REl - 0600399-29.2020.6.21.0149 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/12/2021 às 10:00

VOTO

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

No mérito, as contas de campanha de VERA LUCIA GALLE foram desaprovadas na instância de origem, sem determinação de recolhimento de valores ao erário, em sentença assim fundamentada:

DECIDO.

A prestação de contas foi instruída com os documentos arrolados na Resolução TSE n. 23.607/2019 e as peças devidamente assinadas.

A unidade técnica apontou, após a conclusão de todos os exames, a existência das seguintes irregularidade nas contas:

1) identificada despesa com combustível sem o respectivo registro de locação, cessão de veículo, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia;

2) ilegitimidade do pagamento de despesas cujo fornecedor é o próprio prestador de contas;

3) identificada divergência entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela registrada nos extratos eletrônicos, não tendo sido declarado depósito na prestação de contas. 

Os apontamentos registrados no laudo técnico comprometeram a regularidade das contas.

A prestação de contas em análise não observou o disposto na Resolução nº 23.607/19 do TSE, nem o previsto pela Lei 9.504/1997.

Destaca-se que, verificando os documentos apresentados pela parte, que as irregularidades são graves e comprometem a regularidade das contas tendo em vista que, como bem explicitado pelo Ministério Público Eleitoral, "conquanto inexistam indícios de que a candidata pretendeu, com a Transferência Eletrônica Disponível de R$ 1.000,00 efetuada à pessoa jurídica GWM LTDA, fraudar a destinação das sobras dos recursos de campanha ao partido político, igualmente não há prova documental de que o valor encontre lastro em serviço contratado e prestado".

Diante do exposto, julgo DESAPROVADAS as contas de VERA LUCIA GALLE com base no art. 74, inciso III, da Resolução 23.607/19 do TSE.

Para fins no disposto no art. 22 da Lei Complementar número 64/1990 (nos termos apontados no art. 22, § 4º, da Lei 9.501/1997), dê-se vista ao Ministério Público Eleitoral.

Oficie-se ao Ministério Público Federal acerca da doação financeira realizada por Osmar Galle (CPF 499.747.930-68) pessoa física inscrita em programa social do Governo Federal para a campanha da candidata VERA LUCIA GALLE para investigação acerca da regularidade do recebimento dos valores.

Passa-se, a seguir, à análise pormenorizada de cada uma das falhas ensejadoras do juízo de reprovação das contas.

I – Da despesa com combustível

A unidade técnica, em parecer conclusivo, apontou que a candidata efetuou despesa com combustível, junto ao fornecedor ABASTECEDORA DE COMBUSTÍVEIS CONEXAO LTDA., CNPJ n. 28.430.352/0001-04, no dia 30 de outubro de 2020, no valor de R$ 182,00, sem o correspondente registro de locação, cessão de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia, em contrariedade ao art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19 (ID 42260333).

A matéria concernente aos gastos com combustíveis e manutenção de veículo empregado na campanha encontra-se disciplinada no art. 35, §§ 6º e 11, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(...)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

(…)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

Nesse passo, consoante dispõem os dispositivos transcritos, as despesas de candidato com combustível, reputadas como de natureza pessoal, não se consideram gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha.

Podem tais dispêndios, entretanto, ser considerados gastos eleitorais, contanto que preenchidos os requisitos elencados no art. 35, § 11, do aludido diploma normativo.

In casu, examinando a nota fiscal atinente ao gasto, juntada aos autos sob o ID 42258883, percebe-se que não foi anotado o CNPJ da candidata, constando meramente seu nome, VERA LUCIA GALLE.

Insta salientar que não procede a alegação da recorrente no sentido de que “não houve o lançamento do abastecimento, dada a desnecessidade de fazê-lo, já que foi em veículo próprio, não havendo falar em ilegalidade”. Ora, o pagamento da gasolina foi efetivado com verbas de campanha, que não se prestam a custear despesas de ordem pessoal dos candidatos.

