO ANDRE NUNES BOEIRA, CNPJ n. 33.089.719/0001-08.

Em face disso, a magistrada assim decidiu:

Despesa no valor de R$ 500,00 – identificação no extrato eletrônico da própria candidata como contraparte. Divergência com a informação da prestação de contas de que a despesa foi realizada junto ao fornecedor MARCIO ANDRÉ NUNES BOEIRA. Ausência de comprovação cabal de que efetivamente a despesa foi realizada junto ao fornecedor declarado nas contas (endosso do cheque não comprovado, não apresentado cheque nominal cruzado referente à despesa). Impossibilidade de atestar que a despesa foi realizada de forma regular.

No apelo, a recorrente cinge-se a afirmar que o “valor consta na prestação de contas, pois o pagamento da nota fiscal de serviços de produção de mídia digital, NF 202028, conforme anexo, e sua existência pode ser visualizada no extrato bancário”, e anexa a imagem da assim denominada “planilha reprodução do extrato bancário”, aparentemente empregada para controle interno das movimentações financeiras da candidata, e na qual, relativamente ao cheque, foi assinalado “material digital nf 202028”.

Não assiste razão à recorrente.

Como bem pontuado no parecer ministerial, não houve apresentação de cheque nominal e cruzado referente à despesa, em infringência ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, devendo ser salientado que, segundo atesta a unidade técnica, a própria candidata foi a beneficiária do cheque.

Os documentos juntados não evidenciam que os recursos de campanha foram efetivamente destinados ao fornecedor declarado, porquanto não consta no extrato bancário o nome da empresa como beneficiária do pagamento de R$ 500,00, nem tampouco foi juntada cópia da cártula empregada para quitação da despesa.

Aliás, mais grave: consta do extrato o nome da própria candidata, e não o do presumido fornecedor, inexistindo prova de que o valor tenha sido alcançado a ele e que o pagamento do gasto tenha observado o dispositivo acima reproduzido.

Logo, restou caracterizada a mácula, porquanto não houve a devida comprovação de que o pagamento do gasto de R$ 500,00 foi direcionado ao respectivo fornecedor.

Conclusão

Por derradeiro, as falhas identificadas nas contas alcançam o somatório de R$ 839,63 (R$ 280,00+R$ 59,63+500,00), cifra que, conquanto represente 65,07% das receitas declaradas (R$ 1.290,40), mostra-se em termos absolutos reduzida e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módica, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), possibilitando a aprovação das contas com ressalvas.

Quanto ao tema, destaco excertos da decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação do critério do valor nominal diminuto, que prepondera sobre eventual aferição do alcance percentual das falhas, de modo a afastar o juízo de desaprovação das contas quando o somatório das irregularidades se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10 (TRE-RS: PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020, e REl n. 0600399-70.2020.6.21.0103, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 20.05.2021).

Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta a aplicação de multa eleitoral em razão do uso de recursos próprios, em campanha, acima do teto legal, cujo fundamento repousa no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19 e no art. 23, § 3º, da Lei 9.504/97, independentemente da sorte do julgamento final das contas.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de campanha de ROSANA SCHIRLEI SCHEIDT, relativas às eleições de 2020, mantendo a condenação à multa no valor de R$ 59,63, com base no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97.