Dessa forma, mostra-se patente a configuração da irregularidade, porquanto o pagamento da despesa se deu com recursos de campanha, em desconformidade com as normas de regência, devendo ser mantida a sentença quanto ao ponto.

II – Do pagamento de despesa para empresa da qual a candidata é sócia-administradora

A irregularidade, consoante assentado pela magistrada a quo, consiste em ilegitimidade de pagamento de despesa, no valor de R$ 1.000,00, pois a prestadora de contas é sócia-administradora do próprio fornecedor.

Sobre este tópico, o examinador contábil perante o Juízo Eleitoral assim se manifestou (ID 42260333):

Os extratos bancários apontam despesa realizada em favor da empresa Calçados GMV LTDA, da qual há informação de que a prestadora é sócia-administradora, no valor de R$ 1.000,00, por transferência eletrônica nº 2991, na data de 10/11/2020.

Esta despesa não está apresentada na prestação de contas, constituindo uma inconsistência grave, que denota o potencial desvio de recursos que constituiriam sobras de campanha ou a apropriação indevida de recursos da campanha eleitoral, geradora de potencial desaprovação.

A prestadora afirma que fez a imediata devolução do recurso e anexa comprovante de transferência (doc. ID 83491890).

A regulamentação sobre a prestação de contas dos candidatos impõem que toda movimentação nas contas de campanha seja contabilizada. De fato, há um depósito realizado pela empresa GWM LTDA em 03/11/2020 (documento 90107 da conta de Outros Recursos) e a imediata devolução (documento 6233 da mesma conta). Contabilmente esta movimentação deveria ser anotada, para tal há inclusive o demonstrativo Relatório de Devoluções (doc. ID 75420434) que foi apresentado com a expressão SEM MOVIMENTAÇÃO. O examinador, entretanto, percebeu a correta devolução de recursos oriundo de pessoa jurídica, que não foram utilizados, e por tratar-se de erro meramente formal, não fez apontamento.

O apontamento feito trata de transferência eletrônica realizada em benefício da empresa GMW LTDA realizado em 10/11/2020, que não aparece na contabilidade. Desta forma, é mantido o apontamento de que foi feito pagamento ilegítimo de despesas cujo fornecedor é a própria prestadora de contas, denotando o desvio de recursos que constituiriam sobras de campanha posto que, no extrato da prestação de contas apresentado, o total de arrecadação de recursos financeiros próprios totalizariam 1.106,35, enquanto os extratos eletrônicos apontam um total de R$ 2.106,35. Ou seja, evidencia-se que a candidata ressarciu-se indevidamente de recursos próprios que, uma vez destinados à campanha, não são mais de sua propriedade, sendo o saldo, pela natureza da conta, destinado ao Partido Político, conforme reza o Art. 50, no inciso I e no § 4º.

A recorrente assevera que “quanto ao depósito, apontado por não ter passado pela prestação de contas, o equívoco foi sanado, vez que realizada a devolução definitiva do valor através de TED em 03 de novembro”.

Não assiste razão à recorrente.

Deveras, conforme assinalado no parecer técnico conclusivo, a falha não reside na transferência bancária eletrônica no importe de R$ 1.000,00, efetuada no dia 03.11.2020, em prol de CALCADOS GMV LTDA., CNPJ n. 05.771.255/0001-71, tendo em vista que essa operação se destinou a meramente devolver àquela empresa doadora o crédito de R$ 1.000,00, dela recebido também em 03.11.2020, posto que proveniente de fonte vedada de recursos (pessoa jurídica).

A irregularidade em tela diz respeito à TED realizada no dia 10.11.2020 em benefício daquela mesma empresa, da qual a candidata é sócia-administradora, mas que não foi lançada na escrituração contábil de campanha, nem tampouco há nos autos, nas palavras da ilustre Juíza Eleitoral, “prova documental de que o valor encontre lastro em serviço contratado e prestado”.

Subsiste, portanto, a mácula, no valor de R$ 1.000,00, nos termos deduzidos na decisão recorrida.

III – Do recebimento de depósito bancário não declarado na prestação de contas

A unidade técnica apontou divergência entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela constante dos extratos bancários, pois não foram declarados tanto o crédito de R$ 1.000,00, recebido de VERA LUCIA GALLE, CPF n. 42093104091, no dia 29.10.2020, mediante depósito em dinheiro, quanto o débito de idêntico valor, no dia 10.11.2020, via TED, em prol de CALCADOS GMV LTDA, CNPJ n. 05771255000171 (ID 42260333).

O examinador de contas complementou que tal apontamento representa “a demonstração contábil do apontado no item anterior e que não foi satisfatoriamente respondido pela prestadora”.

Apreciando o tema, o Juízo Eleitoral considerou caracterizada a irregularidade pelo depósito na conta de campanha não declarado na escrituração apresentada à Justiça Eleitoral.

Vê-se, desse modo, a fim de bem esclarecer, que foram glosados pela autoridade judicial, de maneira apartada, o débito de R$ 1.000,00 na conta de campanha, relativo à TED em favor de CALCADOS GMV LTDA. (item anterior), e o crédito bancário no mesmo valor, recebido mediante depósito em espécie de VERA LUCIA GALLE, mas não transposto para o balanço contábil (tópico corrente).

Exatamente em face disso, deve-se entender que a afirmação precedentemente reproduzida da recorrente de que, “quanto ao depósito, apontado por não ter passado pela prestação de contas, o equívoco foi sanado, vez que realizada a devolução definitiva do valor através de TED em 03 de novembro”, também impugna a presente falha, merecendo avaliação nesta instância.

Contudo, melhor sorte não assiste à recorrente.

Como antes consignado, a TED operacionalizada pela candidata em 03.11.2020, na importância de R$ 1.000,00, destinou-se a restituir CALÇADOS GMV LTDA. pela doação recebida da empresa naquela mesma data, cuja procedência é ilícita, por se tratar de pessoa jurídica.

Contrariamente ao afirmado na razões recursais, então, não há que se falar em a TED de 03.11.2020 consistir em devolução a VERA LUCIA GALLE, CPF n. 42093104091, da doação recebida no dia 29.10.2020.

Porém, tal circunstância não é licitamente possível, uma vez que, como acertadamente ponderou a unidade técnica, os recursos, “uma vez destinados à campanha, não são mais de sua propriedade, sendo o saldo, pela natureza da conta, destinado ao Partido Político”.

Outrossim, conforme dispõe o art. 49-A do Código Civil, “a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios”, prevalecendo a regra clássica da separação e distinção do patrimônio da pessoa jurídica e dos sócios.

Nesse passo, a ausência de lançamento de receita constitui afronta ao art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, litteris:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

I - pelas seguintes informações:

(...)

g) receitas e despesas, especificadas;

Logo, há de ser mantida a glosa apontada.

Conclusão

Assim, as irregularidades nas contas (R$ 182,00 + R$ 1.000,00 + R$ 1.000,00) alcançam a cifra de R$ 2.182,00, que representa 66,04% das receitas declaradas (R$ 3.302,35), inviabilizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto das contas, na linha da jurisprudência consolidada deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018.

(...)

3. Falha que representa 18,52% dos valores auferidos em campanha pelo prestador. Inviabilidade da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como forma de atenuar a gravidade da mácula sobre o conjunto das contas.

4. Desaprovação.

(Prestação de Contas n 060235173, ACÓRDÃO de 03.12.2019, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão.)

Destarte, na linha do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, impõe-se a manutenção da desaprovação das contas.

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, ao efeito de manter a sentença que julgou desaprovadas as contas de VERA LUCIA GALLE, candidata ao cargo de vereadora no Município de Três Coroas, relativamente às eleições de 2020.